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O litoral questionado

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26.07.2009 Economia Pág.: 30
Dalviane Pires da Redação
?Na terra em que o mar não bate
Não bate o meu coração?
Beira-mar, Caetano Veloso
O litoral cearense agoniza em meio a questionamentos judiciais. O Ministério Público Federal no Ceará (MPF-CE) tem hoje pelo menos 80 ações contra o uso e ocupação do litoral em 11 municípios. Os motivos são diversos: vão desde a descaracterização da paisagem natural até o uso que se faz de Áreas de Proteção Permanente (APPs), protegidas por Lei. Em muitos casos, as ocupações têm aval de órgãos ambientais, possuem as devidas licenças. É que o planejamento e a gestão territoral que se faz da Zona Costeira do Estado ainda é frágil, dando margens a diferentes interpretações que acabam sendo decididas via judiciário. Um mar de liminares.
Mas há esperanças. Nesse momento, as atenções se voltam para o decreto de Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) que será assinado, ainda sem data, pelo governador Cid Gomes. O objetivo do decreto, que teve 30 dias de consulta pública, é disciplinar o uso e ocupação do solo e uso dos recursos naturais da Zona Costeira do Estado. Com regras mais claras, a tendência é que algumas ambiguidades sejam eliminadas.
O decreto tem pontos polêmicos, principalmente no que diz respeito a ocupação das dunas móveis, o que tem mexido com os ânimos de potenciais investidores que não concordam com a restrição total do uso desse tipo de duna, fato que inviabilizaria a execução de projetos grandiosos como resorts.
Para a promotora Vanja Fontenele, coordenadora interina do Centro de Apoio Operacional ao Meio Ambiente (Caomace), as questões ambientais no Ceará devem ficar mais claras a partir da assinatura do decreto. Vanja explica que o ZEE é fruto de estudos que identificam as fragilidades da Zona Costeira, assim como serve para definir em que áreas diferentes tipos de empreendimentos podem ser implantados. ?O decreto vai sancionar o que o ZEE indica e tem que optar pelo bem comum, coletivo?, explica Vanja.
A coordenadora interina do Caomace argumenta que o disciplinamento da Zona Costeira é de extrema importância e precisa ser feito o quanto antes. Se as polêmicas judiciais no litoral vão diminuir, Vanja pondera que ?questionamento e indisciplina sempre irão existir, mas o decreto vai definir mais, ajudando a disciplinar?. ?É possível ordenar e a função do Estado é essa. As irregularidades que já existem continuarão sendo questionadas e o Estado precisa de uma ação enérgica. O decreto é um importante começo?, pontua a promotora.
Alessander Sales, procurador da República no Ceará é um dos defensores da regulamentação do ZEE. ?O decreto vai deixar claro as restrições que já existem, mas que governos anteriores e muitos empreendedores faziam de conta que não existiam?, afirma.
Exageros
A titular da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), Lúcia Teixeira, destaca que o ZEE aponta diretrizes e que o momento agora é de regulamentar, deixar às claras as permissões do Estado sobre a ocupação do litoral. ?Toda área que não tem regulamentação clara fica o limbo onde tudo é possível. É o caso do Cocó, que é regido por liminares. Hora embarga obra, hora desembarga obra. Tudo porque não tem regulamentação?, compara.
Sobre os questionamentos judiciais de ocupações irregulares ao longo do litoral, Lúcia concorda que ?no passado realmente houve um exagero?, referindo-se aos encaminhamentos dados às questões ambientais no Estado. ?Talvez não tivessem consciência, talvez não se imaginasse que fosse chegar a esse ponto…O fato é que houve uma falta de planejamento, uma desordem?, diz.
Lúcia explica ainda que o decreto tem caráter executivo e que a proposta apresentada para consulta pública ainda poderá sofrer alterações, caso o governador pondere as sugestões feitas na consulta ou até mesmo ceda à pressões. ?Meio termo existe. É só o governador querer aceitar as pressões do turismo e da especulação imobiliária, construtoras e empreiteiras?, afirma Lúcia em relação a restrição ao uso das dunas.
NÚMEROS
80 – É O NÚMERO DEAÇÕES DO MPF NO LITORAL CEARENSE
11 – SÃO OS MUNICÍPIOS COM USO E OCUPAÇÃO DO LITORAL QUESTIONADOS
30 – SÃO OS EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS AMEAÇADOS PELO DECRETO
E-Mais
Nem só os municípios litorâneos serão afetados pelo decreto. Aqueles que são influenciados por atividades econômicas próprias dos ecossistemas componentes da Zona Costeira também estão inclusos. São eles:
>Acaraú, Itarema, Amontada, Itapipoca, Trairi, Paraipaba, Paracuru, São Gonçalo do Amarante, Pentecoste, Caucaia, Fortaleza, Eusébio, Aquiraz, Pindoretama, Cascavel, Beberibe, Fortim, Palhano, Aracati, Itaiçaba, Jaguaruana e Icapuí.
>Os municípios de Limoeiro do Norte, Quixeré, Tabuleiro do Norte, Alto Santo, São João do Jaguaribe, Jaguaribara, Marco, Russas e Morrinhos também estão no ZEE.
LEIA AMANHÃ
O procurador da República no Ceará, Alessander Sales, fala sobre as consequências do decreto do ZEE para a política ambiental do Ceará.