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O juiz de garantias

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06.02.2011 opinião
“Muitas foram as polêmicas e os posicionamentos contrários a tal reforma”
No ano passado o presidente do Senado Federal criou uma comissão composta por magistrados, integrantes do Ministério Público e advogados, com o objetivo de estudar e propor medidas para modernizar e atualizar o vigente Código de Processo Penal, de 1941, editado sob a Carta getulista de 1937; a douta comissão optou por elaborar um novo CPP e não apenas reformar o Código antigo; dentre as propostas desse notável grupo de trabalho, destaca-se como uma das mais relevantes e sem dúvida alguma a mais polêmica a do juiz de Garantias, que terá atribuições somente da fase pré-processual da persecução criminal, ou seja, na fase de investigação e instrução policial; é claro que após tantos anos de vigência, o CPP/41, apesar de algumas reformas pontuais, encontra-se em muitos aspectos de todo ultrapassado, com dispositivos que não mais encontram abrigo ou respaldo na Constituição de 1988, cuja ideologia política e compreensão jurídica são, como se apregoa, de certo modo o avesso daquelas que prevaleciam nos idos 1937/1941.
O jornal Estado de São Paulo, na sua edição de 12.01.09, resumiu a finalidade precípua do juiz de Garantias dizendo que é basicamente acabar com os problemas acarretados por magistrados de primeira instância que se aliam a delegados de Polícia e passam a agir politicamente, perdendo a isenção e a imparcialidade para decidir o mérito dos processos criminais; a matéria acrescentava ainda que o sistema funcionaria para por fim a esse problema e assegurar a imparcialidade dos julgamentos, explicando que a Comissão de Reforma do CPP quer que dois juízes passem a atuar nas ações criminais, a exemplo do que ocorre, nos Estados Unidos, na França, na Itália e no México; o primeiro deles atuando na fase do inquérito, tendo competência para controlar as ações policiais, decretar prisões preventivas, autorizar buscas e apreensões e determinar quebra de sigilos; concluídas as fases de investigação policial e de instrução do processo, o juiz de Garantias seria substituído por um magistrado que não teve contato com a produção de provas, assumindo a competência para decidir o mérito da causa, julgando os fatos e decidindo com isenção e imparcialidade.
Ocorre, que desde o início do estudo e logo após a divulgação do assunto como uma real possibilidade a vir ser posta em prática, muitas foram as polêmicas que se criaram e muitos foram os posicionamentos contrários a tal reforma, por acreditarem os estudiosos oposicionistas que a mesma seria, primeiramente, inconstitucional, uma vez que se estaria alterando os direitos e garantias constitucionalmente previstos pela Carta Magna, cujas cláusulas pétreas são imutáveis (art. 60, § 4o., inciso da CF/88) e, como consequência, sendo aprovada, estar-se-ia abolindo a fase do inquérito policial propriamente dito e legalmente previsto; outros que também se opõem mencionam e acrescentam a problemática do irrisório número de juízes e a desestrutura do Estado, uma vez que, obviamente, ter-se-ia que nomear novos magistrados para tal incumbência, atendendo até as Comarcas de menor movimento forense, onde em geral judica apenas um juiz; a inovação pressupõe a atuação de pelo menos dois magistrados. Diante dessas premissas, o que se deve ter em mente é sobretudo o intuito da reforma do CPP, que visa declaradamente modernizar e reestruturar o ordenamento jurídico no âmbito do processo penal, não se podendo admitir que a omissão estatal em prover ou somar esforços para atender ao que efetivamente se pretende em benefício da sociedade e das garantias processuais das pessoas, seja a desculpa para a rejeição da inovação; de fato, a morosidade, a inexistência de estrutura judicial ou o irrisório número de juízes não devem e nem podem ser motivos para a estagnação da tão necessária modernização já até mesmo tardia, em prejuízo, tão somente, dos direitos da sociedade.
Também se há de entender que a criação do juiz das Garantias, uma vez legalmente constituído, contribui para assegurar as garantias constitucionais, e assim deve ser enxergada a proposta, como medida eficaz para o regular andamento da persecução penal; em outras palavras, o juiz de Garantias é verdadeiramente e sem dúvida um avanço no processo penal brasileiro, pois o juiz competente para processar e julgar a causa criminal, não tendo participado da investigação, tomando decisões pertinentes à fase pré-processual, estará muito mais qualificado para realizar o julgamento de forma mais justa e imparcial, como assinalou o eminente ministro Hamilton Carvalhido, do STJ, na exposição de motivos do futuro CPP.
RAQUEL PHILOMENO GOMES
Advogada criminalista