Educação jurídica antirracista: TJCE lança Clube de Leitura Luiz Gama e Esmec promove curso sobre racismo
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- 06-10-2025
Promover a equidade racial, combater o preconceito e a discriminação raciais e fortalecer uma educação jurídica antirracista através do letramento racial. Esses foram os compromissos reafirmados pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) nesta segunda-feira (06/10), durante o lançamento oficial do Clube de Leitura Luiz Gama, na sede do Tribunal, em Fortaleza. O evento contou com a palestra da professora e doutora em Direito Alessandra Devulsky, referência nacional e internacional nos debates sobre relações raciais.
A manhã começou com emoção e propósito. Magistradas(os), servidoras(es) e integrantes do Sistema de Justiça se reuniram para celebrar a criação de um espaço que une literatura, reflexão e compromisso social. Coordenado pela Comissão de Políticas Judiciárias pela Equidade Racial (CPJER), o Clube nasce como um território simbólico de transformação: um lugar para aprender, ouvir e pensar o Judiciário a partir de uma perspectiva mais plural e inclusiva.
O desembargador André Costa, presidente da CPJER e coordenador do Clube, destacou a relevância do projeto como instrumento de letramento racial e compromisso institucional. “O Clube de Leitura Luiz Gama, além de ser um reconhecimento e homenagem à trajetória de Luiz Gama, é um espaço de letramento racial para o Poder Judiciário do Ceará. Ele segue a iniciativa do Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, do CNJ, ao qual o TJCE aderiu, trazendo essa temática para o centro dos tribunais. O Judiciário tem um papel fundamental no combate ao preconceito, à discriminação racial e ao racismo que existe no Brasil e no Ceará.”
Segundo o magistrado, o compromisso do Sistema de Justiça vai além das decisões proferidas. “O nosso papel é tratar as pessoas com igualdade de oportunidades e contribuir, inclusive no ato de julgar, com a equidade racial. O Clube é uma oportunidade de troca entre magistrados e magistradas, servidores e servidoras, buscando esse bem comum”, completou.
EDUCAR, SENSIBILIZAR, TRANSFORMAR
O Clube de Leitura Luiz Gama propõe encontros presenciais e virtuais, com turmas de estudos literários e jurídicos conduzidas por pesquisadoras(es) e professoras(es) com atuação reconhecida em temas ligados ao combate ao racismo e à promoção da diversidade.
A primeira convidada foi a professora Alessandra Devulsky, autora do livro Colorismo, da coleção Feminismos Plurais. Durante a palestra inaugural, ela lembrou que o racismo é uma estrutura que atravessa todas as dimensões da vida e precisa ser enfrentado de forma coletiva e multidimensional.

“As questões raciais estruturam a sociedade. Em qualquer profissão, há desafios socioeconômicos, mas pessoas negras enfrentam outras camadas de dificuldade, que não permitem que suas competências e habilidades sejam expressas em todo o seu potencial. O racismo ultrapassa todas as esferas — da vida privada à pública. Por isso, não podemos enfrentá-lo com medidas unilaterais: é preciso uma integração de forças para quebrar o que já está estruturado”, afirmou.
A professora da Universidade de Quebec, em Montreal (Canadá), reforçou ainda a importância da responsabilidade compartilhada na luta antirracista. “Nós não conseguimos combater o racismo se não fizermos uma grande aliança. Essa aliança inclui, claro, pessoas racializadas — negras, indígenas, pardas —, mas também pessoas brancas. É preciso falar sobre o racismo enquanto ele existir, porque só assim poderemos superá-lo. E a leitura, o estudo e o diálogo são caminhos fundamentais para isso”, completou.
O nome do Clube é uma homenagem ao advogado, jornalista, escritor e abolicionista Luiz Gama, que dedicou sua vida à liberdade e à justiça. Dos 10 aos 18 anos de idade, Luiz Gama viveu escravizado em São Paulo e, após conseguir provas de sua liberdade, fugiu do cativeiro e ingressou no serviço militar, em 1848. Seis anos depois, tornou-se escrivão de polícia e, em 1859, publicou o primeiro livro, de poesias. Mas foi como advogado, posição que conquistou em dezembro de 1869, que escreveu a sua obra magna, “A Luta contra a Escravidão por Dentro do Direito”, que resultou no feito assombroso – sem precedentes no abolicionismo mundial – de conferir a liberdade para aproximadamente 750 pessoas através das lutas nos tribunais. Seu legado inspira o projeto e reforça a importância do letramento racial no Judiciário.
Durante a solenidade, a professora Alessandra Devulsky recebeu uma lembrança simbólica do TJCE e da CPJER — um artesanato em forma de tabuleiro de xadrez, com peças que representam a cultura popular nordestina. Feito de fécula de mandioca pelos artesãos Demóstenes Fidelis e Lucy Lacerda, o presente traduz o espírito do evento: a sabedoria, a resistência e a estratégia como caminhos para transformar a realidade.
REFLEXÃO E FORMAÇÃO
À tarde, as discussões ganharam novos contornos com a primeira etapa do curso “Racismo, Estado e Direito: história, teoria e políticas públicas”, também ministrado pela professora Alessandra Devulsky, e realizado em parceria com a Esmec. O encontro contou com a presença de magistradas(os), servidoras(es), que dialogaram sobre como o racismo estrutural, institucional e intersubjetivo se manifestam nas instituições e como o Poder Judiciário pode atuar de forma propositiva.
O juiz César Morel Alcântara, do TJCE, ressaltou a importância de um olhar atento à questão racial dentro da prática judicial. “A equidade racial é um problema social, assim como a violência doméstica. Estamos inseridos em uma cultura ainda muito racista, e nossa luta é criar novos olhares a partir da Justiça. Por muitos anos, ela não se preocupou tanto com esses assuntos. Agora, há uma preocupação legítima em prestar um bom serviço jurisdicional e, mais do que isso, compreender que o preconceito existe e precisa ser enfrentado dentro dos nossos próprios processos e pensamentos.”

A servidora do TJCE, Mércia Cardoso de Sousa, doutora em Direito Constitucional e coordenadora-adjunta do Clube de Leitura, reiterou a relevância de trazer o debate racial para o âmbito institucional. “A discussão sobre igualdade racial chega agora com força ao Tribunal, mas poderia ter chegado antes. Estou há quase 30 anos aqui e só de uns três anos para cá esse tema passou a ser realmente discutido. Mas que bom que chegou — e o Clube de Leitura faz parte desse avanço. Hoje já vemos cotas na magistratura, nas universidades, nos concursos públicos, e isso torna o Judiciário mais plural e mais parecido com a sociedade cearense.”
O CURSO
O curso “Racismo, Direito e Estado: História, Teoria e Políticas Públicas”, ministrado pela professora Alessandra Devulsky, tem carga horária de 20h/a e prossegue até amanhã, (07/10), com encontros das 8h às 12h e das 14h às 18h, presencialmente na Esmec. Já de 8 a 13/10 será realizado no formato virtual para a mesma turma.




