O amor verdadeiro é aquele que transforma vidas
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- 21-05-2025
“Quando encontramos um grande amor, não conseguimos mais ser a mesma pessoa, porque precisamos nos adaptar para manter e cultivar esse relacionamento.” A declaração é do procurador de Justiça do Rio de Janeiro, Sávio Bittencourt, durante palestra reflexiva nessa terça-feira (20/05), sobre o papel da convivência familiar na formação da personalidade de crianças e adolescentes, na Escola Superior da Magistratura do Ceará (Esmec).
Na ocasião, o procurador afirmou que o amor verdadeiro é aquele que transforma, impulsiona as pessoas a saírem de suas zonas de conforto, fazendo com que abram mão de idealizações para viver vínculos reais, que se constroem e se adaptam ao longo do tempo. Segundo ele, esse mesmo raciocínio se aplica à atuação dos profissionais do sistema de Justiça. “É preciso romper com o comodismo para assegurar, de forma efetiva, os direitos das crianças e adolescentes.”
Em sua análise, a família é o ambiente mais propício para o desenvolvimento integral do ser humano, sendo o espaço onde o afeto, a proteção e o senso de pertencimento são transmitidos de maneira única. “A criança tem direito à vida, a viver em uma família. A entrega de amor e proteção que a família oferece é insubstituível. Esse dispositivo não é uma abstração poética, mas sim uma norma de cumprimento obrigatório”, enfatizou, ao citar o artigo 227 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), que estabelece o direito à convivência familiar como dever compartilhado entre a família, a sociedade e o Estado.
Sávio Bittencourt considera que a ausência de uma estrutura familiar funcional compromete a formação de habilidades socioemocionais na infância, gerando prejuízos duradouros à autoestima e à capacidade de construção da identidade pessoal. “A institucionalização, embora protetiva sob determinados aspectos, não supre a entrega do afeto, do colo, do carinho que apenas a família pode proporcionar”, alertou o palestrante, que é pai por adoção e é reconhecido por sua atuação e militância na área dos direitos da infância.
O procurador abordou com sensibilidade e profundidade a questão da entrega de crianças à adoção, distinguindo claramente as Modalidades Legal e Informal desse processo. Em sua fala, explicou que a chamada Entrega Legal é um direito assegurado pela legislação brasileira às mães que, por diversos motivos, decidem não permanecer com seus filhos biológicos. “Essa Entrega deve ser feita de forma responsável e amparada pelo Poder Judiciário, garantindo à criança a proteção integral prevista.”

De acordo com ele, a Entrega Legal “não configura abandono ou negligência, mas sim um exercício consciente e legítimo da maternidade, quando pautado pelo interesse superior da criança.” Ressaltou ainda que, ao buscar a via legal, a genitora é acolhida e orientada por uma equipe multidisciplinar, assegurando que o processo transcorra com dignidade, segurança jurídica e prioridade absoluta à formação de vínculos afetivos em ambiente familiar estável.
Ao encerrar sua fala para um público formado por magistradas(os) e servidores do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), adotantes e integrantes do Sistema de Garantia de Direitos da Infância e Juventude do Estado, ele convidou os operadores do Direito a reconhecerem o valor do afeto como componente jurídico relevante. “O direito pode não obrigar afetos, mas hoje ele os valoriza. E é nosso dever, como agentes públicos, garantir que toda criança tenha direito não apenas à sobrevivência, mas também ao amor que a torna pessoa”, disse o procurador, que compartilhou ainda experiências pessoais e profissionais durante o encontro.
A palestra foi organizada pela Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do Ceará (Cejai), que tem como missão a prevenção, o refreamento e, sobretudo o controle e a fiscalização das adoções internacionais com a finalidade de impedir a existência do tráfico internacional de crianças e de adolescentes e garantir uma vida feliz junto à nova família.
A presidente da Cejai do TJCE, desembargadora Ligia Andrade de Alencar Magalhães, abriu o evento falando que a adoção representa uma das formas mais legítimas de construção de vínculos familiares, baseada no afeto, no respeito e na garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. “Mais do que um ato jurídico, adotar é um gesto de profunda responsabilidade social, que exige preparo, sensibilidade e compromisso com a história de vida daqueles que, em muitos casos, enfrentaram situações de abandono, negligência ou violação de direitos.”
A desembargadora acrescentou que “a Justiça tem papel decisivo nesse processo, não apenas na condução dos trâmites legais, mas também na articulação com redes de apoio, na capacitação de profissionais e na sensibilização da sociedade sobre a importância da adoção tardia, de grupos de irmãos e de crianças com necessidades específicas. Que esta data nos inspire a continuar trabalhando por uma sociedade mais justa, empática e comprometida com o direito de todos a viverem em família”.
Presente ao encontro, a juíza Alda Maria Holanda Leite, da 3ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza, explicou que as audiências concentradas ocorrem duas vezes por ano, em abril e outubro, com o objetivo de garantir que as crianças acolhidas passem por reavaliação contínua de seus processos e necessidades. As audiências concentradas contam com a participação do Ministério Público e Defensoria Pública, da rede de proteção, incluindo abrigos, secretarias de educação, saúde e assistência social, para buscar as melhores soluções para cada criança ou adolescente acolhido. “Além dessas audiências, o acompanhamento é feito trimestralmente dentro dos próprios processos. O juiz também pode solicitar relatórios diretamente dos abrigos para embasar novas avaliações”, ressaltou.
De acordo com a juíza Alda Holanda, na unidade judiciária de sua atuação, onde também exerce a judicatura a juíza auxiliar Mabel Viana Maciel, em abril de 2025, foram realizadas 210 audiências concentradas para reavaliar a situação de crianças e adolescentes acolhidos. Como resultado, 19 crianças voltaram para suas famílias biológicas, 16 de forma definitiva e três em retorno gradativo.

A Comarca de Fortaleza conta com cinco Varas Especializadas da Infância e Juventude. A 1ª, 2ª e 4ª têm competência para conhecer e julgar atos infracionais cometidos por adolescentes; a 3ª tem competência cível, e a 5ª Vara da Infância e Juventude tem atribuição de executar as medidas socioeducativas e fiscalizar os centro educacionais de cumprimentos dessas medidas.
As Comarcas de Caucaia, Maracanaú, Juazeiro do Norte e Sobral também contam com uma Vara Única da Infância e Juventude.
Famílias estrangeiras que compartilham o desejo de oferecer acolhimento a crianças, que, por diversas razões, não têm a oportunidade de crescer com seus pais biológicos, também podem, por meio de tramitação legal, realizar a adoção no território nacional. No âmbito do Estado, é a Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (Cejai) do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) que concede aos pretendentes ao redor do mundo a habilitação que os autorizam a promover a adoção internacional.
Criada a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com a missão de garantir o controle, a transparência e a segurança nos processos adotivos internacionais, a Cejai atua na intenção de impedir a existência do tráfico internacional de crianças e de adolescentes. De modo a viabilizar esse processo, a Comissão executa procedimentos criteriosos de avaliação para determinar se os adotantes estrangeiros são aptos quanto ao oferecimento de um ambiente saudável e de melhor qualidade de vida para as crianças.
Inicialmente, realizam-se análises da vida pregressa dos pretendentes, com base em informações como certidões de idoneidade física e mental, bem como sua situação financeira. Esses documentos, que compõem os estudos conduzidos por profissionais credenciados pela Autoridade Central Federal de Adoção Internacional de seu país de origem, comprovam, assim, a competência dos requerentes.
Em abril deste ano, o casal italiano Leonardo* e Julia* concretizou o sonho de formar uma família, graças à adoção internacional. Cumprindo todos os requisitos legais necessários, o casal teve o pedido de adoção de dois irmãos da Comarca de Acaraú deferido. De acordo com o juiz Gustavo Alves Farias, da 2ª Vara da referida Comarca, responsável por julgar o caso, após busca ativa no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), os estrangeiros foram identificados como possíveis pretendentes em razão da consonância entre seus critérios de adoção e o perfil dos adotandos.
Em relação às crianças, foi decretada a perda do poder familiar de seus pais biológicos, assim como impraticável a manutenção em família substituta nacional. “O que inviabilizou a adoção nacional foram as próprias famílias brasileiras, que, muitas vezes, estabelecem critérios inalcançáveis. A adoção de grupos de irmãos já acontece em níveis excepcionais, por isso, casos como este reforçam a importância da prática adotiva internacional, evitando que eles passem muito tempo nos abrigos e surgindo como uma iniciativa que proporciona o acolhimento e bem-estar que as crianças precisam”, destaca o magistrado.
O juiz pontuou também a importância do estágio de convivência para a nova família, como uma etapa de construção e consolidação de vínculos. “Além de ser uma obrigação legal, esse período é fundamental para reforçar o princípio da irrevogabilidade da adoção. Principalmente em casos estrangeiros, é essencial também na adaptação à nova língua, que as crianças terão de aprender para conviver com a família, os amigos, os parentes, a escola e a nova realidade que terão no país, neste caso, na Itália, sua nova casa”.
Ainda, como forma de garantir a saúde e a integridade física e psicológica dessas crianças, a Cejai e os organismos de proteção às crianças no país estrangeiro realizam a supervisão dessas famílias após o processo adotivo ser finalizado. “O acompanhamento das crianças depende de uma cooperação internacional. Para garantir que não haja outra finalidade à adoção, o monitoramento ocorre por no mínimo dois anos, sob pena de descredenciamento da instituição internacional sem fins lucrativos que intermediou essa adoção internacional em caso de descumprimento”, detalhou o magistrado.
Para além dos processos adotivos estrangeiros, a Comissão atua continuamente para com o acolhimento infantil, buscando assegurar o gozo de cidadania plena por parte das crianças. “Nossa atuação vai muito além da adoção internacional. Temos um trabalho completo com vários projetos, que vão da busca por pais adotivos e da divulgação para a população acerca da entrega responsável, ao apoio àqueles que não são adotados e completam a maioridade, no programa Jovem Aprendiz, para que eles não se vejam em um mundo que não foram preparados para enfrentar”, destacou a desembargadora Lígia Andrade de Alencar Magalhães, presidente da Comissão.
Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (CEJAI)
Telefone Fixo: (85) 3207-7086 / 3207-7084
E-mail: cejaiceara@tjce.jus.br
*Nomes fictícios para proteger a identidade da família
