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“Prefeitura depositará R$ 500 mil mensais na Justiça estadual para pagar os precatórios”

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Direito & Justiça 29.04.2010
Uma gestão de esquerda sempre demanda mais posicionamento, porque provoca determinadas decisões
O procurador geral do município de Fortaleza, Martônio Mont?Alverne, está no cargo há quatro anos. Antes de assumir o posto em 2005, atuou na assessoria especial da prefeita Luizianne Lins e foi assessor do então deputado estadual João Alfredo, no período da Constituinte (1987-1990). Em entrevista ao caderno Direito & Justiça, Mont?Alverne revela as dificuldades enfrentradas pela Procuradoria Geral do Município de Fortaleza (PGM), fala sobre a alta demanda de processos e questões como Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e débitos trabalhistas.
[Direito & Justiça] Quais as principais dificuldades enfrentadas pela PGM atualmente?
[Martônio Mont?Alverne] A Procuradoria tem um protagonismo muito grande porque trata de todo tipo de problema. A administração de uma cidade complexa, com 2,5 milhões de habitantes, não é tarefa fácil e o papel da Procuradoria é defender os interesses do município, e isso traz problema de toda ordem. O órgão é equivalente a Procuradoria do Estado e a Advocacia Geral da União. Para se ter uma ideia, sob a responsabilidade da PGM, nós temos aproximadamente 80 mil processos. São ações de todo tipo: execução fiscal, recurso extraordinário, ação direta de inconstitucionalidade.
[D&J] A prefeita tem algo a ver com a alta demanda da PGM?
[M.M.] Eu diria que não necessariamente. Depende da gestão. Uma gestão de esquerda, eu creio, com minha experiência de quase 20 anos, na Procuradoria, sempre demanda mais posicionamentos. Isso porque provoca determinadas tomadas de decisões políticas que, além do reflexo político, promovem mudanças que não são tradicionais. Por exemplo, o município nunca teve envolvimento maior com a questão da diversidade sexual. No momento em que a Prefeitura Municipal de Fortaleza passou a apoiar a parada gay, como evento turístico e também na perspectiva dos direitos humanos, passamos a receber representações de algumas associações que iam ao Ministério Público, que agora remetem a demanda à PGM.
Hoje em dia, uma administração de uma grande cidade tem este tipo de problema. Um município complexo como o nosso possui muitos interesses a serem defendidos, daí a nossa visibilidade. Temos vários outros casos que se remetem ao perfil político de Luizianne Lins. Ela é uma gestora, extremamente, atenciosa a esses problemas, fato que a credenciou a tornar-se prefeita de Fortaleza.
[D&J] A Procuradoria Geral do Município está conseguindo suprir a demanda?
[M.M.] Acredito que sim. Atualmente temos 70 procuradores. Durante a gestão de Luizianne tivemos a última grande reformulação, na qual foram criados mais 15 cargos, além de melhoria salarial. Na verdade, só estamos aguardando a possibilidade de melhorar as contratações para abrirmos outro concurso.
[D&J] A reforma do Código Processual Civil está prestes a ocorrer. A iniciativa éválida?
[M.M] Precisamos de uma revisão do Código Processual, que é um dos mais complexos do mundo. Agora, acredito que ela tenha que vir acompanhada de vários aspectos. Um deles é a virtualização dos tribunais. Sou um entusiasta do uso da informatização. Primeiro porque vai beneficiar o meio ambiente, com a diminuição do uso do papel. Segundo, por segurança e terceiro, porque um juiz poderá trabalhar com mais agilidade. O plano do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é nos próximos cinco anos, informatizar toda a prestação jurisdicional brasileira. Acredito que há perspectiva de melhora, mas deve vir acompanhada de outras coisas, como o aumento do número de profissionais e de estrutura.
Olhando por este sentido, a PGM vai sair de onde está e vai ser colocada no Centro da Cidade, onde ficará no prédio da dívida ativa do município. De forma que o contribuinte poderá chegar com dúvidas sobre o pagamento do IPTU, por exemplo, e poderá se dirigir à Secretaria de Finanças para quitar sua dívida. O que acontece hoje é que tudo está em locais diferentes. Nós temos que mudar isso. Então, no âmbito da virtualização que o Tribunal de Justiça quer fazer, acho a ideia extremamente positiva.
[D&J] Existe um procedimento, no Brasil, de que mesmo que o órgão, sabendo que não tem razão no processo, recorre até a última instância. Isso é uma cultura ou obrigação?
[M.M.] Isso é exigência legal. Entendo e acho razoável. Quando a fazenda pública está em juízo, o que está em juízo é o dinheiro do povo. O patrimônio público é indisponível. Como procurador, não posso dispor do dinheiro do povo. A não ser que exista uma lei que autorize isso. É uma imposição legal, escrito no Código Processual Civil e em todas as legislações federais, estaduais e municipais. Porém, tem um detalhe. Por exemplo, temos o Programa de Reestruturação Financeira de Fortaleza, que já estamos recebendo da população. Posso fazer um acordo com qualquer devedor da fazenda pública, mas nos tramites em que a lei foi aprovada. Normalmente a divida pode ser paga em até 12 vezes, mas, nesse caso, há a autorização para parcelar grandes débitos em até 100 vezes. Não posso ir além disso.
[D&J] O Senhor concorda com essa obrigação de recursos?
[M.M.] Concordo, porque é o patrimônio público que está em disputa. É dinheiro nosso. Sabemos que, as vezes, os processos podem sair caros, mas, em casos de processos de valores irrelevantes, as ações não são nem ajuizadas. Por exemplo, a União tem um limite de R$ 1 mil para não ajuizar a ação. No caso do município, o valor é de R$ 500. Mas estas são exceções.
[D&J] Os débitos trabalhistas também entram neste mesmo caso?
[M.M] Sim. A Prefeitura já vem pagando, desde 2005, os créditos trabalhistas, e nisso nós temos contado com a colaboração da Justiça do Trabalho. Agora, a Prefeitura vai passar a depositar, no Tribunal de Justiça, a mesma quantia que deposita na Justiça do Trabalho para pagar os precatórios da Justiça estadual.
[D&J] A prefeitura retira 1% da receita corrente líquida de Fortaleza para fazer os pagamentos?
[M.M.] Não é esse valor. É menos que isso, porque 1% da receita corrente líquida de Fortaleza são R$ 3 milhões. É muito dinheiro para a cidade. Fortaleza não aderiu ao regime especial da emenda 62 que prevê este percentual. Mas, em compensação, designamos recursos da ordem de R$ 500 mil por mês para a Justiça do Trabalho e o Tribunal de Justiça para irem pagando os precatórios. Então, o município está designando parte de sua receita dentro do limite possível. Isso está dentro da lei.
[D&J] E o problema com relação a revisão do valor do IPTU?
[M.M.] O IPTU de Fortaleza é um dos mais baixos entre as capitais brasileiras. Não tem quem não reconheça que uma política de valorização do IPTU foi desencadeada pela gestão de Luizianne Lins. Então, o que o município fez? Nós tínhamos uma planta de valores e uma comissão que funcionou de 2003 a 2006. Em 2006, esta comissão deveria funcionar de novo, mas não aconteceu porque alguns membros abandonaram a comissão. Este é um tema polêmico porque envolve vários segmentos como a construção civil, o setor imobiliário, federação de bairros e favelas e meio ambiente. Ou seja, são pressões legítimas de uma sociedade democrática e o poder público tem que organizar isso.
Exatamente por ser uma matéria polêmica que envolve toda uma cidade, é que a lei prevê que, se a comissão não elaborar a planta de valores, o chefe do Executivo poderá regulamentar isso por decreto. Isso porque o componente político dessa comissão é muito forte. O que aconteceu? A comissão não concluiu os trabalhos e a prefeita, então, enviou o projeto de lei para a Câmara Municipal de Fortaleza com o aumento. Sem ilegalidade nenhuma.
[D&J] E porque tem gente que, nesta questão, julga como inconstitucional?
[M.M.] Primeiro, dizem que deveríamos ter republicado a planta de valores. Segundo, dizem que o aumento foi linear. Não era necessário ser republicado porque ela já tinha sido publicada em 2003. Em 2009, a lei fez apenas referência a 2003.
[D&J] Com a sua experiência, o senhor não acha que a Constituição brasileira é muito utópica?
[M.M.] Toda constituição deve estar além do seu tempo. Em 1779, quando a França fez a sua revolução, foi definido que todos são iguais perante a lei. Neste ano, nós ainda tínhamos escravos. Jamais passava pela cabeça de alguém colocar mulheres e homens como iguais. Uma constituição é uma advertência da tarefa que ainda esta por ser realizada. A Constituição Federal diz que o salário mínimo deve suprir todas as necessidades do cidadão. Mas ela supri? Acredito que não. Mas a Constituição não pode silenciar-se diante disto para fazer com que os homens lutem para que aquilo seja cumprido.