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Exumação confirma corpos jogados em valas, sem caixão

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21.01.2010 Polícia
Perito recolhe um pedaço de crânio. Os restos mortais foram enterrados sem nenhum tipo de proteção. Somente após a exumação foram, então, colocados em caixões e sepultados
A perícia demorou horas. Todo o procedimento foi fotografado pelos legistas e fará parte do relatório final
Matéria exclusiva: o fato foi motivo de reportagem publicada no dia 28 de maio. O MP entrou no caso
21/1/2010
Procedimento pericial foi acompanhado pela promotora da Saúde Pública, Isabel Porto. Um relatório será produzido
O corpo de Luiz Eurico Ricardo Arruda, morto supostamente de overdose, na Santa Casa de Misericórdia, foi o primeiro a ser exumado na manhã de ontem, no Cemitério Parque Bom Jardim. Em seguida, um a um, os restos mortais dos outros seis indigentes, enterrados em valas, sem nenhuma proteção pela Coordenadoria de Medicina Legal (Comel), o antigo IML, nos dias 26 e 27 de maio de 2009, foram sendo desenterrados.
Não havia nada, além da areia e dos ossos. A denúncia do Diário do Nordeste, que resultou em uma investigação do Ministério Público Estadual, foi confirmada. Os mortos foram realmente enterrados “com terra na cara”, como afirmou, à época do fato, o atual secretário de Segurança Pública e Defesa Social, Roberto das Chagas Monteiro.
Decisão
O procedimento pericial foi consequência de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Estadual, em julho do ano passado, com o objetivo de “exumar os cadáveres de indigentes inumados sem nenhuma proteção e dar-lhes um sepultamento digno, dessa vez com a utilização de urnas funerárias”.
A decisão de obrigar a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) a desenterrar os corpos foi divulgada no último dia 23 de novembro. Na decisão, o juiz titular da 4ª Vara da Fazenda Pública, Mantovani Colares Cavalcante, determinou que a Pefoce “adotasse providências administrativas e técnicas” para desenterrar os corpos.
Ontem pela manhã, às 8h15, Isabel Porto, promotora de Defesa da Saúde Pública, chegou ao cemitério para acompanhar os trabalhos dos peritos. Segundo Porto, “houve ferimento a uma determinação do Condema (Conselho Municipal de Meio Ambiente) com relação ao acondicionamento de corpos em casos de sepultamentos, além de ferir um princípio da dignidade humana”.
De acordo com a representante do MP, também foi encaminhado à Procuradoria Geral de Justiça sugestões para que fossem apuradas as responsabilidades no âmbito administrativo. “Solicitamos também que fosse instaurado um inquérito policial”, afirmou. Quanto à demora de oito meses para que os corpos fossem desenterrados, a promotora afirmou que, depois de propor a Ação Civil Pública, a decisão ficou a cargo do Poder Judiciário. “O juiz decidiu ouvir o Estado, que tem o seu lapso temporal processual para se manifestar, e depois tomou a decisão, que está sendo cumprida hoje”, ressaltou.
Às 8h30, dois peritos auxiliares e dois auxiliares de necropsia da Coordenadoria de Medicina Legal da Pefoce (Comel) chegaram ao cemitério. A expectativa era pela chegada dos dois peritos, Francisco Hugo Leandro e Osmar Leite de Figueiredo Filho, quando, então, seria iniciada a exumação.
Enquanto esperava os peritos, o administrador do Cemitério Parque Bom Jardim, Antônio Agostinho, já havia tomado todas as providências para o trabalho de escavação. Seis coveiros estavam designados para realizarem o serviço.
Mais de uma hora além do horário previsto para o início da exumação, os dois peritos chegaram. Francisco Hugo Leandro, que ocupa o cargo de coordenador da Comel, afirmou que os corpos não seriam reexaminados. “Eles serão identificados, colocados cada um em uma urna funerária, e enterrados de novo”, afirmou.
Um cordão de isolamento foi providenciado. Policiais militares e guardas municipais resguardam o local e às 9h40 começaram as escavações. Meia hora depois surgiram os primeiros ossos, um crânio humano e o restante do corpo de Luiz Eurico. Após quase três horas, todos os corpos haviam sido desenterrados, colocados em caixões e enterrados novamente, sem orações ou outro ritual religioso.
Incomodou
O mau cheiro que exalava dos cadáveres incomodou os moradores próximos do cemitério. Um deles, o vigilante Gilberto Camurça Matos, 41, não se conformou. “Está insuportável. Estou aqui com a minha esposa, porque lá em casa não dá para ficar, por causa do mau cheiro”, disse.
Apesar do incômodo, o cozinheiro José Clóvis Sousa, 45, afirmou que a decisão de desenterrar os corpos e providenciar um enterro com caixões foi acertada. “Todo mundo merece respeito, mesmo os indigentes. Eles mereciam um enterro digno”, desabafou.
Além de Luiz Eurico, foram inumados os corpos de Francisco José Bezerra de Sousa, 20, vítima de atropelamento; Francisco José do Nascimento, morto com vários ferimentos após ser atropelado em Itapajé; um homem não identificado, vítima de homicídio em Campos Belos; uma mulher não identificada, vítima de homicídio a bala; outro homem não identificado, morto por espancamento na Avenida Leste Oeste; e um desconhecido, vítima de afogamento, no Município de São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Os peritos informaram apenas que produzirão um relatório da exumação.
EMERSON RODRIGUES – REPÓRTER