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Missão do juiz é defender o regime democrático

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18.05.2009
Por Oriana Piske de Azevedo Magalhães Pinto
[Artigo originalmente publicado na edição desta segunda-feira (18/5) no jornal Correio Braziliense]
O debate proposto acerca da legitimidade da atividade jurisdicional é próprio do paradigma do Estado Democrático de Direito. No paradigma liberal, o isolamento político-social do Poder Judiciário reduzia a legitimidade de suas decisões a um momento que antecedia a própria atividade jurisdicional. Entretanto, a atividade jurisdicional, como aponta Baracho, não está reduzida a uma legitimação derivada, mas tem o próprio momento de legitimação, que se identifica no grau de adequação do comportamento judicial aos princípios constitucionais. Esse tema, também presente na obra de Dworkin e Habermas, indica para o juiz a necessidade de solucionar o caso de forma adequada, considerando a norma positiva, os aspectos morais e éticos, bem como os pragmáticos.
A legitimidade dos juízes deve ser orientada para o grau de adequação do comportamento judicial aos princípios e valores que a soberania nacional considera como fundamentais. Sua legitimidade democrática encontra-se assentada na exclusiva sujeição dos juízes às leis emanadas da vontade popular. Expressa-se nas decisões judiciais, enquanto amparadas nas aspirações da comunidade, plasmadas no ordenamento constitucional e legal.
A essência da legitimação democrática da atividade judicial está na sujeição do juiz à Constituição e no seu papel de garante dos direitos fundamentais. Com efeito, o Poder Judiciário recolhe sua legitimação do povo, ao mesmo tempo fonte e destinatário único do poder do Estado. Atualmente, observa-se que aos tribunais, em geral, compete, além do controle da constitucionalidade, a garantia direta contra lesões dos direitos fundamentais, a defesa de interesses difusos e o enfrentamento da obscuridade e ambigüidade dos textos legislativos, em face dos difíceis processos de negociação.
Em decorrência, o Judiciário enfrenta a articulação de um direito positivo, conjuntural, evasivo, transitório, complexo e contraditório, numa sociedade de conflitos crescentes. Por isso, impõe-se a diversificação do Judiciário para atender às necessidades de controle da norma positiva.
É de se observar que inúmeras críticas têm sido feitas recentemente à atuação do Poder Judiciário no Brasil. Contudo, carece o Judiciário de melhores instrumentos de trabalho. A legislação nacional, além da técnica deficiente, é hoje de produção verdadeiramente caótica. Deficientes são os instrumentos disponíveis ao Judiciário, porque já não se aceita a verdadeira liturgia do processo, o amor desmedido pelos ritos.
A sociedade vem clamando uma postura cada vez mais ativa do Judiciário, não podendo este ficar distanciado dos debates sociais, devendo assumir seu papel de partícipe no processo evolutivo das nações, eis que é também responsável pelo bem comum, notadamente em temas como a dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades sociais e a defesa dos direitos de cidadania.
A missão do juiz não se esgota nos autos de um processo, mas está também, hoje mais do que nunca, compreendida na defesa do regime democrático, sem o qual a função judicial é reduzida a rasteira esterilidade. O Judiciário precisa democratizar-se urgentemente em suas práticas internas, além de procurar maior legitimidade na alma do povo. Estamos passando por uma revolução na forma de fazer Justiça, caminhando, com a reengenharia do processo, para uma modificação estrutural e funcional do Judiciário em si. Procura-se remodelar o seu perfil no sentido de adequá-lo ao da Justiça que se espera na nova era pós-industrial, que vem sendo constituída principalmente nas três últimas décadas, na qual a informática transforma o conhecimento no instrumento de satisfação das necessidades da sociedade e é ferramenta de trabalho hábil para encurtar o tempo e a distância.
Esses fatores, em uma sociedade que anda à velocidade da luz e em constante competição globalizada, assumem destaque como a espinha dorsal da qualidade de todo e qualquer serviço. A Justiça, como serviço e instrumento de pacificação social, precisa comungar das idéias que estão modificando a civilização. A necessidade de adaptar o Poder Judiciário às múltiplas demandas do mundo moderno, a premência de torná-lo mais eficiente, de definir suas reais funções, sua exata dimensão dentro do Estado Constitucional e Democrático de Direito, a incessante busca de um modelo de Judiciário que cumpra seus variados papéis de modo a atender às expectativas dos seus usuários, tudo isso tem contribuído para que a reforma do Judiciário ganhe efetiva prioridade. Dentro do sistema jurídico-constitucional vigente, deve a magistratura desempenhar as seguintes funções básicas: solução de litígios, controle da constitucionalidade das leis, tutela dos direitos fundamentais e garante da preservação e desenvolvimento do Estado Constitucional e Democrático de Direito contemplado na Constituição de 1988.
O Poder Judiciário brasileiro depara-se, nos últimos tempos, com o desafio da concretização dos direitos de cidadania. Para tamanho desafio, não há fórmula pronta. É importante não esmorecer ante a adversidade do volume de serviço crescente, mas recusar-se a entregar uma jurisdição de papel, alienada, sem a necessária e profunda reflexão sobre os valores em litígio. Finalmente, é preciso que os juízes tenham o propósito de realizar uma jurisdição que proporcione pacificação social.
Referências: BARACHO, José Alfredo. Teoria geral da cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais. São Paulo: Saraiva, 1995. BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira. Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. CAPPELLETTI, Mauro. Dimensioni della giustizia nelle società contemporanee, Bolonha: II Mulino, 1994. FERRAJOLI, Luigi. Justicia penal y democracia. Jueces para la Democracia, n. 4, Madrid, set. 1988. GOMES, Luís Flávio, A dimensão da magistratura no Estado Constitucional e Democrático de Direito: independência judicial, controle judiciário, legitimação da jurisdição, politização e responsabilidade do juiz. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. VASCONCELOS, Pedro Carlos Bacelar de. Teoria geral do controlo jurídico do poder público. Lisboa: Cosmos, 1996.