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Felix Fischer analisa e apresenta proposições sobre temas da área penal

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12.09.2009
Sistema penitenciário, mutirões carcerários, superlotação de presídios, interceptações telefônicas, segredo de justiça, videoconferência e uso de algemas são os principais temas abordados pelo ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e vice-diretor da Escola Nacional de Aperfeiçoamento da Magistratura (Enfam). O ministro analisa a situação existente, confirma a importância de ações que estão sendo desenvolvidas, apresenta proposições e desmistifica alguns posicionamentos sobre os temas.
Como o senhor avalia o sistema penitenciário brasileiro?
Acredito que, na verdade, embora possam ter ocorrido algumas modificações, algumas melhorias, ele é ainda deplorável. Existe, além disso, um problema muito grave: curiosamente, pelas próprias estatísticas divulgadas, um percentual muito alto de sentenciados já deveria estar, aparentemente, em outro regime. Por exemplo: os condenados por furto, cuja pena não é elevada. Em princípio, a grande maioria não poderia estar em regime fechado. Quanto ao cumprimento das penas, deveriam existir muito mais funcionários para verificar o que realmente acontece. Comissões da Defensoria Pública e da Ordem dos Advogados do Brasil e do próprio Ministério Público deveriam manter constante verificação para evitar que pessoas sejam mantidas desnecessariamente, contra a lei também, em regimes prisionais errados etc.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está fazendo mutirões carcerários para garantir benefícios aos presos. Como vê essa iniciativa?
Considero essa iniciativa excelente e espero que estejam conseguindo êxito. Todavia, entendo que o trabalho deve ser feito também pela Defensoria Pública, pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Ministério Público de forma permanente. De qualquer modo, o que o CNJ fez até aqui, principalmente nessa área, foi excelente.
Em seu modo de pensar, persiste a ideia do sistema prisional como forma de ressocializar o preso ou essa discussão está superada?
Creio que a questão é muito complexa, pois a ressocialização, em verdade, pode ter êxito em relação a determinada categoria de presos, em geral os de grau de instrução baixo. Todavia, em outras hipóteses, a situação pode ser de difícil solução. Por exemplo, no caso de delinquentes integrantes das denominadas classes privilegiadas, quando, eventualmente, condenados a penas altas, a ressocialização, pela mentalidade dominante, pode ser, em princípio, ineficaz. A própria e inabalável crença na impunidade que normalmente leva o poderoso à prática do crime (seja ele violento ou não) acarreta, quero crer, uma insensibilidade moral dificilmente removível numa execução penal. É claro que, mesmo aí, a generalização é perigosa. O tema é por demais complexo, com grande diversificação de enfoques, razão pela qual não deve ser considerado superado.
Qual, em sua opinião, seria uma possível solução para a superlotação dos presídios?
Creio que uma proposição para tentar melhorar a situação talvez fosse modernizar e ampliar o regime semiaberto, com colônias agrícolas e industriais, e diminuir a incidência de regime fechado, limitando-o a crimes graves, bem graves, e à delinquência mais perigosa, decorrente de crimes violentos e/ou de organizações criminosas. Incluiria aí, também, a delinquência praticada eventualmente em altos escalões em qualquer setor do Estado, tal como a corrupção etc.
Como vê a proposta de criação das chamadas cadeias eletrônicas, ou seja, a utilização de microchips, pulseiras e outros meios tecnológicos de controle dos condenados?
Se o Estado tiver condições materiais de implantar o sistema, seria interessante sua utilização em determinadas condenações.
O senhor enxerga falhas e abusos no uso de interceptações telefônicas?
Pelos dados divulgados por setores do Poder Judiciário, haveria fortes indícios de ocorrência, em muitos casos, de abusos e até mesmo desvio de finalidade. Por exemplo: o Estado, com sua máquina de repressão criminal, só deve agir quando houver indícios sérios de crime e não deve usar interceptações telefônicas para bisbilhotar a vida das pessoas a fim de encontrar algo que sirva de mero pretexto para a persecução criminal. Essa última hipótese, o que, imagino, seja exceção, gravíssima, é própria de Estado totalitário.
O que acha da afirmação do Ministro da Justiça, Tarso Genro, de que o segredo de justiça é uma instituição meramente formal, não funciona e praticamente terminou no País?
Embora não tenha lido essa afirmação do eminente ministro, discordo totalmente. Se, por um lado, o segredo de justiça não pode servir para acobertar situações, por outro, em certos casos, ele existe e deve existir. Por exemplo, a divulgação de trechos, normalmente fora de contexto, nos chamados ?grampos telefônicos? é taxativamente um crime e deve continuar sendo. Da mesma forma, divulgar conteúdo de processo que envolva interesses de menores ou conflitos familiares deve continuar sendo objeto de segredo de justiça, sendo uma aberração a sua divulgação. O que não pode haver é excesso do emprego do segredo de justiça. Mas, volto a afirmar, a divulgação indevida de dados legitimamente acobertados pelo sigilo não guarda nenhuma relação com o interesse público ou jornalístico. Não tem sentido dizer que há interesse público na quebra do segredo de justiça naqueles casos em que ele é legítimo. Da mesma forma, a divulgação de trechos fora de contexto no caso dos chamados ?grampos? é, verdadeiramente, algo inaceitável e incompatível com o Estado democrático de direito.
Os recursos telemáticos, como a videoconferência e o próprio processo eletrônico, entre outros, para o processo penal são medidas de solução para a alegada lentidão judicial? Ou a saída é termos mais juízes?
A modernização da Justiça deve ser feita, mas não a ponto de robotizá-la. Caso contrário, a própria figura do juiz seria desnecessária.
Em sua opinião, a súmula vinculante que regulamenta o uso de algemas é prejudicial ao trabalho da polícia e dos magistrados?
Na verdade, ela nada mais faz do que indicar a obrigatoriedade do respeito às garantias individuais. Se o sensacionalismo e o uso abusivo das algemas não tivessem ocorrido, a súmula, decerto, seria totalmente desnecessária. A afirmação de que ninguém reclama quando as algemas são usadas para pessoas pobres, porém, quando usadas em pessoas de classe privilegiada, causaria alarde pode até ser uma constatação correta. Todavia, um erro não justifica o outro. Não pode haver abuso e sensacionalismo nem com réu pobre nem com réu rico ou poderoso. O uso de algemas deve ser feito por uma questão de necessidade na atividade policial e não para efeito midiático ou com a intenção de humilhar a pessoa que eventualmente tenha sido detida. Toda vez que, concretamente, existir a necessidade do uso de algemas, a autoridade policial deve fazê-lo. O reprovável é o abuso, o desvio de finalidade, o sensacionalismo etc.