Reportagem que destaca a desburocratização e a humanização dos Juizados Especiais é a grande vencedora do Desafio Foca no Direito
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- 11-12-2025
O Judiciário brasileiro enfrenta diversos desafios em seu funcionamento diário, sendo um dos principais o atraso no andamento dos processos judiciais. Essa morosidade é causada por diferentes fatores, como o grande volume de processos, a complexidade dos casos, a burocracia e outras barreiras que dificultam a agilidade das demandas.
Buscando uma solução para esse problema histórico, foram criados há cerca de 30 anos, pela Lei nº 9.099/1995, os Juizados Especiais. Esses órgãos do Sistema de Justiça têm como objetivo oferecer uma forma mais rápida e eficiente de lidar com causas de menor complexidade, além de estimular a conciliação entre as partes.
“Os Juizados Especiais exercem um relevante papel dentro do sistema jurídico nacional, pois foram criados para facilitar o acesso à Justiça, proporcionando uma prestação jurisdicional célere, menos onerosa, com a utilização de linguagem simples e menos burocracia”, explica a juíza Valéria Carneiro, titular da 23ª Unidade do Juizado Especial Cível.
Os juizados funcionam como um meio acessível à Justiça, pois muitas vezes o processo pode ser resolvido logo na audiência inicial, sem a necessidade de longos trâmites e altos custos com honorários advocatícios. Eles se dividem em três categorias principais:
Cíveis: Julgam causas cujo valor não exceda 40 salários mínimos.
Fazendários: Processam e julgam causas cíveis de interesse dos estados e municípios, até o valor de 60 salários mínimos.
Criminais: Julgam infrações penais de menor potencial ofensivo, como contravenções e crimes com pena máxima de até dois anos.
No âmbito cearense, a população conta ainda com diferentes modalidades desses órgãos, como o Juizado Móvel, voltado para casos de acidentes de trânsito; o Juizado do Torcedor, responsável por garantir a segurança de torcedoras e torcedores em eventos esportivos; e os Juizados da Mulher, especializados em julgar casos de violência doméstica e familiar com base na Lei Maria da Penha.

No contexto federal, os Juizados Especiais Federais (JEFs) têm se destacado por garantir maior agilidade e acessibilidade na solução de causas simples contra órgãos federais, como o INSS e a Caixa Econômica Federal. Voltados para ações de até 60 salários mínimos, os JEFs incentivam a conciliação entre as partes, reduzindo a burocracia e os custos do processo judicial. O formato busca aproximar
a Justiça do cidadão, oferecendo respostas mais rápidas e humanizadas às demandas que impactam diretamente o cotidiano da população.
O juiz federal da 21ª Vara Federal e suplente da Primeira Turma Recursal do Ceará, Marcos Vinicius Rebouças, teve sua vocação pelo Direito e pela magistratura despertada ainda na época de estudante, durante o estágio na 14ª Vara dos Juizados Cíveis e Criminais. Ele conta que ficou encantado com as possibilidades que esse instrumento pode proporcionar para a sociedade.
“Os Juizados Especiais são esferas do Judiciário que se destinam a trabalhar com causas de menor valor econômico, mas isso não significa que sejam causas menos importantes socialmente, porque muitas vezes o valor econômico esconde uma causa de extrema complexidade humana”, explica o magistrado.
O lado humano dos Juizados Especiais
As demandas que chegam aos juizados costumam ser sensíveis e, muitas vezes, decisivas para a vida das partes envolvidas. No âmbito federal, essa realidade é ainda mais evidente, uma vez que boa parte dos casos envolve pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Na 23ª Unidade Cível, segundo a juíza Valéria Carneiro, há uma grande diversidade de casos, principalmente envolvendo direito do consumidor, conflitos de vizinhança, uso abusivo de redes sociais, problemas com empréstimos e transporte, além de planos de saúde. Ela destaca que a audiência de conciliação é uma oportunidade importante para resolver os conflitos de forma rápida e pacífica.
“Havendo acordo, este será homologado pelo magistrado e arquivado. A conciliação favorece a manutenção dos vínculos, especialmente em conflitos familiares ou entre vizinhos. Já tivemos casos em que o síndico e moradores de um condomínio entraram em acordo após a audiência, melhorando a convivência e reduzindo a tensão emocional de todos os envolvidos”, relata a juíza.
Ela também observa que muitas pessoas ainda sentem receio de falar diretamente com o juiz, e por isso a mediação e conciliação são alternativas que permitem um atendimento mais humanizado. Além disso, a magistrada reforça que a utilização de linguagem simples, recomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aproxima o Judiciário da população e facilita a compreensão dos processos.
A transformação pelos métodos autocompositivos
Os métodos autocompositivos, como a mediação e a conciliação, têm se consolidado como alternativas eficazes à judicialização excessiva. Eles priorizam o diálogo e a cooperação entre as partes, buscando uma solução construída em conjunto, sem a necessidade de uma decisão imposta por um juiz.

De acordo com a advogada Adhara Camilo, presidente da Comissão de Mediação e Conciliação da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Ceará (OAB-CE), a diferença entre as duas práticas está na natureza da relação entre as partes.
“A mediação é indicada para situações em que há uma continuidade da relação, como conflitos familiares e empresariais. Já a conciliação é voltada a casos em que as pessoas não têm contato recorrente, como questões de consumo”, explica.
Ela ressalta ainda que o papel do advogado é fundamental nesse processo, especialmente na construção de soluções que partem das próprias partes envolvidas. “O advogado é quem auxilia as partes a chegarem a um acordo comum, ele ajuda a construir o entendimento, e não apenas a disputa. A gente tenta mostrar isso aos colegas, porque, na faculdade, o profissional é formado para ser combativo, não colaborativo. Mas ele pode oferecer múltiplas portas de saída para o conflito, e não apenas a judicialização, incluindo a mediação e a conciliação, quando for o caso”, destaca Adhara.
A advogada lembrou que a OAB tem investido na preparação e capacitação de advogados para atuar nesse campo. Na esfera criminal, esses métodos também têm espaço, por meio das transações penais, em que o acusado pode cumprir medidas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade, evitando o trâmite de um processo penal completo.
“A gente vê pessoas que conseguiram redefinir os rumos das suas vidas a partir dessas experiências. Há uma política de tratar o litígio em uma expectativa diferente da mera retribuição punitiva”, avalia o juiz Marcos Vinicius.
Impactos e resultados
Apesar do alto volume de processos, os resultados alcançados pelos juizados são expressivos. Em média, os casos tramitam entre seis meses e um ano e meio, um prazo significativamente menor em comparação às varas tradicionais, onde há processos que se arrastam por décadas.
De acordo com dados da Central de Atendimento em Estatísticas Processuais, da Secretaria de Governança Institucional do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), na Capital, foram registrados 4.780 acordos em 2024 e, até 30 de setembro de 2025, já somam 3.161.
No Interior, foram registrados 4.013 acordos em 2024 e 2.211 no mesmo período de 2025. Os números refletem o desempenho dos métodos autocompositivos que seguem sendo fundamentais para promover o diálogo e reduzir o volume de ações no Judiciário cearense.
O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), por meio da Assessoria de Comunicação, desenvolveu o Projeto Foca no Direito com a proposta de aproximar estudantes de Jornalismo do campo jurídico e prepará-los para tratar de temas que ganham destaque crescente nas redações. Na edição inaugural, a iniciativa levou ações formativas a quatro instituições de ensino superior: Universidade Federal do Ceará, Universidade de Fortaleza, Centro Universitário Estácio do Ceará e Centro Universitário 7 de Setembro, alcançando alunos interessados em compreender com mais clareza a linguagem técnica e o funcionamento do sistema de Justiça.
Ao longo das atividades, os participantes acompanharam explicações de um magistrado sobre assuntos jurídicos frequentemente abordados pela imprensa, receberam cartilha didática com conteúdo acessível e foram convidados a integrar o Desafio Foca no Direito, que estimulou a produção de textos jornalísticos sobre temáticas ligadas ao Judiciário. O projeto também proporcionou interação direta com profissionais do Direito e da comunicação do Tribunal, ampliando a vivência prática dos estudantes.
Com a iniciativa, o TJCE reforça seu compromisso com o fortalecimento do diálogo com a sociedade, transparência e democratização da informação, além de contribuir para a formação de futuros jornalistas e no aprimoramento da cobertura jornalística no âmbito do Judiciário cearense.
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