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Adoção Pronta

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10.07.2009 Opinião pág.: 02
O sistema processual de adoção prevê que, após a destituição do poder familiar que vinculava a criança à sua família de origem ou nas hipóteses legais em que este poder não existe, a criança deverá ser encaminhada para a adoção, havendo uma lista de pessoas cadastradas, após prévia habilitação judicial. Esta lista deve ser respeitada, pela ordem cronológica de inscrição, sendo chamados para adotar a criança aqueles que se encontram a mais tempo na fila.
Mas será que uma mãe biológica pode escolher a mãe adotiva de se filho?
A entrega de crianças pelas suas mães biológicas em adoção para interessados por ela escolhidos é objeto de intensas discussões teóricas e práticas. A denominada adoção intuito personae (ou adoção pronta) é admitida por alguns juízes e refutada por outros. Os que defendem esta possibilidade, argumentam que é um derradeiro ato de amor e responsabilidade, o último exercício do poder familiar, que ao se separar de seu filho pode expressar seu cuidado indicando uma pessoa por ela escolhida. Nestas hipóteses, não sendo esta pessoa habilitada judicialmente, o processo de adoção seria cumulado com uma espécie de habilitação dos pretendentes indicados nos mesmos autos, em cumulação de pedidos.
O problema é que a prática pode realmente estimular a compra de crianças e a escolha de pessoas menos capazes de dirigir a criação e a educação do que os pretendentes previamente habilitados e cadastrados. A obrigatoriedade da inscrição e habilitação dos pretendentes (art. 50 do ECA) parece ser incompatível com a adoção pronta, já que esta não se coaduna com a proteção integral da criança, na defesa de quem se prevê a realização de verificação prévia da capacidade do pretendente à adoção.
Aduza-se a estes argumentos o fato de não integrar os deveres-poderes inerentes ao poder familiar a disposição da criança em família diversa. O artigo 1.634 do CCB obriga aos pais dirigir a criação e a educação dos filhos e tê-los em sua companhia e guarda (incisos I e II), demonstrando que o poder do adulto sobre a criança só se justifica em função de sua missão de protetor presente. Tomada a decisão de dar a criança em adoção o sistema jurídico reserva a possibilidade de se dar um destino previsível para ela, com sua colocação em família previamente habilitada e cadastrada.
Por mais bem intencionado que seja o direcionamento pretendido pelos genitores biológicos, sua admissão significa dar aos pais o poder de dispor sobre a criança, que, como já se disse alhures, não está contemplado dentre as atividades inerentes ao poder familiar. Desta maneira, se alguém resolve dar o filho em adoção, deve entregá-lo ao Juizado da Infância e Juventude para encaminhamento a uma adoção segura. A polêmica seguirá adiante, à míngua de norma expressa que proíba esta prática.
A ideia da entrega direta de crianças da mãe biológica ao pretendente por ela escolhido e não habilitado privilegia os adultos: a mãe biológica, que não vai continuar sendo mãe e nem arcar com a criação da criança, é prestigiada em seu suposto amor e sabedoria. Os pretendentes, por sua vez, são privilegiados porque não tiveram que se submeter ao processo de habilitação, no qual seriam investigados seus propósitos e condições de assumir a paternidade afetiva, além de ?furar a fila?. Contudo, o princípio do melhor interesse da criança nos obriga a buscar a solução mais segura para esta, que é o principal sujeito de direitos desta relação. Daí a nossa opção pela adoção por habilitados prévios, como previsto pelo sistema.
Sávio Bittencourt Promotor de Justiça