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Primeira juíza do Brasil é cearense do Município de Redenção

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O legado da juíza Auri Moura Costa ecoa no tempo, servindo de inspiração e exemplo para todas as mulheres do país. Firme e determinada, ela pavimentou uma estrada em um período marcado pela hegemonia masculina no Direito, tornando-se uma referência. É o que você acompanha na terceira e última reportagem da série que homenageia o Dia das Mulheres

 

O mês de março, que valoriza a luta feminina na busca de mais reconhecimento e igualdade social, não pode passar sem que seja relembrado o feito histórico da cearense Auri Moura Costa, primeira juíza do país, nomeada em um período marcado pelo predomínio masculino na magistratura. Ela quebrou as barreiras do preconceito e abriu caminhos para outras mulheres, mas, antes, foi vítima de especulações dando conta de que sua nomeação só ocorreu porque o nome Auri teria sido percebido, erroneamente, como masculino.

Deixando as controvérsias de lado, a realidade é que o Ceará tem o pioneirismo de ser o Estado com a primeira mulher a conquistar o feito. Isso ocorreu em 31 de maio de 1939, quando Auri Moura Costa, natural de Redenção, foi nomeada para o cargo pelo interventor.

O documento histórico, obtido com exclusividade pela Assessoria de Comunicação junto à Secretaria de Gestão de Pessoas do Judiciário, está nos arquivos do Diário Oficial e registra a nomeação da bacharela para o cargo de juiz municipal do Termo de Várzea Alegre, pertencente à então Comarca de Lavras. O texto está na parte destinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e da Justiça, publicado na sexta-feira, 9 de junho daquele ano.

Esse dado contradiz a versão do nome “masculino” e reforça que ela ultrapassou barreiras pelos próprios méritos. Ao longo da carreira, a magistrada avançou nas conquistas. Tornou-se a primeira juíza a se tornar desembargadora do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), presidiu o Tribunal Regional Eleitoral do Estado (TRE/CE) e foi vice-presidente do TJCE e diretora do Fórum Clóvis Beviláqua.

NOVA PERSPECTIVA PARA AS MULHERES

A presidente do TJCE, desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira, terceira mulher a comandar a Justiça cearense, destaca que “é inquestionável que a desembargadora Auri Moura Costa, ao romper com o paradigma de um Judiciário exclusivamente masculino, contribuiu não apenas para que outras mulheres ingressassem na magistratura, mas sobretudo, para que fosse inaugurada uma nova perspectiva de vida para as mulheres de sua época, alterando os padrões sociais existentes. Sua ascensão foi fonte de força e inspiração para as mulheres na busca da afirmação profissional”.

Para a desembargadora Maria Iracema Martins do Vale, a nomeação de Auri Moura Costa como juíza, cargo até então ocupado apenas por homens, “foi um marco na ascensão das mulheres aos postos de decisão na política e na administração pública”, tendo servido de estímulo para desmistificar a diferenciação entre pessoas a partir do gênero. “Orgulho-me de ter sido a segunda mulher a presidir o Tribunal de Justiça do Ceará, fato que fortalece em mim a concepção de que o sexo não é fator de distinção entre as pessoas, mas sim o conhecimento e o compromisso de desempenhar as tarefas que nos são delegadas, com a marca da decência e a determinação de engrandecer a sociedade pelo tratamento igualitário entre todos”.

A magistrada Ana Cristina Esmeraldo, primeira juíza nomeada e reconduzida para dirigir o Fórum Clóvis Beviláqua, afirma que lembrar e render homenagem à desembargadora Auri Moura Costa é fortalecer a história não só da representatividade feminina no Brasil, mas da própria mulher brasileira. “Na magistratura, em 1939, (ela) pôs fim a uma exclusão social, discriminatória pelo gênero, e ao longo de sua carreira, trilhada com competência e sensibilidade, permitiu que nós mulheres fôssemos reconhecidas profissionalmente pela capacidade técnica e, portanto, pessoas aptas a exercer um cargo público de responsabilidade e relevância na estrutura da sociedade. Desembargadora Auri, nosso respeito e agradecimento”.

POSIÇÕES DE COMANDO DESBRAVADAS

Para o historiador João Franklin, o mais importante de tudo é destacar a coragem, a força e a determinação dessa mulher pioneira. “Apesar dos obstáculos, ela tornou-se uma juíza exemplar, que desbravou não apenas a magistratura em si, mas suas posições de comando, para as mulheres do Brasil”, comenta.

Sobre a relevância de Auri, o historiador considera que ela foi exemplo de personalidade feminina. “Quando a nomearam juíza municipal de Várzea Alegre, não se esperava muito de uma mulher além de que ela casasse, cuidasse de casa, do marido e dos filhos. Pois bem, a então bacharela Auri provou que a mulher poderia dar sua contribuição em uma profissão nunca antes exercida por uma mulher em nosso país, a magistratura. E o fez sem deixar de cuidar do lar e ser esposa, tampouco mãe.”

FEZ CONCURSO E FOI NOMEADA COMO MULHER

A desembargadora Gizela Nunes da Costa, que atuou na magistratura durante 43 anos, dez deles no TJCE, e também esteve à frente do TRE/CE, é estudiosa de Auri Moura Costa. Já escreveu três trabalhos sobre a colega magistrada e está preparando um livro no momento.

A magistrada traça a grandeza de Auri, como mulher, jurista e escritora. Em uma das referências, destaca que a colega nasceu no município de Redenção, o primeiro na libertação dos escravos no país. Foi também o berço da mulher que rompeu preconceitos e abriu caminhos para as demais. “Ela foi uma verdadeira bandeirante. Desbravou o caminho da magistratura brasileira para todas nós. Uma vez, a perguntei se confundiram o nome dela e pensaram se tratar de pessoa do sexo masculino ao nomeá-la. Respondeu que isso é folclore. Fez concurso como mulher, foi aprovada e nomeada como mulher. Claro, teve os obstáculos que todo mundo tem. Naquela época, havia o preconceito também.”

Em março de 2013, durante abertura da exposição “Trajetória da Mulher Magistrada” no TJCE, o então presidente Luiz Gerardo de Pontes Brígido sintetizou a vida de Auri Moura Costa. “Honrou a toga. Deixou um nome de respeito. Era determinada, firme e corajosa. Rompeu as estruturas arcaicas do preconceito.”

Faleceu em 12 de julho de 1991, em Fortaleza. “Ela teve reconhecimento, mas muito pouco e tardio. Infelizmente, mais restrito ao âmbito do TJCE. Apenas a partir de 2012 que a tratamos como a primeira juíza do Brasil. Gostaria muito de ver praças, avenidas, escolas, bibliotecas, fóruns e tribunais com seu nome reluzindo em seus pórticos”, externa o historiador João Franklin.

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