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A fala do ministro

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31.05.2009 Opinião pág.: 03
O eminente e culto ministro do Supremo Tribunal, Lewandowiski, em estada recente nesta Capital, minimizou o entrevero ocorrido em plena sessão do Supremo Tribunal, como ainda declarou que o juiz não tem que agradar o povo.
Há de dizer-se, porém, que o desaguar de agressões verbais, ocorrido naquele espaço, que Rui chamava de sagrado e tão inviolável como os mistérios do culto, teve, como era de se esperar, uma ressonância deveras negativa. Mesmo porque os juízes, como figuras paradigmas de conduta, exercem uma forte inferência no modo de proceder do estamento social.
A afirmação de que o juiz ?não deve agradar o povo? me parece absolutamente inconseqüente. O que é o povo? O povo é o cerne da democracia política, a fonte originária do poder, embora nem sempre o seu beneficiário. Maurice Aydolat concita os juízes a saírem de seu ?neolítico?, a descerem de sua torre de marfim, aproximando-se mais do povo, a que devem julgar, para conhecerem melhor a cruel realidade de uma sociedade desigual e conflituosa. O juiz, mais inserido no contexto social, tornar-se-ia mais humano, teria mais consciência de sua contingência, encontraria mais força nas suas próprias limitações.
Quem sabe se o juiz ouvisse o povo não seria um pouco mais justo, mesmo porque como diz Miguel Cervantes, o noveleiro quixotesco: ?Encontrei mais sabedoria no senso vulgar do que nas decisões dos magistrados?.
A Suprema Corte dos Estados Unidos, mais sensível aos anseios populares, fez a grande nação do Norte orgulhar-se de ser chamada a ?Oligarquia da Toga?. Anthony Lewis, jornalista do The New York Times, encarregado de cobrir os principais julgamentos da Corte, em seu livro ?A Trombeta de Gedeão?, descreve aquele pretório excelso como um estranho templo, em que nos dominam emoções confusas, por seus contrastes e paradoxos.
É, ao mesmo tempo, grandioso e íntimo, cerimonioso e informal, austero e humano – a mais distante e a mais acessível de todas as instituições governamentais.
Não há similar no mundo inteiro e em qualquer época. Pelo alargamento de sua competência e pela soberania inatacável de sua autoridade, aquele Tribunal se entremostra ao vulgo como um semideus, extremamente poderoso, sentado sobre um trono, e deixando escapar um lampejo constitucional, sempre que lhe chega a súplica para a correção de uma injustiça. Foi-se o tempo em que o juiz era considerado um emissário de Deus. Nos idos de 1702, o velho bastonário D´Aguessau, ao saudar os magistrados no Parlamento francês foi buscar inspiração nas palavras altissonantes das sagradas Escrituras: ?Vós, juízes da Terra, sois deuses, filhos do Altíssimo?. Hoje, felizmente, o juiz é apenas um comissário do povo.
Francisco José Soares – Advogado e juiz aposentado