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A mulher tem muita carência afetiva´

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10.08.2010 cidade
A mulher, pela própria constituição física e psicológica, sofre mais com abandono e a solidão e procura refúgio
A visita íntima não pode ser encarada como uma forma de “acalmar” os presos ou evitar as relações homoeróticas. Muitas vezes, as relações afetivo-sexuais que acontecem no ambiente carcerário acabam não atravessando os muros. Diferentes das que começam do lado de fora que podem, sim, ultrapassar os portões dos presídios e serem vivenciadas, apesar da distância.
De acordo com Analupe Araújo de Souza, diretora operacional do Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, a mulher, em si, tem muita carência afetiva, não descartando a ocorrência de relações homoeróticas no presídio. “Elas falam que é coisa de cadeia”, conta, esclarecendo que ao sair, a relação fica para trás, ou seja, não continua fora da cadeia.
Algumas mulheres têm companheiros fora da prisão, afirmando ser apenas uma forma de preencher a carência proporcionada pela solidão da cadeia. O contato, quer com a família quer com os companheiros, servem para aliviar a monotonia que passa a ser o dia a dia na prisão. “Muitas vezes ficam tristes, principalmente se é dia de visita e a família não comparece”, revela Analupe Araújo.
Amores vigiados
As visitas íntimas passam por rígido controle no presídio feminino. Quando a detenta chega, tem o prazo de dez dias para fazer o cadastro, sendo solicitados alguns documentos como carteira de Identidade, CPF e declaração de união estável registrada no cartório e comprovante de residência.
A maioria das mulheres que cumprem pena no Auri Moura Costa tem entre 18 e 25 anos e estão em idade reprodutiva, daí o cuidado para a utilização de métodos contraceptivos. Elas contam com ginecologistas, psicólogos, assistentes sociais e recebem anticoncepcionais e preservativos. Outro aspecto a chamar a atenção, diz respeito à feminilização do tráfico de drogas. “Antigamente, os homens estavam no comando, mas hoje a situação vem mudando e muitas mulheres estão à frente”.
Os visitantes, geralmente, pessoas da família, devem ser cadastrados. Na falta de familiares, o presídio autoriza até dois amigos, esclarece. Com relação à paquera ou ao surgimento de casos de namoro, no momento das visitas, Analupe Araújo diz não ter conhecimento, considerando não ser algo comum ou que aconteça com frequência. “A paquera pode ocorrer no interior das alas durante as visitas masculinas”. Desconhece, por exemplo, a existência de casos de um familiar se interessar pela amiga de outra detenta. Se ocorresse, a autorização da visita seria trocada. “Ainda não aconteceu essa troca”.
As visitas íntimas constituem um dos pontos mais delicados a envolver o universo prisional. No caso das mulheres que vão aos presídios, os encontros não acontecem em ambientes fechados, não sendo preservada a individualidade que requer um momento tão particular. Analupe Araújo admite que as visitas contribuem para fortalecer a autoestima das mulheres que estão presas. “Muitas são abandonadas pelos companheiros.
“Elas adoram ser visitadas”, diz Analupe Araújo. Mas existem aquelas que não recebem visitas, como é o caso das 42 estrangeiras que estão no Auri Moura Costa. As visitas das crianças acontecem nos primeiros domingos de cada mês.
“Nunca amei ninguém”
“A gente se conheceu há um ano e vamos ficar juntas quando sair daqui”, afirma Lorena, 34 anos, condenada por assalto a mão armada. Esta é uma das muitas declarações de amor dirigidas à companheira de cela, Marilene, 35 anos, que cumpre pena por furto. “Vou juntar tudo e fazer um livro”, promete Lorena, enquanto recebe da chefe de segurança do presídio Auri Moura Costa um caderno para registrar toda a história.
Lorena fala com entusiasmo desse amor que garante ter conhecido, agora, no presídio. “Nunca amei ninguém na vida”, diz, enquanto fala sobre os cuidados dispensados a ela pela companheira. Tímida, Marilene prefere expressar o que sente de outra forma, demonstrando carinho nas mínimas ações. “Faço tudo por ela”, retribui.
Reincidente, Lorena passou quatro meses em liberdade, mas logo trocou o mundo lá fora pelo carinho que tem da companheira. “Sentia muita saudade… Não consigo viver sem ela.” A volta para o presídio poderia ter sido evitada. “Não tinham prova contra mim. Não roubei, não peguei em arma, mas assumi para encontrar com ela de novo”.
De volta há dois meses, pela sétima vez ao presídio, diz que não se arrepende. “Nunca fiz planos com ninguém, mas agora pretendo sair daqui para viver com ela”, projeta. “Ela cuida e faz tudo por mim”, diz, considerando o cuidado a melhor forma de retribuição do seu amor. O sentimento, garantem, ajuda a superar a solidão do presídio.
“Ele me batia muito”
Nem mesmo a escolta é capaz de quebrar o romantismo do encontro que tem dia e hora marcados. E este ritual é seguido à risca por Maria Rejane Teles, 32 anos, 9º ano do Ensino Fundamental, há seis meses no Auri Moura Costa, aguarda julgamento por tráfico de drogas. A beleza física, demonstrada através do cuidado com o corpo e o cabelo, é quase escondida pelo aspecto de tristeza que nem mesmo um sorriso largo é capaz de esconder.
Rejane faz parte da estatística de mulheres vítimas da violência doméstica. “Ele me batia muito, por isso o meu amor acabou”, diz, justificando ser a única pessoa com quem pode contar. “Ele me ajuda a cuidar dos meus filhos, por isso, peço a Deus que o mesmo amor que sentia por ele há 13 anos, ainda volte”.
“Antes, eu amava muito ele, agora, acho que é ele quem gosta mais de mim”. O casal se conheceu, por acaso, usando droga e, logo, foram morar juntos. Conta que viveu 13 anos com o companheiro e se separou por um ano, tempo suficiente para conhecer outra. A relação foi reatada após a vinda de Rejane para o presídio.
“Descobri que a unidade oferecia visita íntima”, conta. “Aqui nem parece que a gente está presa, come pizza, lasanha”. Hoje, evangélico, o companheiro que não tem problema com a Justiça, promete casar com ela tão logo saía da prisão. “A gente sonha com uma vida melhor. Espero que ele tenha mudado de verdade”.
DUPLA REJEIÇÃO
Elas ficam sem os companheiros
“As mulheres, secularmente, são cuidadoras quer dos filhos ou dos maridos”, afirma Mônica Barroso, coordenadora do Núcleo da Mulher da Defensoria Pública do Estado do Ceará. Assim, faz parte da natureza feminina o instinto de proteger os seus, independente da falta cometida, daí a presença feminina ser mais constante nos presídios. Não apenas para visitar os companheiros, nas visitas íntimas, mas para ver os filhos.
Aos olhos da mãe, não importa a falta cometida pelo filho. “Para uma mãe, isso não importa”, reforça. O mesmo não se pode dizer em relação aos homens. Conforme Analupe Araújo, os pais não têm a mesma compreensão que as mães em relação aos filhos, sobretudo quando são reincidentes.
“Muitos rejeitam as filhas”, observa, afirmando que o contato é mantido através de cartas, já que elas sentem vergonha, sobretudo, as reincidentes. “Elas escrevem e pedem para as mães levar”. No geral, as mulheres são mais presentes e compreensivas. Mas quando a situação é inversa, são abandonadas.
Paradoxal
O abandono das mulheres é duplo. Ao serem presas são privadas do contato social e da família, em especial, do companheiro que trata de arranjar, logo, outra cuidadora. “Normalmente, ao serem presas, as mulheres são abandonadas pelos maridos”, afirma Mônica Barroso. A constatação dessa realidade pode ser vista pelas pequenas filas no presídio feminino, nos dias de visita, diferente da aglomeração nas unidades masculinas.
Embora muitas mulheres tenham sido presas por culpa dos maridos, muitas vezes, são “laranjas”, no caso do tráfico, ressalta Mônica Barroso. Outra particularidade feminina no cárcere, é que, dificilmente, as mulheres trazem entre as suas reivindicações, o direito às visitas íntimas, ou seja, o prazer sexual.
FAMÍLIA PREOCUPA
Separação dos filhos leva à depressão
A fidelidade das companheiras chega a superar a das famílias ou da mães. Muitos são abandonados pelas famílias e só as mulheres continuam firmes. Um misto de cuidado e desejo, assim pode ser resumida a afetividade feminina. A diretora do presídio feminino Desembargadora Auri Moura Costa, Socorro Matias, chama a atenção para o aumento no número de detentas, em 40%, no intervalo de três meses, sendo o tráfico o principal crime.
Enquanto o número de novas detentas aumenta, o de visitas masculinas não passa de 30%, denotando que o sistema penal reflete os preconceitos sofridos pela mulher. Elas são mais abandonadas do que os homens, diz Socorro Matias, arbitrando entre 600 a 700 o número de mulheres que vão para as portas dos presídios masculinos, todos os dias de visita. “A mulher ao ser presa gera um problema na família”, diz, explicando que muitos filhos são expulsos de casa pelos pais que tratam de arranjar novas companheiras.
Outra característica da mulher prisioneira é a exacerbação do seu emocional, o que leva, muitas vezes, ao suicídio. O último registrado no Auri Moura Costa aconteceu há dois anos. “São vários os casos de depressão”, destaca, reconhecendo que são mais introspectivas, sendo difícil suportar a separação da família.
“Muitas são provedoras das casas”, revela, sem contar com o suporte emocional que elas dão. A maior preocupação é saber como os filhos estão. Se não sabem como está a situação em casa, ficam bastante apreensivas. “Elas não conseguem se desligar da família”.
IRACEMA SALES
Repórter