Lei Maria da Penha: 19 anos de resistência, conquistas e coragem compartilhada
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- 07-08-2025
Há leis que mudam o rumo da história. Que nascem da dor, mas florescem como escudo, como voz, como esperança. A Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) é uma dessas. E, no dia em que completa 19 anos de vigência, nesta quinta-feira, 7 de agosto de 2025, foi celebrada com o respeito e a emoção de quem conhece, de perto, a urgência dessa proteção.
No auditório da Casa da Mulher Brasileira, em Fortaleza, uma roda de conversa, promovida pela Secretaria das Mulheres do Estado do Ceará, reuniu profissionais do Judiciário, da segurança pública e da rede de enfrentamento à violência contra a mulher. Mais do que uma cerimônia, foi um reencontro com as conquistas e os desafios que ainda exigem voz ativa, olhar atento e atuação conjunta.
A juíza titular do 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Fortaleza, Rosa Mendonça, abriu a fala com um resgate forte e necessário: “Eu vi, ao longo dos anos, muita coisa boa acontecer. Quando a Lei foi promulgada, era desacreditada até mesmo dentro das instituições. Questionavam por que uma lei só para mulheres, se homens e mulheres eram iguais perante a Constituição. E nós precisávamos justificar, explicar, lutar para que ela fosse compreendida como um instrumento de reparação histórica, de urgência social. A gente enfrentava o machismo de todos os lados — até quando queria falar sobre trabalhar com os próprios agressores”, relembrou.
A magistrada enumerou ainda os avanços mais recentes e significativos como: o reconhecimento da ameaça como crime grave, a conversão da lesão corporal em crime de ação penal pública incondicionada (o que significa que o Ministério Público pode iniciar o processo independentemente da vontade da vítima), a reparação por danos estéticos, o direito ao aluguel social e a prioridade na matrícula dos filhos quando a mulher precisa mudar de domicílio. “O fortalecimento da Lei Maria da Penha depende do engajamento de todos: da juíza, do juiz, que escuta; da polícia que acolhe; da assistente social e da equipe da saúde que orientam; da vizinha ou do vizinho que encoraja a denúncia e até a faz; da sociedade inteira. Essa rede é que garante o amparo real. E a Lei tem salvado vidas. Salvado de verdade. Temos muito a comemorar”, destacou.

Presente também no evento, a secretária executiva de Enfrentamento à Violência contra a Mulher do Estado do Ceará, delegada Juliana Albuquerque, reforçou o papel da lei como um divisor de águas na luta pelos direitos das mulheres. “Estamos aqui comemorando os 19 anos da Lei Maria da Penha e também o Agosto Lilás, mês de mobilização social em defesa das mulheres. Essa Lei é um marco. Ela deu voz a mulheres que sofriam caladas, trouxe visibilidade para um problema que era tratado como assunto privado. Hoje, é pauta em escolas, câmaras, tribunais, na sociedade como um todo”, frisou.
Já a coordenadora da Patrulha Maria da Penha do município de Itaitinga, Kelly Abreu, ressaltou a importância de ações integradas para o aprimoramento do atendimento nos municípios. “Para nós, é fundamental participar de momentos como esse, porque entendemos melhor o fluxo da rede, fortalecemos vínculos e podemos oferecer um acolhimento mais eficaz. Lá em Itaitinga, a Patrulha realiza visitas domiciliares e acompanha mulheres com medida protetiva, encaminhando para a rede de apoio. Elas se sentem mais seguras, acolhidas e com suporte adequado num momento de vulnerabilidade”, observou.

As falas se encontraram num ponto comum: a necessidade permanente de conscientização, capacitação, sensibilidade e firmeza para que nenhuma mulher fique desamparada. A rede de proteção precisa estar atenta, pronta e acolhedora — não apenas quando a denúncia é feita, mas, sobretudo, antes que o silêncio vire tragédia.
Como lembrou a juíza Rosa Mendonça, houve um tempo em que mulheres precisavam entregar intimações para seus próprios agressores. “Elas voltavam para casa com mais medo. Muitas vezes, com mais dor. E mesmo assim, denunciavam. Porque sabiam que era preciso mudar o destino das que viriam depois.”
Quase duas décadas depois, o Brasil se ergue com mais consciência, mais instrumentos, mais presença institucional. Mas ainda com feridas abertas, que só o fortalecimento constante da Lei — e de sua aplicação efetiva — pode curar. A história da Lei Maria da Penha é feita de capítulos de luta, resiliência e transformação. E, enquanto houver desigualdade, violência ou silêncio imposto, essa história precisa ser contada. E vivida. Por todas. Por todos.



