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12.10.2010 opinião
A atual população brasileira entre zero e 12 anos já nasceu sob uma das mais avançadas legislações de proteção do mundo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Entre outras coisas, o ECA é importante por reconhecer que os direitos são universais e devem ser garantidos a todas as crianças e adolescentes, independente de raça, classe social ou sexo. Infelizmente, uma grande parte dessa população ainda não tem seus direitos totalmente efetivados.
Apesar de ser lei (8069/90) e de afirmar, em seu artigo 4º, que criança e adolescente deve ter prioridade absoluta, o ECA não tem sido tomado em conta nos planejamentos dos gestores públicos, o que faz com que, na maioria das vezes, as políticas públicas voltadas a este segmento populacional não tenham garantidos recursos suficientes, não se tornem políticas de Estado. Ao contrário,
funcionam muito mais como projeto-piloto de gestão, ou seja, políticas de baixa qualidade, de pouco alcance, muitas vezes pensada como políticas para os pobres.
O que isso nos revela, tratando-se da infância e da adolescência, é o quanto, na nossa história de desigualdade e opressão, esse segmento foi marcado pelo silenciamento e invisibilização, passando a ser menos importante e, por isso, pouco levado em conta, sobretudo se essas crianças e adolescentes forem parte das classes empobrecidas.
Essa condição marca o lugar de milhões de crianças e adolescentes, que, ao longo da história, têm sua condição de subalternidade perpetuada. O trabalho infantil é exemplo disso. No Brasil, 5% das crianças entre cinco e 14 anos trabalham, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: 1,637 milhão do total de mais de 33 milhões.
O Ceará é o 2º estado brasileiro com maior número de crianças e adolescentes trabalhadores. Infelizmente, para muita gente, o trabalho infantil é justificado como condição de educação para o futuro adulto, para impedir a vadiagem, assim como ainda se justifica o castigo físico (e, muitas vezes, psicológico) com fins educativos, fazendo com que, muitas vezes, numa cultura de tolerância a esse procedimento, sejam os pais os principais agressores, como demonstra o disque 100.
No que diz respeito à educação, embora tenhamos avanços, sabemos que a escola pública de qualidade ainda não é uma realidade entre nós, como podemos ver em Fortaleza, onde centenas de crianças ficaram por meses sem professores, como se fosse isso algo natural e sem consequências para elas ? realidade inconcebível numa escola privada.
Duas imagens finais poderiam nos ajudar a refletir sobre esse Dia das Crianças: a completa ausência do tema na campanha eleitoral do presidenciáveis e o bombardeio da publicidade sobre as crianças. Elas não são eleitoras, não contam como cidadãs, mas contam como consumidoras. Esse é o modelo de sociedade que temos.
Margarida Marques – Coordenadora do Cedeca-Ceará