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DES. ERNANI BARREIRA

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27.01.2011 direito e justiça
“Não acredito em nada revolucionário sem a participação de mulheres.”
O desembargador Ernani Barreira Porto, presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), deixa o cargo amanhã, depois de dois anos à frente do Poder Judiciário estadual. Em entrevista ao Direito & Justiça, o magistrado falou dos desafios enfrentados e da mudança de paradigma, ocorrida com a informatização processual, que está em curso.
Direito & Justiça: O que foi mais difícil: a gestão atual ou a primeira vez que assumiu o cargo de chefe do Judiciário cearense?
Des. Ernani Barreira Porto: Nessa gestão houve dificuldades muito maiores. Assumimos determinados compromissos que indicaram mudanças de hábitos e isso trouxe um conjunto de dificuldades. A adaptação do corpo funcional ao novo contexto de trabalho é elemento profundamente complicado. Assumir, na administração pública, o compromisso de fazer um plano de cargos e salários, com base em princípios científicos, é missão difícil. Ao contratarmos a Fundação Getúlio Vargas (FGV), tínhamos a consciência de que era o ente mais qualificado para cumprir a missão, entretanto, desencadeamos um processo pioneiro em matéria de reestruturação, de uma nova visão administrativa, que é basicamente a visão da recomposição de cargos e salários. Você mexe com todo o corpo funcional. Essa é a grande dificuldade. Em segundo lugar, fizemos a reforma de como prestar a atividade jurisdicional. Construímos, em Fortaleza, um novo modelo de julgar, um sistema revolucionário. Hoje, a fisionomia do Judiciário é comprovadamente moderna. Mudamos a figura do Judiciário diante da sociedade. Tenho certeza que, em breve, a Justiça cearense será vista como modelo a ser seguido.
D&J: O mandato de dois anos é suficiente?
EBP: Todo mandato é curto, mas estou certo que cumpri com parcela substancial do meu dever. Entrei com a vontade de fazer, com o compromisso comigo mesmo e tive ajuda de um elenco de pessoas, autoridades e familiares. Um mandato é muito curto para os sonhos que carregamos, mas acredito que os dois anos bastaram para satisfazer meu idealismo, pois há também a necessidade de se conviver com a família. Me entreguei ao Judiciário cearense como se fosse meu primeiro amor. Foram dois anos de dedicação, mas também de convivência perdida com minha família, minhas filhas.
D&J: O que representa a Lei Estadual nº 14.407/2009, que trata da ampliação e modernização da Justiça cearense?
EBP: O Judiciário não tem força de trabalho suficiente para conter 50% da parcela de responsabilidade que havia assumido. Havia necessidade de redimensionar, por meio de dados matemáticos. A carga de trabalho dos servidores era muito grande. Mesmo com todos os aprovados no concurso anterior, estávamos muito longe do número que o Judiciário necessitava. Daí a necessidade de avocar a terceirização, talvez a forma menos apropriada, mas a situação era emergencial. Com a virtualização, o trabalho se multiplicou. Tivemos que qualificar os servidores, mas não podíamos perder o momento histórico em que o modelo foi desenhado e assumimos o compromisso de terceirizar uma parcela. Na próxima gestão, será feito concurso, o que não foi possível na minha. Convocamos cerca de 500 novos funcionários, além de 160 juízes e 16 desembargadores. Isso representa a necessidade de reformular a estrutura física. O Fórum Clóvis Beviláqua tinha cerca de dois hectares ocupados com processos em papel. A princípio, foi imaginado que a virtualização iria acontecer somente com processos em andamento, mas houve necessidade de espaço físico. Movimentamos uma montanha de papéis e montamos uma fábrica de virtualização.
D&J: O Ceará foi apontado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como tendo o Judiciário mais moroso de todas as unidades da Federação. Essa realidade era referente ao ano de 2009. Os números mudaram com o maior número de magistrados?
EBP: O Conselho fundamentou suas informações em dados passados. Ele não contabilizou nossos últimos dados e projetos quando divulgou essas informações. Quando mandamos as últimas informações para o Conselho, o órgão já tinha contabilizado todos os dados. Não temos receio que o modelo deu certo e é irreversível e paradigmático em relação à Justiça no mundo. Temos a convicção que hoje o Estado ocupa o sexto lugar nesse ranking, não é ficção. O governador acreditou em nós e fizemos o possível para não desmerecê-lo.
D&J: Qual o montante da despesa com pessoal?
EBP: Em 2008, o Judiciário gastou R$ 250 milhões com pessoal. Em 2009, foram R$ 300 milhões. Já em 2010, saíram mais de R$ 350 milhões. Quando se fala em investimentos, temos as fontes do Judiciário para isso. São elas: Tesouro e Fermoju, que em 2010 arrecadou R$ 100 milhões. No ano de 2008, o valor arrecadado foi de menos de R$ 50 milhões. As custas processuais do Ceará estão entre as mais baratas do Brasil, o que houve foi a responsabilidade do órgão arrecadador, mas não permitimos vazamentos. Ocorreu maior fiscalização. Se o Judiciário administrar bem seus recursos não precisa de ajuda financeira. O Executivo deve cuidar do pagamento de pessoal, pois é compromisso do Estado.
D&J: A virtualização processual vai mesmo reduzir o tempo de tramitação das ações judiciais?
EBP: Com a virtualização, o processo vai ficar muito mais barato. O processo que durava dez anos vai durar, no máximo, um ano. Não vai haver mais a angústia dos litigantes, transformando-os em inimigos. Um exemplo que aconteceu recente foi o movimento de conciliação do DPVAT (Seguro Obrigatório de Danos Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre). Praticamente todos os processos foram resolvidos em uma semana. Isso significa que foi estabelecida a paz social em relação àquelas pessoas e uma injeção de R$ 10 milhões na economia do Ceará. Essa foi uma iniciativa de um grupo de juízes. Antes, juízes não agiam dessa forma porque não existia tanta consciência. A Justiça estadual é a única de todas as capitais que tem o controle minucioso de todos os processos que estão tramitando nas Varas de Execução Penal. Foram 16 mil processos ordenados e virtualizados. Hoje, se a família de um presidiário quiser saber sobre situação atual, ela segue a Vara de Execução Penal e dentro de minutos saberá o que for preciso. Só Fortaleza possui esse sistema no Brasil.
D&J: Em quanto tempo a informatização processual estará concluída em todo o Ceará?
EBP: Na Capital, ainda precisamos de seis meses de trabalho. Já faz um ano e meio que estamos nesse processo. Fortaleza corresponde a 59% da carga de processos do Estado. No interior, a previsão de virtualização é de um ano. Vai ser mais rápido porque já sabemos como é o caminho.
D&J: Como foi feita a capacitação das pessoas para o processo digital?
EBP: Os testes ocorreram na fábrica de digitalização e a capacitação no centro de tecnologia. Tínhamos funcionários dedicadíssimos, mas, alguns, que não sabiam usar computador. Todos correram para se qualificar. Houve elevação do nível cultural do funcionário do Judiciário. A vitualização no Ceará foi feita com modelo de fontes externas. Nós trouxemos as melhores pessoas em tecnologia da informação, a melhor empresa, entretanto, toda a força de produção foi desenvolvida por pessoas do Tribunal. Valorizamos os funcionários da Casa. As pessoas que vêm de fora ficam perplexas com as soluções que são aplicadas aqui. Por exemplo: criamos o modelo de Oficial de Justiça online. É uma ferramenta revolucionária para cumprimento de mandados judiciais. A previsão para esse sistema entrar em vigor é de um mês. Os oficiais de Justiça vão trabalhar menos, produzir mais e com maior segurança.
D&J: Na sua gestão entraram muitas desembargadoras. O senhor acredita que mudou a administração por conta disso?
EBP: Não acredito em nada revolucionário sem a participação de mulheres. No meu conceito, esse vai ser o século da mulher. Me sinto muito bem com a presença de desembargadoras e juízas. A mulher resolveu ocupar sua verdadeira posição na sociedade qu