Quando os recursos imperam
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- 21-12-2010
Política 21.12.2010
A reportagem que gerou a manchete de capa do O POVO de ontem é para causar grande indignação. ?Só em Fortaleza, são quase três mil processos à espera de julgamento – 2.835. Um número difícil de zerar, considerando que as cinco varas do júri julgam, em média, 480 processos por ano ? menos de 100 por vara. Seriam necessários pelo menos seis anos para solucionar todos os processos, sem contar os que chegam a cada dia?, aponta a reportagem assinada pela jornalista Viviane Gonçalves. São crimes contra a vida. Assassinatos. Quase três mil mortos com assassinos conhecidos. Sem julgamento, estes permanecem impunes. Sem condenação, permanecem soltos. Muitos desses casos se arrastam há muitos anos. São os réus que, com recursos, contratam bons escritórios de advocacia especialistas em… recursos. É um escândalo que torna a nossa democracia capenga e gera a terrível sensação na sociedade de que matar pode ser um bom negócio. O fato tem imensa repercussão a favor do clima de violência que impera entre nós.
O CICLO DA IMPUNIDADE
Visto de forma crua, a imensa demanda de julgamentos já é um escândalo. Porém, se levarmos em conta a incapacidade de nosso sistema policial de solucionar os crimes de morte, a impunidade vira uma epidemia. Sabe-se com certeza que mais de 90% dos crimes de morte não são solucionados. Ou seja, quem mata não é identificado e permanece solto pronto para cometer outros crimes de morte. Então são dois gargalos geradores de impunidade: a lentidão nos julgamentos dos casos solucionados e a incapacidade do sistema policial de solucionar casos para levar os assassinos a julgamento. Perceberam a grandeza do problema? Se o sistema policial ganhar alguma eficiência na solução dos crimes, os criminosos têm boas chances de permanecer impunes porque serão beneficiados pela interminável e lenta fila de julgamentos. Se o assassino for pobre e estiver preso mesmo sem ainda ter sido julgado, acabará sendo solto porque a lei, com razão, não permite que o cidadão fique atrás das grades sem condenação. Se o criminoso possuir um bom advogado, ele tem a chance de esperar o julgamento em liberdade por anos a fio.
A MORTE COMO ALGO BANAL
Diante da violência, que recebe grandes estímulos da impunidade, cobra-se muito do sistema público de segurança, mas muito pouco do Judiciário. As soluções são óbvias. Algumas delas foram apontadas pela reportagem. Um dos caminhos passa pela política. No caso, a mudança na legislação que limita apresentação de somente um recurso por instância. O projeto saiu do Senado e está na Câmara dos Deputados. Outra saída para oferecer mais celeridade ao sistema é aumentar a quantidade de juízes, de servidores e de varas. Mas, por qual motivo as soluções já são conhecidas, mas não implementadas? Pois é. No Brasil, a vida se tornou algo banal. Poucos se escandalizam e se indignam. Mata-se, por exemplo, com imensa facilidade ao volante depois de uns ?goles?. Só neste fim de semana, dois casos de atropelamentos em Fortaleza envolvendo de motoristas com claros sinais de embriaguez. Dois mortos. A maioria desses casos nem a julgamento vai. Atentem que falamos de crimes contra a vida. A situação é ainda pior se levarmos em conta outros tipos de crime.
SOB O IMPÉRIO DA IMPUNIDADE
No Ceará, são muitos os casos disponíveis. Muitos deles estão expostos no site da Associação de Parentes e Amigos Vítimas da Violência (www.apavv.org.br). A reportagem do O POVO apresentou o caso de Gesy Braga, assassinado com um tiro nas costas em abril de 2001. O criminoso foi condenado em um julgamento ocorrido há quatro anos. Seu advogado recorreu e o matador permanece livre. Lá se vão quase dez anos. No limite do tolerável, as sociedades mais avançadas resolvem casos como esse de forma definitiva em no máximo dois anos. O caso é simples: um inocente, um assassino com arma na mão, um tiro pelas costas e um motivo banal. No entanto, a impunidade é o império.
Fábio Campos
fabiocampos@opovo.com.br