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Mera expectativa

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09.08.2009 Opinião
Era voz corrente, em tema de concurso público, que o aprovado no certame, mesmo dentro do limite das vagas ofertadas no edital, não detinha ?direito subjetivo? à nomeação, mas apenas ?mera expectativa?, isso porque o chamado ?juízo de oportunidade e conveniência? da convocação era privativo ou exclusivo da Administração, não sendo juridicamente viável compeli-la à prática do ato, sob a pena de intrometer-se o juiz na área restrita ao referido juízo administrativo. De tanto ser repetida, essa voz tornou-se praticamente um dogma, sendo comum a invocação das prerrogativas legais da Administração para se afastar a pretensão de nomeação de candidato aprovado em concurso público, geralmente exposta em ação de mandado de segurança; às vezes se acrescentava que não haveria, em casos assim, a presença do famigerado ?direito líquido e certo? e que a ?mera expectativa? não tinha densidade suficiente para merecer a proteção da tutela mandamental.
Uma primeira mudança de orientação judicial operou-se para se afirmar que aquela ?mera expectativa? se convolava em ?direito subjetivo?, portanto tutelável pela via da ação de mandado segurança, se a Administração, desprezando os aprovados no concurso público, recrutava servidores temporários de forma precária, para o desempenho daquelas funções ou atribuições próprias dos cargos para os quais realizara a seleção pública. Essa orientação foi um avanço notável no controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário e tinha por fundamento a constatação de que o recrutamento de ?temporários? evidenciava a ?necessidade de pessoal?, não se justificando, em tal contexto, que a Administração não convocasse os aprovados.
Essa diretriz só merece encômios e realmente não há como se fugir da precisão do corte analítico que lhe serve de fundamento.
Mas uma outra mudança se desenha nesse horizonte temático, afirmando que os aprovados no concurso público dentro do número de vagas ofertadas (ou licitadas) têm o ?direito subjetivo? de serem nomeados de logo, independentemente de a Administração se valer (ou não) do recrutamento de ?temporários?, pois a ?necessidade de pessoal? já estaria evidenciada no próprio ato de realização da seleção pública (concurso). Um dos mais percucientes e lúcidos magistrados do colendo STJ ? o ministro Nilson Naves ? é alta referência dessa orientação, tendo-a exposto de forma incontornável no voto que proferiu no julgamento do MS 10.381/DF, na Terceira Seção do STJ (DJe 24.04.2009); também acolhe essa novel e salutar orientação o preclaro ministro Jorge Mussi, cujo raciocínio jurídico é invariavelmente certeiro, afirmando que o ?direito subjetivo? à nomeação surge com a própria aprovação do candidato, se a sua classificação se comporta no limite das vagas anunciadas no edital do certame (RMS 27.311/AM, julgado em 04.08.09, 5ª Turma do STJ).
Pode se dizer que a evolução geral da jurisprudência segue sempre o rumo da maior e mais efetiva proteção dos direitos subjetivos das pessoas ? isso em todas as searas do Direito Público ? e busca formas novas para densificar constantemente a prática judicial de valorizar os inestimáveis elementos ideológicos da cultura jurídica atual, tornando concretas as ?promessas constitucionais? de tutelas jurídicas, inclusive em territórios como o da discricionariedade administrativa, em cujo espaço não se admitia a ?intromissão judicial?, apregoando-se que o controle dos atos que aí medravam se limitaria aos seus ?aspectos formais ou externos?, não podendo descer (ou seria subir?) aos seus ?aspectos de mérito?. Essa orientação, apesar de hiper-resistente, já dá mostras de inegável exaurimento e certamente não é mais seguida sem receios, inclusive pelos que ainda estão refletindo honestamente sobre ela ou hesitam em superar o anterior entendimento consolidado a respeito desse relevante tema jurídico.
* Ministro do STJ e professor licenciado de Processo Civil da Faculdade de Direito do Ceará (UFC)
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO