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“Se o magistrado for condenado, se aposenta por indisponibilidade”

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31.03.2011 Direito & Justiça
A desembargadora Edite Bringel Olinda Alencar comandará a Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) do Ceará até janeiro de 2013. Tem a responsabilidade de conduzir os trabalhos de fiscalização e orientação dos juízes, bem como das serventias extrajudiciais (cartórios) cearenses. É a segunda mulher a ocupar o cargo de corregedora, e foi a primeira promovida à desembargadora por merecimento.
Em entrevista ao Direito & Justiça, a magistrada ressalta a importância do trabalho da Corregedoria para a prestação dos serviços judiciais à sociedade. Além disso, fala sobre projetos como o Mutirão Carcerário, sobre o procedimento em caso de irregularidades cometidas por juízes ou desembargadores, e sobre a ascensão da mulher na magistratura estadual.
Direito & Justiça: Qual o papel da Corregedoria Geral de Justiça?
Desembargadora Edite Bringel: Há um trabalho constante de orientação dos cartórios e dos juízes do interior, que nos fazem consultas e uma equipe da Corregedoria se desloca à comarca. São feitas correições permanentes, ou seja, visitas às comarcas para ver as dificuldades, necessidades e no que se pode melhorar. Fazemos o planejamento anual para inspecionar os serviços dessas jurisdições e dos cartórios. O Tribunal de Justiça do Ceará conhece o trabalho dos juízes por meio da Corregedoria. Os magistrados enviam, mensalmente, relatório com todo o trabalho desenvolvido na Comarca. A Corregedoria tem condições de saber qual juiz trabalha mais ou menos, bem como a ineficiência de cada Comarca. O corregedor examina todo o trabalho, processo a processo, todos os cartórios, para saber se há alguma irregularidade. Isso é feito sistematicamente, é um programa anual. São quatro juízes, dois auditores e dois assessores jurídicos. Todo juiz, antes de ser promovido por merecimento, tem o trabalho avaliado pela Corregedoria. O relatório é encaminhado ao Pleno.
D&J: O que a Corregedoria vai fazer, efetivamente, para cumprir a sua missão?
EB: Comecei há dois meses. O Tribunal de Justiça tem passado por uma grande transformação, com o aumento do número de desembargadores e de servidores. Tem ainda a informatização processual. Gradativamente, vamos eliminando os processos físicos (papel). Já em fevereiro, quando assumi, teve início a 2a edição do Mutirão Carcerário do Ceará, ação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que no Estado tem a parceria do Tribunal de Justiça e da Corregedoria. O projeto objetiva revisar todos os processos de réus presos, para saber se eles já cumpriram a pena, se podem passar do regime fechado para semiaberto ou aberto. A Corregedoria participou ativamente do Mutirão, iniciado em fevereiro e encerrado no dia 18 de março. O CNJ apresentará relatório do que foi realizado.
D&J: Porque o trabalho da CGJ é pouco conhecido pela população?
EB: Eu não acho que o trabalho da Corregedoria seja pouco conhecido. O Tribunal é dirigido pelo presidente, vice-presidente e corregedor. A Corregedoria traduz a imagem do Judiciário estadual, é aqui que computamos todo o movimento da Justiça cearense. Os juízes, mensalmente, enviam estatísticas, com números de sentenças, despachos, audiências. Podemos dizer que a Corregedoria é o exame de imagem do Judiciário, que a gente tem a visão de todo o trabalho feito na Capital e no interior.
D&J: Como a população pode ter conhecimento desses números? São feitas divulgações?
EB: Na internet nós temos a divulgação de todos os dados estatísticos. Os números, tanto da Capital como interior, são razoáveis. O trabalho da Justiça está sujeito a uma série de fatores, às vezes não depende apenas do magistrado. Qualquer despacho que um juiz dá em 1o Grau, a favor de uma parte ou de outra, tem recurso do advogado da parte contrária. Então, sempre vai ter recurso do advogado, que não está satisfeito. Dependemos também do sistema carcerário, que é a cargo do Estado, do advogado e do promotor de Justiça.
D&J: Algum magistrado já foi punido? Tem um caso concreto? Houve o caso de um juiz que responde no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) por suposta prática de atentado violento ao pudor, denuncia caluniosa, coação e peculato. A Corregedoria pode dar declarações sobre esse caso?
EB: Estou no cargo há dois meses. Na minha gestão, até agora, não houve nenhum. Não tenho condições de falar sobre gestões passadas. Toda denúncia envolvendo juiz tramita na Corregedoria, existe o processo administrativo, que vai ser submetido ao Tribunal Pleno para que decida. No caso do juiz acusado de suposto atentado violento ao pudor, a ação está em andamento, é preciso aguardar o julgamento.
D&J: O juiz ou desembargador acusado de cometer irregularidades pode ser ?convidado? a se aposentar? Isso não acaba sendo um prêmio?
EB: Nunca é um prêmio não trabalhar e nunca é um prêmio ser punido. O cargo é vitalício. O juiz não tem só estabilidade, tem vitaliciedade, que é muito mais forte. Decorre das garantias que a magistratura tem. A magistratura contraria interesses de pessoas poderosas em todos os sentidos, por serem ricas ou importantes, e por isso tem que agir com segurança. Se o magistrado for condenado, pode se aposentar por indisponibilidade, com vencimentos proporcionais ao tempo de magistratura. Se ele tiver cinco ou dez anos não vai representar tanto. É uma aposentadoria forçada.
D&J: Como é feito o procedimento em caso de irregularidade?
EB: Baixamos portaria, que vai fazer a correção. Se for o caso, é instaurado processo administrativo, sindicância.
D&J: São feitas mobilizações para ajudar o trabalho dos juízes?
EB: Pretendo reativar o programa ?Corregedoria Pedagógica?, que existiu na gestão do desembargador João de Deus Barros Bringel. Na época, havia o deslocamento às cidades maiores, que funcionavam como polos. Nos locais, eram realizadas reuniões com juízes de cidades próximas. O objetivo era discutir as dificuldades, o que era preciso para agilizar o serviço nas comarcas.
D&J: Há um número maior de juízas e desembargadoras na Justiça do Ceará. Como a senhora analisa essa ascensão feminina na magistratura?
EB: Sou a segunda mulher no Estado a presidir a Corregedoria. A primeira foi a desembargadora Águeda Passos. Fui a primeira magistrada a ser empossada como desembargadora pelo critério de merecimento, todas as demais foram por antiguidade, era a cultura da época. Quando ingressei no TJCE foi a quebra de uma cultura tradicional, pois somente homens chegavam ao 2o Grau por merecimento, mulher entrava por antiguidade. A ascensão da mulher na magistratura foi de certa forma lenta. A primeira juíza do Brasil, em todas as esferas de Justiça, foi Auri Moura Campos, e não faz muito tempo, eu a conheci. Em 1970, ela ainda estava na ativa. Quando eu entrei na magistratura, acho que havia apenas oito juízas no Estado.