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A busca ativa motivada pelo ato de amar

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O cabelo cheio de pitós coloridos foi cuidadosamente arrumado para uma manhã diferente. A responsável por tanto esmero foi “tia Tamires”, que integra a equipe da Casa Abrigo 1, onde vivem a menina Isabela*, de cinco anos de idade, e o irmão João*, que tem quatro. Aptos à adoção, os dois estão entre 28 crianças e adolescentes de 11 instituições de acolhimento de Fortaleza que participaram das atividades de lazer promovidas pelo Poder Judiciário estadual.

Para além da proposta lúdica, a ação realizada nessa quarta-feira (21/05), na quadra esportiva da Casa Menor São Miguel Arcanjo, no Condomínio Espiritual Uirapuru (CEU), teve um outro propósito: viabilizar o encontro das meninas e dos meninos com pessoas que estão habilitadas à adoção.

 

Foto de duas crianças abraçadas
Crianças aptas à adoção que participaram das atividades recreativas

 

São grupos de irmãos, crianças com problemas de saúde e adolescentes, que muitas vezes fogem da normatização do que a sociedade geralmente aceita. “Trazemos pretendentes habilitados com diversos perfis para que possam encontrar aqui, quem sabe, sua filha ou seu filho. Essa abordagem facilita a adoção, que seria extremamente difícil se as pessoas apenas esperassem ser chamadas” explicou a chefe do Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos da Comarca de Fortaleza, Débora Melo da Silva.

Débora enfatizou a importância da vivência para quebrar a barreira da idade. “É comum haver um maior interesse em adotar crianças pequenas ou apenas saudáveis, mas muitas crianças fora desse perfil acabam permanecendo em acolhimento por muitos anos, e em alguns casos, são institucionalizadas. É fundamental que possamos abrir os corações e as mentes para essas crianças, proporcionando-lhes a chance de ter uma família.”

 

 

 

O professor e músico Renato Campelo Mesquita estava entre os 19 pretendentes que compareceram à atividade. Ele e o companheiro, Marcos, estão juntos há quase 12 anos e sonham em ser pais. “Conversava muito com ele a respeito disso e as vontades bateram muito. Cresci como filho único e eu achei a experiência péssima. A mamãe perdeu dois filhos depois de mim, então para ela foi uma coisa meio frustrante, traumatizante. E o meu esposo cresceu numa casa com mais três irmãos. Ele sempre quis que a vida dele, a dois, tivesse essa possibilidade de ter uma casa com filhos”, relatou, afirmando que a ideia inicial é adotar dois irmãos com idade até cinco anos, independente de raça e sexo.

 

 

No entanto, após um ano e um mês na fila, Renato já considera a possibilidade de ampliar o perfil no quesito idade e incluir crianças que tenham doenças tratáveis. “Muitas pessoas têm esse preconceito em relação à questão das crianças neurodivergentes, com alguma questão de saúde. Inclusive a gente mesmo teve quando decidiu que não queria crianças com algum tipo de doença. Mas a gente está aproveitando essa oportunidade para quebrar um pouco esse tabu e ver essas crianças com outros olhos. Eu vim muito aberto, em consenso com ele, que infelizmente não pode se fazer presente. Mas, se houver algum despertar, a gente conversa em casa para tentar iniciar um vínculo”, destacou.

 

Foto da professora Shamadhar Sampaio
Professora Shamadhar Sampaio pretende adotar uma menina com idade entre cinco e sete anos

 

Shamadhar Sampaio também é professora e, assim como Renato, veio para o encontro com o coração aberto. Ela quer adotar uma menina com idade entre cinco e sete anos. “Para mim, assim, é uma oportunidade, uma experiência, ainda que não seja hoje o meu encontro com a minha filha, pelo menos eu estou buscando. Acho muito interessante esses momentos assim porque, como a gente não pode entrar agora nos abrigos, pelo menos essas vivências facilitam ter um contato com várias crianças. Pode ser um despertar”, refletiu.

A professora contou que a experiência na rede municipal de ensino a incentivou a querer ser mãe através da adoção. “Tive alunos que vinham de abrigos, muitos chamavam a gente de mãe, demonstravam aquela carência da afetividade, de ter alguém que gostasse deles, que demonstrasse o cuidado, o amor. Foi algo assim bem forte, principalmente uma criança que eu tive de 5 anos, que é a idade que eu pretendo adotar”, justificou Shamadhar, não descartando a possibilidade de vir a ter mais de uma filha no futuro.

 

 

Entre uma entrevista e outra, vimos as brincadeiras na quadra aproximarem crianças e adolescentes da realidade de quem já tem uma família. E bastava trocar algumas palavras com as meninas e os meninos para perceber o entusiasmo com o momento de lazer. Enquanto alguns jogavam bola, outros interagiam com um recreador, que promoveu dinâmicas envolvendo os adultos. O encontro ainda teve lanche para confraternização dos participantes.

“É um dia como este que faz sim a diferença na vida das nossas crianças, para que elas tenham uma rotina comum”, salientou o coordenador operacional da Casa do Menor São Miguel Arcanjo, Carlos Alberto Bartolomeu Barbosa, dizendo que a instituição tem capacidade para um total de 20 meninas e meninos, desde bebês até os 12 anos de idade.

 

Foto do professor Renato Campelo
O músico Renato Campelo é um dos pretendentes à adoção que considera incluir no perfil crianças com doenças tratáveis

 

E o desejo do coordenador para cada um dos acolhidos é que essa ação de busca ativa possa viabilizar uma adoção. “São momentos especiais que justamente vão favorecer e fortalecer o futuro das nossas crianças, ou seja, o encontro da família. O que importa, o que elas procuram, sempre almejam por isso. Nada substitui a família”, acrescentou.

A pedagoga Iracy Alencastro, da Casa Abrigo 1, compartilha o mesmo entendimento sobre a importância da integração, sobretudo para o desenvolvimento da socialização. “É a oportunidade que eles têm de ter esse contato com o diferente, com outras crianças, em outro ambiente. E eles ficam bem animados quando passam essa atividade externa”, garantiu. Atualmente, 24 crianças e adolescentes, com idade entre 4 e 17 anos, estão em acolhimento na instituição.

 

 

Segundo a servidora Nathália Cruz, que está à frente da Coordenadoria de Processos Administrativos e Judiciais da Infância e Juventude de Fortaleza, as ações coletivas voltadas ao lazer acontecem pelo menos três vezes ao ano: em maio, em razão do Dia Nacional da Adoção; em outubro, em alusão ao Dia das Crianças; e em dezembro, para celebrar o Natal. “São momentos em que a gente tenta fazer uma coisa fora do processo. Desta vez, em especial, a gente trouxe os pretendentes. Caso surja algum interesse, ótimo. Mas, de toda forma, o lazer fica em primeiro lugar. Porque a infância exige muito essa parte social, para que elas se sintam uma criança e uma adolescente como qualquer outra”.

Isabela* e João* realmente não escondiam a felicidade com a manhã de diversão. Estavam gostando de tudo. Entre as corridas pela quadra, quando perguntei o que a menina tinha achado do passeio, ela não hesitou em demonstrar satisfação. Para Isabela*, foi um dia “bonito”. João* concordou, acenando com a cabeça. Ao passo que eu também assenti.

*Nomes fictícios para proteger a identidade das crianças

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