Conteúdo da Notícia

Artigo – Dolo e culpa

Ouvir: Artigo – Dolo e culpa

25.08.2010 opinião
A palavra dolo não é utilizada na linguagem comum e a palavra culpa é utilizada em sentido diferente do que tem na linguagem jurídica. Na linguagem comum, aliás, a palavra culpa geralmente é utilizada com o sentido que corresponde ao da palavra dolo. Daí a grande dificuldade que enfrentam os órgãos de comunicação quando noticiam fatos em relação aos quais o dolo ou a culpa merecem destaque. Dificuldade que também enfrentamos aqui, na tentativa de contribuir para a compreensão de certas notícias.
Tem sido frequente a referência a atropelamentos, em notícias nas quais se diz que o motorista atropelador foi indiciado por homicídio doloso, ou então por homicídio culposo, com o esclarecimento de que o homicídio doloso é com intenção de matar, e de que o homicídio culposo é sem a intenção
de matar. Para compreendermos adequadamente porque o homicídio por atropelamento é às vezes qualificado como doloso, e às vezes como culposo, é necessário que saibamos a distinção entre dolo e culpa. E mais, a distinção entre dolo indireto e culpa consciente.
O dolo é a consciência e a vontade dirigida para a realização da conduta definida como crime. Assim, se o motorista quer atropelar e matar alguém, o que só muito excepcionalmente acontece, ocorre homicídio doloso. Já a culpa é o produto da negligência, da imperícia ou da imprudência. Assim, se o motorista dirige com negligência, imperícia ou imprudência, e por isto atropela e mata alguém, ocorre homicídio culposo. Entretanto, considerando o dolo indireto, algumas autoridades policiais indiciam o atropelador por homicídio doloso.
Ocorre o dolo indireto quando o motorista prevê a possibilidade de atropelar alguém, e mesmo sem querer que isto ocorresse, assume o risco. Ao dirigir embriagado, com velocidade excessiva, previu a possibilidade de atropelar e matar alguém e assumiu o risco sem se importar com o que podia ocorrer. Entretanto, a diferença entre o dolo indireto e a culpa consciente é muito sutil.
Na culpa consciente o guiador admite a possibilidade de atropelar e matar alguém, mas espera sinceramente que isto não aconteça. No dolo indireto ele admite a possibilidade de atropelar e matar e não se importa com esse resultado. É praticamente impossível saber se em determinado caso concreto o guiador não se importou com o resultado que previu, ou se esperou, sinceramente, que tal resultado não ocorresse. Por isto é que algumas autoridades policiais qualificam a morte por atropelamento como homicídio doloso, enquanto outras qualificam esse mesmo fato como homicídio culposo.
Se nos parece que a pena para quem dirigia embriagado ou em alta velocidade e atropela alguém deve ser maior, devemos preconizar a mudança da lei, em vez de ficarmos sustentando que se trata sempre de homicídio doloso, porque isto, a rigor, não é verdade.
Hugo de Brito Machado – Professor titular de Direito Tributário da UFC e presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários
hbm@hugomachado.adv.br