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Estado é condenado a indenizar em R$ 1,4 milhão espanhóis vítimas de policiais militares

Estado é condenado a indenizar em R$ 1,4 milhão espanhóis vítimas de policiais militares

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A 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) condenou o Estado a pagar indenização de R$ 1,4 milhão ao casal de espanhóis Marcelino Ruiz Campelo e Maria Del Mar Santiago Almudever, vítimas de tiros disparados por policiais militares. A decisão foi proferida durante sessão realizada nesta segunda-feira (31/10).
Para o relator do processo, desembargador Washington Araújo, a “indenização fixada, portanto, serve de lenitivo, ao menos simbólico, aos profundos danos morais impingidos ao requerente Marcelino Ruiz, da mesma maneira que as quantias são suficientes para abrandar o terror experimentado por ambos os promoventes, que em muito ultrapassa o limiar de resiliência esperado de uma pessoa média”. Também destacou que “a monstruosidade da ação policial é um verdadeiro exemplo de ferocidade animalesca e infame covardia, podendo-se classificá-la como gravíssima” uma vez que “os agentes deveriam ser treinados para ver o cidadão dignamente”.
Segundo os autos, em setembro de 2007, o casal retornava do aeroporto com amigos estrangeiros. De acordo com o relato, quando passavam pela avenida Raul Barbosa, no bairro Aerolândia, o veículo em que estavam foi confundido por policiais militares, que fizeram abordagem pensando tratar-se de automóvel utilizado por assaltantes em fuga.
Acreditando ser o início de um tiroteio, eles tentaram sair do local, mas foram perseguidos pelos policiais, que continuaram atirando. Um dos projéteis atravessou a costela esquerda de Marcelino Ruiz Campelo, atingindo a parte superior do pulmão esquerdo até lesionar a medula, causando-lhe paraplegia irreversível dos membros inferiores. A esposa dele, Maria Del Mar Santiago Almuduver, não ficou ferida.
Inconformado, o casal acionou a Justiça. Requereu o pagamento de indenização a título de danos materiais e morais suportados em decorrência da ação dos policiais. Reforçou que, em decorrência do tiro sofrido, Marcelino Ruiz, que era piloto, ficou impedido de trabalhar.
O Estado apresentou contestação. Solicitou comprovação dos danos materiais e lucros cessantes, além da avaliação equitativa dos danos morais a fim de que não sirvam de fonte para enriquecimento. Entre outros argumentos, ainda requereu a citação dos policiais envolvidos na perseguição ao veículo para que componham o polo passivo da relação processual.
Ao analisar o caso, em novembro de 2014, o Juízo da 12ª Vara da Fazenda Pública condenou o Estado a pagar a Marcelino Ruiz indenização de R$ 900 mil por danos materiais e lucros cessantes e R$ 400 mil por danos morais. Também fixou em R$ 100 mil o valor da indenização moral a ser paga à esposa do espanhol.
Na tentativa de reverter a decisão, o Estado apelou para o Tribunal de Justiça (nº 0054771-68.2009.8.06.0001). Defendeu que houve culpa concorrente dos ocupantes do veículo, que “teriam contribuído significativamente para o deslinde final do evento”. Também arguiu que o espanhol não fez prova dos gastos com medicamentos, nem dos danos materiais decorrentes da adaptação da residência e do veículo dele para torná-los acessíveis à necessidade especial decorrente dos fatos.
Quanto aos lucros cessantes, o ente público argumentou que a idade de morte presumida de 79 anos, correspondente à expectativa de vida de um homem espanhol, é exagerada e deveria ser de 65 anos, correspondente à expectativa de vida média de um homem brasileiro. Em relação aos danos morais, considerou excessivo o valor arbitrado.
Ao julgar o caso, a 3ª Câmara de Direito Público negou provimento ao recurso, mantendo a decisão de 1º Grau. “A responsabilização do ente público funda-se na ideia do risco que a atividade pública gera aos particulares, caracterizando-se, portanto, como objetiva. Dessa feita, sua configuração depende apenas da prova do dano, da conduta ilícita e do nexo causal, que se encontram presentes no caso”, defendeu o relator.
O colegiado também entendeu que nada justifica a maneira como os policiais agiram. “Ainda que os autores houvessem desobedecido a eventual ordem policial de sair do veículo, subsistiria o nexo de causalidade entre os danos e a conduta dos policiais, já que a abordagem dos agentes da caserna nunca poderia ser a de mirar diretamente contra os perseguidos”, salientou o desembargador Washington Araújo.
O magistrado acrescentou que “eventual desobediência à ordem de agentes policiais, ainda que uniformizados, seria perfeitamente compreensível naquela circunstância”, visto que a região onde ocorreu o fato é “conhecida por sua alta incidência de assaltos”.
Quando ao valor da indenização, o órgão julgador entendeu que não houve erro de cálculo na fixação dos lucros cessantes sofridos pelo espanhol. Também considerou justo o valor estipulado para a indenização por danos morais. “Esse patamar revela-se adequado, pois, de um lado, é proporcional às sequelas psicológicas que os demandantes carregarão para o resto de suas vidas, mas, de outro, é razoável se considerado o porte do Estado do Ceará, ainda hoje um dos entes mais pobres da Federação”.
No dia 22 de fevereiro deste ano, o colegiado já havia condenado o Estado a indenizar em R$ 101.703,00 o italiano Innocenzo Brancati, que dirigia o veículo, e a esposa dele, Denise Campos Sales Brancati.
AGILIDADE
A 3ª Câmara de Direito Público julgou 115 processos durante a sessão desta segunda-feira. A análise das ações ocorreu no período de apenas uma hora e sete minutos. Participaram dos trabalhos os desembargadores Gladyson Pontes, Inácio Cortez, Washington Araújo e a juíza convocada Maria do Livramento Alves Magalhães.
De acordo com o Gladyson Pontes, que presidiu a reunião, a celeridade é resultado da utilização do Voto Provisório. O sistema, que foi implantado em setembro de 2013, pela então 3ª Câmara Cível do TJCE, permite que, antes das sessões, cada relator disponibilize o voto, em meio eletrônico, para os demais integrantes do colegiado fazerem a análise do caso.
DESPEDIDA
A sessão desta segunda-feira também foi marcada pela despedida da juíza convocada Maria do Livramento Alves Magalhães, que compôs o colegiado no lugar do desembargador Abelardo Benevides. O magistrado, que é presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) pediu afastamento a partir do dia 1º de agosto deste ano para se dedicar às eleições municipais.