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Acolher, reconhecer, transformar: o compromisso da Justiça com a diversidade

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E é esse nome revelado — que pulsa no peito, ecoa na alma e se escreve, enfim, no papel — que transforma silêncios em existência. Na véspera desse 28 de junho, Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) celebra histórias de coragem, pertencimento e dignidade. Histórias que, ao encontrarem o acolhimento da Justiça, se reerguem, se completam, se assinam.

Era como viver de costas para o espelho. Yuri Ângelo Miranda Mendes sabia quem era, mas o mundo insistia em chamá-lo por um nome que não era seu. “A retificação do meu nome foi um divisor de águas. Não foi só um documento: foi o reconhecimento da pessoa que eu sempre fui”, conta, com a firmeza de quem já viveu o oposto da dignidade.

Durante muito tempo, evitava ser chamado. Evitava filas, cadastros, médicos, festas. “Eu me escondia. Mostrar o RG antigo era constrangedor. A dúvida no olhar dos outros me fazia desaparecer um pouco por dentro”. Mas naquele instante em que viu o nome escrito, reconhecido, assinado pela Justiça, algo se acendeu. “Ela não me tornou quem sou. Mas me ajudou a existir — com segurança, com legitimidade, com respeito.”

Homem jovem sorridente caminha em meio a um plateia
Para Yuri Ângelo, cada passo até o papel foi um passo rumo a si mesmo

Acolher alguém não é apenas aceitar sua presença. É permitir que essa pessoa se nomeie, se conte, se reconheça. E foi isso que a Justiça fez também por Ayla Safira da Silva, que se apresenta assim, com orgulho e verdade: “Sou uma mulher travesti preta de axé, de 24 anos.” Antes da retificação, era como viver em desconforto constante. “Ir ao hospital e ver meu nome morto no telão… eu, ali, toda feminina, e ouvindo um nome que não me representa. As pessoas olhavam. Se questionavam. E isso me feria. Me feria com força.”

Desde pequena, Ayla já desfilava com trejeitos que o mundo censurava. Aos 15, tentou caber em uma moldura que não era dela. Se assumiu como gay, depois drag queen. Mas foi aos 18 que se viu por inteiro: travesti. “Minha família me rejeitou. Meus amigos me acolheram. Lutei, estudei, trabalhei. Hoje sou técnica em Administração. Tenho minha casa, minha história, meu nome.”

E esse nome, diz ela, só pôde ser escrito com a força de Pai Oxalá e com a porta que a Justiça abriu. “Ser reconhecida perante a Justiça como a grande mulher travesti que sou… Isso mudou minha vida. Me curou por dentro.”

 

A Justiça que transforma não apaga histórias de dor. Mas escreve por cima delas com o lápis da esperança. Foi assim com Amora Maria Cruz Chagas. Aos 15 anos, quando se descobriu menina trans, conheceu também a dor de não ser acolhida. “Sofri evasão escolar por causa da transfobia. Meu nome era desrespeitado. Meus pronomes ignorados. Teve um momento em que tive que escolher: largar a escola ou tentar contra a própria vida.”

Ficou viva por um fio. E esse fio tinha nome: sua mãe. “Foi o único apoio entre mim e a marginalidade para onde o Estado me empurrava.” A Justiça, anos depois, puxaria outro fio: o da reconstrução. “Retificar meu nome e gênero foi a virada. Não precisava mais me explicar. Não precisava mais me esconder. Agora eu olho meus documentos e me vejo neles.”

Hoje, Amora concluiu o ensino médio no Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) e vai fazer o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Sonha em cursar Direito. Quer entrar pela porta da mesma Justiça que a acolheu, para abrir outras portas. “A retificação foi mais do que um direito: foi um recomeço. A Justiça me olhou nos olhos e disse: você tem o direito de ser.”

Rosto de uma adolescente com olhar contemplativo
Com a retificação do nome, agora o mundo vê Amora Maria como ela sempre foi

E às vezes, ser é também amar. Amar em silêncio, por anos, até que a ausência de quem partiu transforme saudade em coragem e silêncio em justiça. Foi assim com Ana Luiza*, que viveu ao lado de sua companheira por 25 anos — uma vida de afeto, partilha e cuidado. Durante todo esse tempo, construíram uma união sólida, visível aos olhos de todos, mas invisível aos olhos da lei — até que a perda da mulher amada exigiu dela mais do que luto: exigiu luta. Diante da ausência de reconhecimento, ela buscou a Justiça. E encontrou.

Mesmo com a resistência velada dos herdeiros, foi o Judiciário quem estendeu a mão e, com sensibilidade e escuta, reconheceu o que o amor já havia selado há décadas: a existência de uma união estável. Entre documentos e declarações, o que se firmou foi mais que um direito — foi o resgate de uma história de amor, escrita agora também nas páginas da Justiça. Porque ninguém deveria precisar provar que amou. Mas, quando precisa, que encontre um Judiciário atento, justo e humano.

Essas quatro histórias nasceram em corpos diferentes, trajetórias distintas, mas se encontraram no mesmo gesto: o reconhecimento. A maioria faz parte do projeto “Meu nome, minha história”, promovido pelo TJCE com o objetivo de garantir o direito à identidade civil da população trans — e também revelam uma Justiça que, para além dos nomes, reconhece vínculos, afetos, direitos.

O projeto reduz barreiras burocráticas e promove retificação de nome e gênero em registros civis, RG, CPF e título de eleitor. E mais que um processo, o que se realiza ali é um ritual de reconhecimento. Uma assinatura simbólica que diz: você existe, você importa, você é.

 

 

 

O TJCE tem se dedicado, de forma contínua, à construção de uma Justiça mais inclusiva e respeitosa com a diversidade. Além da campanha “Meu nome, minha história”, o TJCE promove ações que reconhecem os direitos da população LGBTQIAPN+:

  • capacitações para policiais penais e servidores, com foco no respeito às pessoas privadas de liberdade;
  • seminários sobre saúde, cidadania e direito da população LGBTI+ no sistema prisional;
  • entrega de documentos retificados em campanhas como a “Visibilidade Trans”;
  • apoio institucional a casamentos coletivos LGBTQIA+;
  • encontros com a Coordenadoria da Diversidade de Fortaleza e debates institucionais sobre LGBTQIfobia;
  • realização da Semana de Combate aos Assédios e à Discriminação, com presença de especialistas em diversidade;
  • capacitações da Vara de Custódia de Fortaleza sobre os direitos das pessoas LGBTQIAPN+.

Todas essas ações reafirmam um compromisso: de que a Justiça deve, sempre, acolher com humanidade, ouvir com respeito e transformar realidades com coragem. Porque viver com orgulho é também um direito. E no Ceará, a Justiça está — e seguirá — ao lado de quem luta para simplesmente ser.

 

 

(*nome fictício criado para proteção da família).