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Iniciativa inédita do Tribunal de Justiça do Ceará é um marco histórico para estudantes surdas(os) do Estado

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Pensando na acessibilidade e inclusão de pessoas surdas, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) promoveu, nesta terça-feira (29/04), assinatura de convênio com o Instituto Cearense de Educação de Surdos (Ices), o Instituto Filippo Smaldone e a Associação de Pais e Amigos do Deficiente Auditivo (Apada) para a execução do projeto “Justiça em Libras”. A iniciativa também vai contribuir para a formação cidadã e o desenvolvimento de estudantes surdas(os), por meio do conhecimento do Direito e do funcionamento do Poder Judiciário estadual.

“O projeto ‘Justiça em Libras’, que foi pensado pela Assessoria de Comunicação do Tribunal, é mais uma etapa nesta caminhada de inclusão de pessoas que normalmente, pela sociedade, sofrem discriminação, não têm as oportunidades que merecem, que devem ter. Então, é com muita satisfação que a gente está aqui, porque o fundamental não é nem a questão de assinar um papel, é a disposição de todas e todos de realizarem o que está no papel, transformar isso em realidade, que é desenvolver essa inclusão, essa instrução e essa participação dos surdos nesse projeto”, afirmou o presidente do TJCE, desembargador Heráclito Vieira de Sousa Neto, ressaltando que as ações de acessibilidade e inclusão já têm sido pauta de gestões anteriores.

O servidor Edson Viana Gomes, jornalista da Assessoria de Comunicação do TJCE e coordenador do “Justiça em Libras”, explicou que o projeto é uma ampliação do “Justiça de Olhos Abertos”, voltado para estudantes cegas(os) e com baixa visão, e que a cartilha em Braille lançada em dezembro de 2022, cujo conteúdo trata sobre a estrutura e o funcionamento do Poder Judiciário, agora será transformada em videoaulas traduzidas em Língua Brasileira de Sinais (Libras), que será a primeira etapa do convênio. Ainda haverá visitação de alunos(as) dos institutos e funcionários(as) da Apada ao Fórum Clóvis Beviláqua para acompanhar uma sessão de júri. Posteriormente, o Tribunal vai promover a realização de júris simulados nessas instituições, com a participação de representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado.

“Estou muito feliz em poder servir ao nosso Tribunal, em servir à nossa sociedade, muito grato porque a gente tem todo o apoio da Assessoria de Comunicação, do Tribunal de Justiça, para de fato promover a inclusão e a acessibilidade de um público que realmente é carente dessa informação do Direito. E eu não tenho dúvida de que vai contribuir muito para a formação educacional deles, que estão prestes a fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)”, acrescentou o jornalista.

A sessão de julgamento do júri que receberá as(os) estudantes será presidido pelo juiz Edilberto Oliveira Lima, auxiliar da 1ª Vara do Júri de Fortaleza. O magistrado já participou das ações do “Justiça de Olhos Abertos” e considera que essas iniciativas viabilizam um aprendizado permanente para quem trabalha no Judiciário. “É uma oportunidade para eu aprender a lidar, a incluir e a viver com mais pessoas de forma integral. Nós, como Tribunal, precisamos estar abertos, interessados e, de alguma forma, comprometidos a dar mais espaço e mais dignidade para essas pessoas”.

 

UM MARCO HISTÓRICO

Alunas e alunos que estão no Ensino Médio são o público-alvo do projeto. A ideia é despertar o interesse e a motivação para que essas(es) estudantes surdas(os) possam seguir carreira dentro do universo jurídico, quer como advogadas(os), servidoras(es), promotoras(es) de Justiça, defensoras(es) ou magistradas(os).

 

Assinatura do convênio ocorreu no TJCE e contou com a presença de vários(as) representantes de instituições que atuam na área da PcD

 

“O que nós percebemos é que existe uma carência grande de materiais acessíveis para a comunidade surda. E o projeto vai trazer esse material acessível, construído com os próprios surdos, que vai ser utilizado dentro da nossa instituição, respeitando a necessidade dos nossos estudantes. Além disso, eles vão estar vivenciando concretamente como é a dinâmica do Tribunal de Justiça o que, com certeza, vai trazer um aprendizado significativo e bem mais real para que eles possam compreender a sociedade, seus direitos, e sonhar mais alto”, celebrou a presidente do Ices, Lílian de Sá Leite.

Para as ações presenciais, que incluem a sessão de julgamento e o júri simulado, foram selecionadas(os) estudantes a partir de 16 anos, mas as videoaulas serão disponibilizadas para todas as(os) 127 alunas(os) atendidos pelo Ices, que contempla Ensino Fundamental II, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Professora do Ices, Germana Lima participou da assinatura do convênio e, como pessoa surda, falou da importância da iniciativa. “Hoje a gente já consegue ser incluído. Como em toda área, a Justiça tem seus sinais próprios. Participando diretamente, a gente vai entendendo melhor as sinalizações, as características, reduzindo barreiras. Eu estou muito feliz com essa parceria. Vamos só evoluindo”, disse Germana, em diálogo mediado pela intérprete Kalinca Nascimento da Cruz.

“Os surdos entendem muito bem, eles conseguem. Quanto mais se dá para os surdos, mais eles aprendem. Nós estamos aqui lutando por eles, as famílias lutam por eles, e a sociedade também. Esse dia é especial para eles e para nós também”, comemorou a presidente do Instituto Filippo Smaldone, Assunta Pasqualina Filograna. Fundada em 1988, a organização sem fins lucrativos atende a 250 crianças e adolescentes desde a Educação Infantil ao Ensino Médio.

Para a presidente da Apada, Dâmia Duarte, “esse convênio é muito importante porque, em primeiro lugar, a gente vai dar direito ao surdo de ter o direito de conhecer esse seu direito. E que tanto direito é esse? Mas é justamente porque os surdos muitas vezes não sabem dos direitos que eles possuem e, portanto, perdem. Agora eles não sabem por quê? Pela falta da comunicação em si. Muitos nos procuram lá na Apada perguntando alguma coisa em relação a benefícios, ou mesmo um caso de divórcio, e eles não sabem quem procurar. E por que é difícil para ele? Porque falta acessibilidade. O TJ nos convidou para participar desse convênio e eu creio muito que vai ser um marco na história da comunidade surda, porque eles vão poder agregar a sociedade como um todo”.

Dâmia Duarte reforçou que a Associação é parceira do TJCE há mais de 27 anos. Atualmente, 46 colaboradoras e colaboradores surdas(os) trabalham nas sessões de digitalização e arquivo do Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza. Ainda estiveram presentes a secretária e a tesoureira da Apada, Joelma da Silva e Maria Lúcia Araújo, respectivamente, além da irmã Milene, do Instituto Felippo Smaldone.

 

TRABALHO PERMANENTE

 

O oficial de Justiça Daniel Melo, membro da Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão do TJCE, também participou da assinatura do convênio. “Essa iniciativa é muito promissora para que as pessoas surdas tenham o conhecimento do que se passa no Poder Judiciário. Essa relação com a sociedade é muito importante para que as pessoas com deficiência, nesse caso as pessoas surdas, saibam quais as competências de um juiz, de um oficial de Justiça, e o que o Tribunal de Justiça tem como ação para reconhecer os direitos delas”, destacou.

O projeto contempla o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 16, definido na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que trata sobre “Paz, Justiça e Instituições Eficazes”, sendo uma das ações específicas desse Objetivo promover acessibilidade de pessoas com deficiência à Justiça.

 

CAPACITAÇÃO

O Instituto Cearense de Educação de Surdos está com inscrições abertas para curso básico de Libras. A capacitação, com duração de 80 horas/aula, ocorre às quintas-feiras, a partir das 13h30, na sede do Ices. O telefone para mais informações é (85) 3101.1391.

Agenda2030