Caminho da Visibilidade: três anos levando esperança e dignidade para pessoas em situação de vulnerabilidade
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- 26-08-2025
Jéssica Maria da Silva aprendeu cedo o que é não ser reconhecida. Filha por afeto, mas sem registro legal de adoção, cresceu com um nome incompleto — apenas “Jéssica”. Sem sobrenome, sem o nome da mãe nos documentos, sem acesso a direitos básicos. Aos 15 anos, engravidou. E, pela segunda vez, sentiu a dor de não poder dar nome a quem mais amava: sua filha.
“Não consegui registrar no meu nome… Só o pai aparece nos documentos”, conta, com a voz embargada e os olhos firmes de quem já enfrentou mais do que devia.
Foi só no ano passado, quase uma década depois de tantas tentativas frustradas, que a vida de Jéssica começou a mudar. Um amigo a apresentou ao projeto Caminho da Visibilidade, e, por meio do atendimento da juíza Sônia Meire de Abreu Tranca Calixto, titular da 1ª Vara de Registros Públicos de Fortaleza, e do acolhimento do senhor Paulo, ela recebeu — enfim — um registro completo, com o sobrenome da mãe biológica e, junto dele, a dignidade de ser reconhecida oficialmente pelo que sempre foi: filha, mãe, cidadã.
“Em três meses, ela resolveu o que eu tentei por anos. Minha filha caçula, de sete meses, já tem o meu nome. Os outros dois ainda não, mas a doutora Sônia vai me ajudar. Esse projeto me abriu portas e me devolveu dignidade”, emociona-se.
NASCE UMA ESPERANÇA
O projeto Caminho da Visibilidade surgiu no auge da pandemia, em 2021, quando a juíza Sônia Calixto assistiu a uma reportagem sobre pessoas em situação de rua impedidas de se vacinar por não possuírem documentos. Aquilo que para muitos passava despercebido, nela provocou ação. Em vez de apenas lamentar, ela criou um projeto. “O diferencial sempre foi a disposição de ir até as pessoas, sem esperar que elas viessem até nós”, afirma a magistrada.
A iniciativa começou de forma modesta, entre os dias 22 e 26 de agosto de 2022, com foco nas pessoas atendidas pela Higiene Cidadã, serviço mantido pela Prefeitura de Fortaleza. Com o apoio da Corregedoria-Geral da Justiça, do Fórum Clóvis Beviláqua e da Coordenadoria das Varas de Registros Públicos, tornou-se projeto-piloto e, em pouco tempo, referência nacional.

Hoje, o Caminho da Visibilidade é reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça como modelo para a criação da Semana Nacional do Registro Civil, realizada em todos os estados e no Distrito Federal. Por meio do projeto, cerca de 4 mil documentos já foram emitidos nos últimos três anos, e quase 2 mil pessoas foram diretamente beneficiadas nos últimos 12 meses.
A VOZ DA RUA
Um desses beneficiários é Paulo Raimundo de Souza. Nascido em São Paulo, mas apaixonado pelo Ceará, Paulo já percorreu boa parte das 184 cidades do Estado, e foi no Centro de Fortaleza, no Instituto Bom Samaritano — sede atual do projeto — que encontrou apoio para reconstruir sua identidade.
“Meus documentos tinham sido roubados. O Bom Samaritano, junto ao Tribunal de Justiça, me ajudou. Hoje, tenho tudo regularizado. E fui muito bem atendido desde o início”, lembra Paulo, com gratidão.
Mesmo enfrentando problemas de saúde e o alcoolismo, Paulo reconhece que o projeto foi essencial para seu recomeço. “Tudo tem regra, tem lei, tem dia. O importante é que agora tenho nome, identidade. O resto eu vou batalhando.”
JUSTIÇA QUE VÊ E ESCUTA
O projeto se destaca por uma metodologia centrada na dignidade humana: cada pessoa atendida é ouvida com empatia, acolhida com respeito e orientada com linguagem simples. O trabalho é liderado pela 1ª Vara de Registros Públicos de Fortaleza, cuja equipe enfrenta os desafios com humanidade e dedicação.

O alcance vai além das pessoas em situação de rua: o Caminho da Visibilidade atende também egressos do sistema carcerário, pessoas em sofrimento mental, indivíduos em cumprimento de medidas de segurança e outros em situação de vulnerabilidade extrema.
Mais do que entregar documentos, o projeto devolve pertencimento. Como diz sua idealizadora, a juíza Sônia Calixto. “É uma obra que permite aos beneficiários navegarem em céu de brigadeiro e sentirem a alegria da vitória.”
TRÊS ANOS DE LUZ SOBRE OS INVISÍVEIS
Ao completar três anos de existência, o projeto Caminho da Visibilidade reafirma um compromisso: o de enxergar quem por tanto tempo foi ignorado. Cada história atendida carrega uma dor antiga, mas também uma semente de futuro.
E se o nome é o primeiro direito, talvez seja também o primeiro passo para a liberdade. Para Jéssica, Paulo e milhares de outros cearenses, o projeto não é apenas um serviço — é um recomeço. Uma chance real de, enfim, existir por inteiro.



