À espera de uma família e os laços de amor construídos no meio do caminho
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- 26-05-2025
Um sonho de criança: ter uma família. Para quem se reconhece desde sempre com um vínculo familiar, pode parecer estranho. Mas para quem cresceu em uma casa de acolhimento, é o tipo de sonho que pode parecer inalcançável (clique no vídeo ao final para ver esta emocionante história).
Melissa Pereira foi uma dessas crianças. “Todo mundo que passa pelo abrigo recebe um álbum pra preencher e responder algumas perguntas e uma delas era: qual o seu sonho. No meu, foi a última coisa que deixei em branco e, quando me perguntaram, eu disse: vou botar que quero ter uma família”, lembra.
Vivendo na Casa do Menor São Miguel Arcanjo, Melissa nunca deixava de sonhar. E, antes de encontrar a sua tão sonhada família, ela entendeu que os vínculos que formava ao seu redor também podiam ser casa para o seu coração. Diogo Cals atuava como assistente social no abrigo em que ela vivia. Em um entra e sai de Melissa em sua sala, como era comum nas crianças do local, uma forte relação nasceu.
“Pra mim, ele foi o meu primeiro pai. Eu ia na sala dele o tempo todo. Em um Natal, ele me deu uma casa da Polly [boneca]. Quando a gente mora no abrigo, um brinquedo que chega é pra todos. Então esse presente foi muito significativo, era só pra mim. Eu me senti como se estivesse numa família, realmente”, conta Melissa, emocionada.
Atualmente trabalhando como assistente social da Seção de Cadastro de Adoção de Fortaleza, Diogo marcou a história da Melissa, mas também foi marcado por ela. “Sempre foi uma menina cheia de sonhos, que foi muito importante na minha trajetória. Quando eu fui assistente social do acolhimento, a partir da história dela e da relação que construímos, iniciamos um projeto, que inclusive virou lei, que é o apadrinhamento afetivo.”
Ele lembra que Melissa não tinha nenhum vínculo fora do abrigo. “Um grande desafio que nós temos dentro desse processo é saber como lidar com a emoção e com a razão. Porque o tema da adoção passa muito por esse aspecto emocional.”

Nesse tipo de apadrinhamento, o intuito é ampliar a convivência comunitária e familiar de crianças e adolescentes com poucas possibilidades de serem adotados. Nesses casos, de maneira gradual, padrinhos e madrinhas passam a conviver pessoalmente com os apadrinhados em visitas e, posteriormente, em passeios, fins de semana e, até mesmo, por sete dias consecutivos durante as férias escolares.
“Na instituição de acolhimento é um trabalho muito difícil, muito complexo, um contato direto com a vida dessas crianças. Além disso, nem todos os casos terminam como a gente gostaria, tem crianças que chegam na maioridade dentro de unidades, o que deixa a gente muito triste”, lembra Diogo.
Felizmente, não foi assim com Melissa. Seu sonho de fato aconteceu. Aos 10 anos, foi adotada por uma família, ao lado da sua irmã Yasmin, que tinha quatro anos na época. Mesmo sendo a realização de um sonho, ela conta que não foi fácil.
“Foi bem difícil porque tinham as inseguranças que todas as crianças têm, os medos. Eu já tinha passado por um processo de devolução, já tinha passado cinco meses com uma família. Então, quando eu fui devolvida, foi muito difícil pra me ambientar na instituição. Aí quando chega a notícia de que eu ia ser adotada, ia ter uma família, eu pensei: ‘será que vai acontecer de novo?’ Então qualquer dificuldade eu virava pra minha mãe e dizia: ‘a senhora vai me devolver?’ Mas ela me dizia ‘você é minha filha, eu não vou te devolver. Você já é minha filha”, lembra Melissa, com um sorriso no rosto.

Hoje com 18 anos e um irmãozinho que acabou de chegar para aumentar a família, a menina é só gratidão pelo apoio que encontrou em Diogo. “Hoje tenho um amor que eu nunca tive. Um amor de mãe, um amor de avó, um amor de irmão, e agora um amor de pai.”
Já Diogo segue realizando sua função como assistente social e grato por ter vivido a experiência com a adoção de Melissa e tantas outras histórias acumuladas nos anos de serviço. “A história dela demonstra a possibilidade de que as coisas dão certo também, apesar de todas as dificuldades, vulnerabilidades, falta de recursos. Quando a gente luta por uma melhoria na condição de vidas dessas pessoas é sobretudo pra isso: encontrar uma família. Fico muito feliz de fazer parte, porque família não é só aquela ligada aos vínculos biológicos, mas também por afinidade e afetividade, que foi o que a gente construiu.”
“A função social da adoção é encontrar uma família para uma criança e não uma criança para uma família. Esse é o objetivo da adoção”, destaca Diogo Cals. Para ele, isso é importante porque é preciso analisar muito bem as pessoas que desejam adotar, que o desejo de ter um filho não seja maior que o desejo de dar uma família para aquela criança.
No meio desse processo, é importante entender também como as crianças chegam a ficar disponíveis para adoção. Um desses meios é a entrega voluntária. Desde 2017, por meio da Lei da Adoção nº 13.509, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que as gestantes possam entregar o recém-nascido para adoção legal em procedimento acompanhado pela Justiça, por meio da Vara da Infância e da Juventude.
Pela referida lei, receber criança de terceiro que não seja parente não é permitido. Cidadãs e cidadãos que tenham interesse em entregar o filho, devem fazê-lo através dos meios legais. As gestantes são atendidas e acompanhadas, sem constrangimentos, pelas equipes do Juizado da Infância e Juventude, que atendem pelo telefone e WhatsApp e telefone fixo (85) 3278-1062.
O acolhimento preza pelo sigilo e pela privacidade da mulher interessada, garantindo o acesso a psicólogos e assistentes sociais. A manifestação sobre a entrega pode ser feita antes ou logo após o nascimento do bebê. Diferentemente dos casos de abandono ou da chamada “adoção à brasileira”, a entrega voluntária não é crime e não enseja qualquer penalidade.
No âmbito do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o programa Entrega Responsável foi regulamentada por meio da Resolução nº 25/2021. De acordo com a Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (Cejai), nos últimos cinco anos, a Comarca de Fortaleza registrou 69 adoções por entrega voluntária. Já no Interior do Estado, foram 36.
Mais informação sobre Entrega Legal – Juizado da Infância e Juventude:
Telefone e WhatsApp: (85) 3108-2300






![Pra mim, ele foi o meu primeiro pai... Em um Natal, ele me deu uma casa da Polly [boneca]. Quando a gente mora no abrigo, um brinquedo que chega é pra todos. Então esse presente foi muito significativo, era só pra mim. Eu me senti como se estivesse numa família, realmente.](https://portal.tjce.jus.br/uploads/2025/05/Olhos_Pra-mim-ele-foi-o-meu-primeiro-pai.png)



