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Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará atua pela retificação de registros de mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar

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Algumas histórias atravessam gerações sem encontrar desfecho. Nomes que seguem vivos na lembrança de familiares, amigos, na memória de uma nação que busca compreender o passado para fortalecer os alicerces do presente. São ausências que ecoam — e que agora, com o devido reconhecimento, passam a ocupar seu lugar também nos registros oficiais da Justiça.

Neste mês de junho, a Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um ofício circular solicitando orientações e providências para viabilizar, no âmbito do Estado, a retificação de registros de óbito de pessoas mortas ou desaparecidas por razões políticas durante a ditadura militar (1964-1985). A iniciativa integra o cumprimento da Resolução nº 601/2024, aprovada pelo Plenário do CNJ no Dia Internacional dos Direitos Humanos e que trata da adequação dos assentos com base no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

O documento solicita que, caso existam no Ceará registros que ainda não tenham sido atualizados, a Corregedoria-Geral possa dar início ao processo de localização e correção. Além disso, a Corregedoria também prepara um ofício a ser enviado aos cartórios de registro civil, orientando-os sobre a obrigatoriedade legal da retificação nos casos já reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade e pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).

 

DEVER HISTÓRICO QUE FORTALECE A DEMOCRACIA

 

A retificação dos assentos de óbito tem base em documentos públicos e oficiais, e representa o compromisso com o direito à memória e à verdade — garantias fundamentais previstas na Constituição Federal e em tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Essas alterações não se restringem à forma: trazem, nos registros, a realidade histórica de centenas de pessoas que, em razão de sua atuação política ou ideológica, foram perseguidas, presas e desapareceram sem explicações formais durante o regime militar. A causa da morte, antes descrita de forma genérica ou imprecisa, passa a constar como “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964”.

Além disso, os assentos devem registrar que a inclusão da causa decorre da apuração feita pela Comissão Nacional da Verdade, da CEMDP e da legislação vigente. A Resolução determina ainda que as certidões sejam emitidas gratuitamente e, sempre que possível, entregues em cerimônias solenes aos familiares ou pessoas interessadas. Quando não for possível localizá-las, os documentos deverão compor o acervo de museus ou espaços de memória, garantindo a preservação desses registros.

A atuação da Corregedoria ocorre em consonância com a Política Pública de Justiça de Transição, conceito que reúne um conjunto de ações voltadas à superação de violações cometidas por regimes autoritários. Essa justiça se expressa por meio da apuração dos fatos, do reconhecimento das vítimas, da preservação da memória e da responsabilização institucional.

Como destaca o jurista André de Carvalho Ramos, o direito à memória possui dupla finalidade: garantir o conhecimento dos fatos e reconhecer as violações, combatendo o esquecimento e promovendo a verdade como pilar da democracia.

A legislação brasileira, como a lei nº 9.140/1995, que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas por motivação política, e a lei nº 12.528/2011, que criou a CNV, forma o alicerce jurídico para essas ações. Ao lado disso, a Resolução nº 2/2017 da CEMDP e a recente Resolução nº 601/2024 do CNJ consolidam os caminhos administrativos e legais para efetivar esse reconhecimento.

 

COMPROMISSO COM A VERDADE

 

O ofício enviado pela Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará reforça o compromisso do Judiciário cearense com os direitos humanos e com a história de seu povo. A medida também cumpre a orientação nacional do CNJ, que estimula todos os tribunais e corregedorias do país a realizarem o levantamento de registros a serem retificados.

Nesse contexto, a Justiça cearense assume seu papel: garantir que nomes antes esquecidos nos livros civis agora sejam lembrados com dignidade, verdade e respeito. O reconhecimento dessas pessoas não reescreve o passado, mas contribui para uma leitura mais justa e honesta da nossa trajetória coletiva.

São páginas que se completam, histórias que reencontram seus registros, famílias que, enfim, podem nomear a memória — com a força da lei e a sensibilidade da Justiça.

Agenda2030