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Dosimetria da pena

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31.05.2009 Opinião Pág.: 03
A dosimetria da pena é a operação intelectual pela qual o juiz, tendo acolhido a denúncia, instruído devidamente o processo e decidido pela condenação do réu, fixa a quantidade de pena a ser-lhe imposta; mas essa operação está muito longe de ser algo meramente burocrático ou simples, pois envolve a um só tempo um plexo vasto de considerações jurídicas da maior relevância, que não podem ser negligenciadas, dentre as quais, o grau da culpabilidade do agente, os seus antecedentes, a sua conduta social, a sua personalidade, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do crime, bem como o comportamento da vítima – contribuindo ou não para a perpetração do ilícito – e atendendo, ainda, ao critério da suficiência da pena para proporcioná-la aos objetivos sociais de reprovação e prevenção de condutas criminosas (art. 59 do CPB).
A disciplina da dosimetria da pena deve ser entendida de forma rigorosa, pois tem a função estratégica de limitar o arbítrio do Juiz e evitar que ceda à tentação de transformar a sanção penal numa vindita ou nela destilar a sua revolta – muitas vezes legítima – diante da crueldade do crime, da largueza dos seus efeitos perniciosos ou da iminência de ser a punibilidade atingida pela prescrição.
Dosimetrar a pena – para usar esta expressão tão do agrado do eminente ministro Jorge Mussi – é trabalho de fino lavor jurídico, que requer atenção máxima aos parâmetros legais e respeito constante aos direitos do réu, mesmo depois de condenado, ou principalmente depois de condenado; bem por isso as sanções penais são fixadas entre um mínimo (piso) e um máximo (teto), para dentro desses limites o Juiz operar a fixação da pena, torná-la definitiva ou, como dizem os juspenalistas modernos, proporcionar a sua quantidade, não indo além do necessário e nem ficando aquém da justa medida. O emprego dessas expressões abertas ou desses conceitos indeterminados (´além do necessário´ e ´justa medida´) indicam a grave responsabilidade do juiz, no mister dosimetrador da sanção, devendo justificar por completo, de forma lógica, congruente e baseada em dados certos do processo, as razões pelas quais ultrapassou a medida do mínimo legalmente previsto.
Não é lícito ao juiz, ao dimensionar a pena, valer-se de elementos próprios do tipo penal – tal como ocorre na hipótese em que o elemento da norma incriminadora ´lesão aos cofres públicos´ é utilizado como justificativa para elevar a pena no crime de desvio ou apropriação de verbas públicas – como também não lhe é permitido exacerbar a sanção sob o pretexto de que a sua fixação no piso legal ensejará a prescrição da punibilidade; ainda que todos estejamos de acordo quanto à necessidade de punir os infratores da lei penal, ninguém há de vindicar a eliminação do instituto da prescrição, criado em prol do réu, não sendo admissível, até pela sua gênese histórica, invocá-lo em seu desfavor; portanto, se a prescrição tiver cabimento no caso, somente em benefício do réu poderá ser aplicada.
A exata compreensão desse quadro de ponderações terminará por revelar à sociedade que a repressão penal nunca pode desbordar para vinganças ou represálias, mas sempre se pautar no respeito às garantias do processo e das partes, sendo ilusório e mesmo perigoso se pensar que o Juiz incorpore funções de vingador, ainda que tenha em mãos para julgar um processo em que o réu seja confesso de crime bárbaro ou de atividade revoltante.
Napoleão Nunes Maia Filho – Ministro do Superior Tribunal de Justiça e professor licenciado de Processo Civil da Faculdade de Direito da UFC