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“O juiz não tem que agradar ao povo”

Ouvir: “O juiz não tem que agradar ao povo”

18.05.09
Política Pág.16
Em rápida passagem pelo Ceará para participar do 3° Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, conversou com O POVO sobre as últimas polêmicas que levaram a mais importante instância do Judiciário brasileiro para o centro das atenções. O magistrado reclamou que houve um exagero na cobertura feita pela mídia do bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa e defendeu que a imagem da Justiça não sai arranhada depois do episódio. Ao ampliar a discussão para o funcionamento do sistema judiciário, Lewandowski afirma que a vitaliciedade dos ministros do STF não é um problema, que há uma ?explosão de litigiosidade? no Brasil e que as decisões judiciais não devem se guiar pela vontade popular. Veja os melhores trechos.
O POVO – O bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes manchou a imagem da Justiça?
Ricardo Lewandowski – Não. Esse episódio está absolutamente superado. Houve um exagero em termos de repercussão relativamente à discussão que se travou entre esses dois ministros. Uma discussão, uma troca de ideias absolutamente normal no colegiado.
OP – Há briga de egos entre os dois ministros?
Lewandowski – Não, no Judiciário não há disputa. Essa é uma grande vantagem porque a carreira é estritamente regulada pelo critério da antiguidade. Cada um, um dia chegará à presidência do Tribunal.
OP – O presidente Lula lamentou o episódio. Pessoalmente, qual sua avaliação sobre o caso?
Lewandowski – Realmente, o tom foi um pouco mais elevado do que o comum. Mas é um episódio normal. Pode acontecer novamente, não apenas entre os dois ministros – esperamos que não ocorra – mas entre outros ministros quaisquer. Numa discussão um pouco mais acalorada é possível que alguém use uma palavra não tão adequada, como deveria ser, mas isso faz parte dos debates democráticos e das instituições políticas, e o Supremo Tribunal Federal, como não se pode olvidar, é um tribunal político com P maiúsculos no sentido de política institucional.
OP – Não existiria o certo e o errado nesse episódio?
Lewandowski – Não, quem diz num colegiado o que é certo e errado é a maioria.
OP – Depois da discussão entre os dois, surgiu a proposta de que as sessões fossem editadas. Qual a posição do senhor?
Lewandowski – O televisionamento das sessões é uma conquista irreversível da sociedade e, portanto, da democracia. Não há como volta atrás. Não vejo como se possa agora decidir pela edição.
OP – Qual a avaliação do senhor sobre propostas que apontam para o fim da vitaliciedade dos membros do Supremo?
Lewandowski – Se imaginarmos ou calcularmos a média de permanência dos ministros no Supremo Tribunal Federal,tirando uma ou outra exceção, é exatamente de 12 anos, ou de 15 anos no máximo. Então, na verdade, o próprio tempo, o próprio sistema já estabelece, digamos assim, um tempo médio de permanência dos ministros. Uma espécie de mandato não escrito.
OP – A indicação dos membros do STF pelo presidente da República é uma interferência de um poder sobre o outro?
Lewandowski – Não. Muitos dos que forma indicados pelo atual presidente da República tem tido, muitas vezes, posições e votos, atitudes diametralmente opostas aos desejos, digamos assim – se é que se pode dizer isso – do presidente da República, do poder executivo, do Governo Federal.
OP – Há alguns dias, o presidente nacional da OAB, Cézar Britto, disse ao O POVO que a lentidão da Justiça acontece, dentre outros motivos, por falta de empenho de juízes. A justificativa procede?
Lewandowski – Absolutamente não. Eu tenho orgulho de dizer que os magistrados brasileiros são uns dos mais preparados de todo o mundo, comparado com a América Latina.
OP – Como o senhor avalia decisões do presidente do STF em relação a casos polêmicos e impopulares, como os dois hábeas corpus que soltaram o banqueiro Daniel Dantas?
Lewandowski – Eu quero observar que elas tiveram o referendo do plenário do Supremo Tribunal Federal. E de outra parte, o juiz não tem que agradar ao povo. O juiz ele não é um parlamentar, ele não foi eleito. Ele tem uma função, como se diz tecnicamente, contra-majoritária. Se o juiz fosse ouvir o povo ele teria que aplicar pena de morte em alguns casos, tortura e outras coisas que a Constituição e a própria civilização hoje abominam e vedam, proíbem veementemente. Então o juiz tem que decidir tecnicamente, de acordo com a sua consciência, e no recesso do seu gabinete sem ouvir o povo.
OP – Então, a sugestão do ministro Joaquim Barbosa, ?vá às ruas, ministro?, não se aplica?
Lewandowski – Não. Cada um tem o seu estilo.
CONTEÚDO EXTRA
Leia íntegra da entrevista em www.opovo.com.br/conteudoextra