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Regime aberto – debates e ideias

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23.01.2011 opinião
Uma das determinações que o juiz do crime deve fazer ao proferir a sentença penal condenatória é fixar o regime inicial para o cumprimento da sanção privativa de liberdade (art. 59, III do CPB e 110 da Lei de Execução Penal-LEP), mas é assegurado ao preso o direito de progredir de regime prisional, evoluindo do inicialmente fechado para o semiaberto e deste para o aberto, observada essa sequência e excluída a promoção per saltum, após cumprir pelo menos 1/6 da pena (salvo nos crimes hediondos) e ostentar bom comportamento carcerário, devidamente certificado pela administração do estabelecimento prisional (art. 112 da LEP).
A progressão de regime se configura como um direito subjetivo e inviolável do apenado e, se satisfeitos os seus requisitos, a recusa da autoridade judicial em deferir o benefício pode ser superada mediante o uso do Habeas Corpus, como se vê no dia a dia dos tribunais do País.
Mas a progressão do condenado para o regime aberto depende de sua aceitação do programa correspondente adotado pelo juiz das Execuções Penais e ainda das condições por ele impostas (art. 113 da LEP), entendendo-se que essas condições o magistrado as fixará em cumulação com as chamadas condições legais gerais, havidas por obrigatórias (art. 115, I a IV da LEP) e que não podem ser dispensadas.
Indaga-se qual deva ser o critério judicial para determinar essas ditas condições especiais, relutando-se em aceitar que possam ser estabelecidas como se fossem medidas discricionárias; na verdade, exige-se que a imposição de condições especiais para o progresso do preso para o regime aberto seja devidamente motivada, para se controlar a sua legitimidade e a sua adequação aos propósitos da pena e da progressão em causa, evitando-se, assim, o extravio desse magnífico poder do juiz em subjetivismos incompatíveis com as garantias processuais e os impostergáveis direitos do condenado.
Talvez fosse o caso de o egrégio CNJ disciplinar a imposição de condições especiais para a concessão de progressão ao regime prisional aberto, para orientar a atividade do juiz no tocante à sua determinação, não se deixando impreciso o rol dessas medidas; em virtude desse vácuo, alguns tribunais de Justiça, como o do Estado do Paraná, por exemplo, editaram normas complementares ao art. 115 da LEP, prevendo a prestação de serviços à comunidade como condição especial para a progressão para o regime aberto, sem dúvida nenhuma inspirados nos mais altos propósitos.
Mas essa complementação por norma jurídica local parece não se conformar com a privatividade da União federal para legislar sobre Direito Processual (art. 22, I da Constituição), pelo que as Cortes de Justiça estaduais melhor farão em se abster de editar normativos com esse conteúdo, para não provocar alegações de incompatibilidade com a Carta Magna.
O eminente professor Guilherme de Souza Nucci observa com inteira razão que a legislação estadual pode criar mais regras para aprimorar o cumprimento da pena em regime aberto, como, por exemplo, criar e dar o contorno a cursos e outras atividades para preencher o tempo do albergado nas horas vagas, como durante os finais de semana. Infelizmente, se nem mesmo casa de albergado existe em muitas comarcas, o que se dirá de normas em complementação a isso (leis penais especiais comentadas, São Paulo, RT, 2010, p. 539); mas, não poderá o magistrado impor a prestação de serviços à comunidade, a título de condição especial para a concessão do regime prisional aberto, porque consistiria em estabelecer uma obrigação já legalmente prevista como pena (sanção penal) autônoma (art. 44 do CPB), não se admitindo e nem se justificando o seu desvirtuamento por força de regra estadual.
Essas condições especiais não podem ser tais que se confundam com uma pena legalmente prevista pela legislação penal, sob pena de impor-se ao condenado, após o exaurimento da ação penal, mais uma sanção de que não se cogitou anteriormente.
As condições especiais, portanto, identificam-se melhor com medidas de caráter educativo, profissionalizante, de reforço à valorização da cidadania ou de acompanhamento médico e psicológico, quando necessários.
Para deferir a progressão do preso para o regime aberto é lícito ao juiz estabelecer condições especiais, em complementação daquelas previstas na LEP (art. 115), mas não poderá adotar a esse título nenhum efeito já classificado como pena, porque aí ocorreria o indesejável bis in idem, importando na aplicação de dúplice sanção.
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
ministro do Superior Tribunal de Justiça