Encontro histórico em Fortaleza: Seminário PopRuaJud promove troca de experiências e traz novas expectativas
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- 25-09-2025
O Seminário PopRuaJud: Superação das Vulnerabilidades e Alcance da Inclusão Material, promovido pelo Comitê Multissetorial para Promoção de Políticas Públicas Judiciais de Atenção às Pessoas em Situação de Rua, iniciou nessa quarta-feira (24/09) com uma apresentação emocionante do Coral Encanto da Rua. As vozes que cantavam traziam histórias de luta, fome, resistência e, sobretudo, esperança. Era como se cada nota dissesse: “Estamos aqui, existimos, temos direito à vida com dignidade”.
Logo depois, autoridades do Judiciário, ministros de Estado, gestores públicos e representantes de movimentos sociais se uniram na solenidade de abertura realizada na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Entre os primeiros a falar, o padre Júlio Lancellotti, símbolo da luta pelos direitos humanos no Brasil, trouxe palavras que ecoaram como um chamado coletivo. “É preciso que a população de rua tenha acesso à Justiça, e que esse acesso seja facilitado. Muitas vezes a burocracia toda dificulta. Documentação, certidão de nascimento, carteira de trabalho digital — nada disso pode depender apenas das prefeituras. É necessário que haja uma ação integrada, permanente, que não deixe ninguém para trás. Além disso, precisamos fiscalizar os trabalhos que a população de rua acaba prestando de maneira terceirizada, sem nenhuma proteção. E lembremos: quem tem fome não precisa de burocracia, precisa de comida.”
HISTÓRICO E TRANSFORMADOR
Representando o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o desembargador Carlos Augusto Gomes Correia destacou a importância histórica do evento. “Nos últimos 20 anos, o Judiciário deixou de ser aquele Poder inerte, distante, e passou a se engajar em ações afirmativas de inclusão. Este seminário é um evento de grande magnitude porque visa dar vida, dar voz àquelas pessoas que muitos ainda consideram invisíveis. É significativo para toda a sociedade, porque reafirma que todos têm direitos previstos na Constituição e que devem ser respeitados.”

A abertura também foi marcada pela presença da conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Rafaelly Machado, integrante do Comitê Nacional PopRuaJud, que reforçou a centralidade da participação da própria população em situação de rua no processo. “É muito importante estarmos aqui, porque nada para nós, sem nós. Este evento é fruto da Resolução 425 do CNJ e da determinação da ADPF 976, que instituiu a Política Nacional da População em Situação de Rua. Mas precisamos lembrar que não pode ser apenas um momento. A justiça social precisa ser concreta e definitiva, para que essas pessoas não voltem invisíveis às marquises. Que este encontro seja o início de algo real e transformador.”
Na plateia, os olhares atentos confirmavam que cada palavra tinha destino certo: a urgência de um país que precisa enxergar aquelas(es) que tantas vezes são esquecidos. O coordenador estadual do Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua, Ramon Cardoso, resumiu o sentimento coletivo. “A população de rua sempre foi invisível aos olhos da sociedade. Esse evento traz visibilidade, sim, mas precisamos ir além: que o poder público, as instituições privadas e a sociedade civil se unam de forma organizada para transformar de fato a vida de quem está nas ruas. Só assim haverá mudança verdadeira.”
DEBATES DO SEGUNDO DIA
Nesta quinta-feira (25), o seminário seguiu com mesas de discussão que deram voz a diferentes perspectivas e experiências. A assistente social Mércia Lucas enalteceu o papel fundamental da inclusão real. “Estar aqui neste momento é um espaço onde a gente vai discutir questões de superação da vulnerabilidade que os nossos usuários enfrentam. Porque, na vida real, a inclusão social só acontece quando você dá ferramentas aos usuários, quando você dá propostas a essas pessoas e organiza em todos os setores, com a participação de todos, a construção de soluções e de superação da situação de rua. Então estar aqui é gratificante.”
Ramon Cardoso lembrou a relevância da integração entre os Poderes. “O seminário é de máxima importância para as pessoas que estão em situação de rua e para toda a sociedade. É a primeira vez que nós estamos com o Poder Judiciário em todas as esferas e também com o Poder Executivo, Municipal e Estadual, alinhados, buscando ações direcionadas à população em situação de rua. Foi através do PopRuaJud que conseguimos avançar em questões de moradia, de aluguéis sociais e de documentação. Os magistrados têm desenvolvido um trabalho magnífico, apoiando os movimentos sociais e buscando sempre melhorias para quem mais precisa.”
Presidindo o painel sobre vulnerabilidades, a desembargadora Cleide Alves de Alencar ressaltou a dimensão humana do encontro. “Este seminário é muito válido porque mostra que devemos lutar pelo sonho da dignidade humana. Vi uma plateia interessada, unida pelo mesmo ideal de realizar o sonho das pessoas em situação de rua. Eles não podem ser ocultos. São seres humanos, fazem parte da nossa família. Todos devemos nos importar uns com os outros, sentir a dor do outro. Como representante do Tribunal de Justiça, afirmo que precisamos estar envolvidos, acolher e caminhar junto às pessoas vulneráveis.”

Representando uma voz que já viveu na pele a realidade das ruas, Joana Basílio, integrante do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento das Políticas Públicas para a População em Situação de Rua, trouxe um depoimento comovente. “Tenho 40 anos e uma trajetória de rua. Hoje componho o Comitê Intersetorial e estar aqui é extremamente importante. O PopRuaJud é um espaço de interação de políticas, um diálogo sobre questões sociais que são tão relevantes para a inclusão de pessoas em vulnerabilidade. É um momento de reconhecimento, de fala e de construção coletiva.”
O seminário se encerrou nesta quinta-feira (25/09), com painéis que discutiram Cidadania, Direitos Humanos, Habitação, Reinserção no Mercado de Trabalho e o Papel do Sistema de Justiça. O Comitê Multissetorial do Pop Rua Jud no Ceará é formado pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-7), Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) e Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5). Além dos ramos do Judiciário, o Comitê também conta com a participação da Defensoria Pública e de diversos parceiros da sociedade civil para garantir a cidadania e os direitos fundamentais das pessoas em situação de rua.




