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Desafios do Direito

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18.05.09
Opinião Pág.06
Quando a juventude de uma cidade ensolarada como Fortaleza deixa de usufruir de uma bela manhã de sábado para ir em massa escutar a palestra de um cientista do Direito, é sinal de que há razoáveis esperanças em relação à nova geração. Foi isso precisamente o que ocorreu, no último fim de semana, quando o auditório da Faculdade Farias Brito foi ocupado por uma plateia juvenil que durante duas horas esperou pacientemente por uma palestra do constitucionalista José Afonso da Silva, prestigiada pelo seu colega Paulo Bonavides e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski.
O evento ocorreu paralelamente ao III Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais, encerrado, aliás, pelo próprio ministro Lewandowski, que fez uma bela defesa da democracia participativa, através da mudança cultural no modo de organização da sociedade, em que a solidariedade, a participação direta do cidadão e o cumprimento de deveres seriam a base para construção de um ?novo Estado?.
No que tange à palestra de José Afonso da Silva para os estudantes, tratou-se antes de um depoimento sobre a própria experiência de vida, expressa de maneira humilde por uma das sumidades do Direito Constitucional, que confessou ter começado a vida como alfaiate e confeccionado o próprio terno da formatura. Que exemplo belíssimo para uma juventude acossada pelo canto da sereia hedonista e dos simples valores materiais! José Afonso da Silva revelou que aprendeu o respeito pela democracia, não nos tomos e códigos de Direito, mas no convívio com as pessoas simples, em sua comunidade interiorana, cuja prática cotidiana era pautada no respeito pelo outro.
Sua peroração voltou-se não apenas para o apontamento da degradação ética registrada no exercício da atividade pública, no Brasil, atualmente (talvez porque mais exposta pela mídia do que antes, segundo alguns), mas, sobretudo pela denúncia da escandalosa desigualdade social brasileira. Para o mestre, ?a democracia é incompatível com a pobreza absoluta, com a miséria?. Se não se atacar o problema da desigualdade, a democracia será vista como uma ?coisa de elite?.
Poder-se-ia dizer que um Direito que ensejasse apenas uma visão formalista da realidade atuaria mais como um engessamento desta do que como um instrumento libertador, deixando de legitimar os processos de transformação surgidos nas entranhas da própria sociedade, como deveria ser o papel do Direito. Essa transformação deve ter como meta principal aplainar as desigualdades entre os componentes de uma dada sociedade. Lutar contra a pobreza absoluta, as desigualdades sociais, portanto, é o primeiro dever de um verdadeiro cultor da democracia e do Direito.