Roda de conversa traz relatos e vivências de mulheres negras em cargos de poder
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- 08-05-2025
Os relatos e as vivências de mulheres negras em cargos de poder foram assunto de roda de conversa realizada, na tarde desta quarta-feira (07/05), em formato virtual. A atividade integrou a programação da IV Semana de Combate aos Assédios e à Discriminação do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), que traz atividades para sensibilizar e capacitar o público interno visando um ambiente de trabalho digno, inclusivo e livre de qualquer forma de violência institucional.
A juíza Maria do Socorro Montezuma Bulcão, presidente da Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação do TJCE no 1º Grau, apresentou as convidadas para a roda de conversa e explicou sobre a necessidade de incluir o debate na programação do evento. “A ideia dessa roda de conversa surgiu após uma colega juíza do Rio de Janeiro ter sido vítima de crime de racismo, o que nos indignou muito porque já sentíamos a necessidade de unirmos mulheres negras que ocupam cargo de poder, então nós temos aqui mulheres que estão dentro dessas características, que se autodeclaram negras, ou seja, pretas e pardas”, salientou.
A titular da 3ª Vara de Sucessões de Fortaleza e membra da Comissão de Políticas Judiciárias pela Equidade Racial do TJCE, juíza Ana Cláudia Gomes de Melo, coordenou a roda de conversa e falou sobre a importância da promoção do debate. “Discutir a presença das mulheres negras no Judiciário é essencial para enfrentar o racismo institucional e visibilizar as múltiplas dificuldades que elas enfrentam, por serem mulheres e negras. Isso é o que chamamos de interseccionalidade — a sobreposição de discriminações. O poder, historicamente, foi moldado para o homem branco e heterossexual. Quando uma mulher tenta ocupar esse espaço, esbarra em barreiras invisíveis, que chamamos de ‘teto de vidro’: o machismo, a sobrecarga dos cuidados, entre outros. Agora, imagine o que isso significa para uma mulher negra, vinda das camadas populares. Estar nesse lugar é, o tempo todo, ter que provar que somos capazes. Por isso, esse debate, no contexto da semana de combate ao assédio, representa um avanço importante do nosso Tribunal. É um passo para romper o silêncio e combater a invisibilidade da mulher negra no Sistema de Justiça”, defendeu a juíza.
Em seguida, a desembargadora Lisete de Sousa Gadelha, presidente da 1ª Câmara de Direito Público do TJCE, também se manifestou. “Eu me autodeclaro parda e, felizmente, ao longo da minha trajetória, não vivi episódios diretos de discriminação racial. No entanto, é impossível ignorar que a minha presença assim como a de tantas outras mulheres pretas e pardas – em espaços de poder ainda é uma exceção, e não a regra”, disse a desembargadora. Ela acrescentou que “em 134 anos de história, o Supremo Tribunal Federal jamais contou com uma ministra negra. Essa ausência revela, de forma eloquente, as barreiras estruturais que ainda precisam ser superadas”.
A desembargadora apresentou dados mais recentes do Diagnóstico Étnico-Racial elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), referentes a 2023. Conforme o levantamento, 83,9% das(os) magistradas(os) se autodeclaram brancas(os); 14,5% se consideram negras(os), sendo 1,7% pretas(os) e 12,8% pardas(os). Ela lembrou que fez parte do primeiro concurso público para a magistratura e que, na época, somente 20 mulheres assumiram, um marco. O ano era 1986.
Lisete ressaltou os avanços do Judiciário cearense. “No Tribunal de Justiça do Ceará, ao compararmos os percentuais de magistrados(as) e servidores(as) que se autodeclaram pretos(as) ou pardos(as) com os índices nacionais, há motivo de algum alento. O TJCE apresenta o sexto maior percentual de magistrados(as) negros do país (33,1%) e ocupa a nona posição nacional entre os tribunais com maior proporção de servidores(as) negros(as) (50,7%). Esses números revelam avanços importantes no âmbito local, ainda que insuficientes diante das desigualdades históricas. Cabe a nós erguer a voz por aqueles e aquelas que historicamente foram silenciados. Quando falamos do combate ao racismo, de justiça de gênero, de interseccionalidade, estamos falando de direito fundamental à vida, à dignidade e à cidadania. Estamos falando de um mundo melhor para todos”.
VIVÊNCIAS
A defensora pública Rayssa Cristina Santiago dos Santos, da Defensoria Pública do Ceará, contribuiu com as discussões na sequência. Descreveu situações de preconceito vivenciadas no trabalho e disse que o debate é de extrema relevância para o Sistema de Justiça, especialmente para que a população se sinta verdadeiramente representada. “Há a necessidade de empretecer o Sistema de Justiça. Vai favorecer a diversidade, a pluralidade e a melhora das decisões judiciais”.
Outra participante foi a promotora de Justiça Alessandra Loreto, da 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Baturité, que contou sobre as inúmeras situações de assédio vivenciadas ao longo de quase 20 anos, desde o período em que era estagiária. “Por um lado, eu tentava minimizar o que acontecia, para continuar ocupando esses espaços, e por outro me sentia culpada e questionava se era por causa da roupa que eu estava vestindo”, relembrou. Relatou que chegou a mudar o vestuário para tentar evitar os assédios, mas era insuficiente. “Será que se eu fosse um homem, especialmente um homem branco, haveria tantos episódios de agressão para eu contar?”, questionou.
A roda de conversa ainda teve a participação da servidora Kássia Lanelly Lima Alves, técnica judiciária e membra do Comitê de Equidade de Gênero do TJCE. Ela falou da experiência como advogada, antes de ingressar no Tribunal, e tratou de marcadores sociais que, em alguns casos, acabam sendo necessários para assegurar respeito. “Eu era a doutora quando atuava como advogada. E, para a parte que eu estava atendendo, não gostava muito de ser a doutora, mas para outras pessoas, especialmente colegas advogados homens, eu exigia que eu fosse a doutora.”
A servidora também falou sobre a importância da educação para a ocupação dos espaços de poder e enalteceu o trabalho do Comitê de Equidade de Gênero. “Começamos a nossa atuação em janeiro deste ano. Somos mulheres muito engajadas e conscientes da responsabilidade que nós temos ocupando esses espaços. A mudança vem maior quando nos erguemos e isso é um talento grande das mulheres, das mulheres negras em especial”.
A técnica judiciária Ethiene dos Santos Xavier acompanhou o debate e elogiou a iniciativa. “Reflexões importantíssimas! O tema é salutar e merece mais e mais rodas de conversas iguais a essa”.
Para o presidente da Comissão de Políticas Judiciárias de Promoção da Igualdade Racial (CPJPIR), desembargador André Costa, esses eventos são fundamentais. Ele considerou que as histórias precisam ser contadas para, a partir daí, as pessoas se sentirem incentivadas a denunciar os casos de assédio e racismo.
A coordenadora do Comitê Gestor de Equidade de Gênero, desembargadora Ângela Teresa Gondim Carneiro Chaves, e o juiz Magno Rocha Thé Mota, integrante da Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação de 1º Grau do TJCE, também participaram da roda de conversa, entre outras(os) magistradas(os), servidoras(es) e demais colaboradoras(es) do Judiciário estadual, além do público externo.
PROGRAMAÇÃO
A programação teve início nessa segunda-feira, dia 5 de maio, com a palestra “Por um futuro sem assédio: Equidade como caminho”, ministrada pela desembargadora federal Salise Monteiro Sanchotene, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), referência nacional no enfrentamento ao assédio e à discriminação no Poder Judiciário.
Na ocasião, foi entregue a Cartilha Essencial, que promove garantias e direitos a um ambiente de trabalho seguro e sustentável no âmbito do Tribunal de Justiça do Ceará, atuando na prevenção de todas as formas de assédio e discriminação.
Já nesta quinta-feira (08/06), às 16h, será realizada a palestra “Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral, Sexual e à Discriminação”, com a participação da juíza Maria do Socorro Montezuma Bulcão, presidente da Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação do TJCE no 1º Grau; de Magno Rocha Thé Mota, juiz integrante da Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação de 1º Grau do TJCE; e José Edsoneudson Guerra Aires, oficial de Justiça e membro da Comissão, no 2º Grau.
O encerramento da IV Semana de Combate ao Assédio e à Discriminação será nesta sexta-feira, dia 9 de maio, às 11h30, durante o 5º Encontro com Gestores da Área Judiciária, na Escola Superior da Magistratura do Ceará (Esmec).



