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Debates e Idéias: Crise na Polícia Civil

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Opinião Pág. 03 06.12.2009
Recentes notícias destacadas na imprensa local revelaram recíprocas acusações acerca da prática de tortura e do desvio de conduta funcional por parte de integrantes da Polícia Civil do Ceará, tendo como supostos autores, dentre outros, o atual superintendente da referida instituição e um ex-deputado estadual. Esse fato, dada a qualificação dos protagonistas que, mutuamente, se acusam, já merece, por si só, pronta e eficaz apuração, seja qual for o órgão encarregado de fazê-la.
Desde que entrou em vigor o Código de Processo Penal brasileiro, em 1º/01/1942, até hoje, essa lei adjetiva tem comportado substanciosas e sucessivas alterações, através de leis infraconstitucionais, atendendo-se aos avanços da sociedade moderna, especialmente para adaptar-se ao novo texto constitucional.
Não obstante as discussões sobre quem detém o poder de investigar fatos delituosos, tendo, de um lado, partidários de que também compete ao Ministério Público realizar, de forma autônoma e independente, as respectivas investigações e, do outro, os que defendem essa atribuição somente à polícia judiciária, todos sabem que, por força de preceito constitucional, é o órgão ministerial o titular da ação penal pública e, portanto, o destinatário direto dos procedimentos inquisitoriais realizados pelo aparelho policial, quando, ressalte-se, tenha sido objeto de investigação fato tipificado como crime, cuja ação penal seja de natureza pública.
A controvérsia, nesse ponto, encontra-se à espera de decisão plenária do Supremo Tribunal Federal, muito embora o Superior Tribunal de Justiça, reiteradas vezes, e a 2ª Turma daquela Excelsa Corte de Justiça do País já tenham pacificado o entendimento de que pode, sim, o Ministério Público proceder investigações independentes, não prescindindo o “Parquet” de inquérito policial para lhe dar suporte ao eventual oferecimento de denúncia, tudo em decorrência do que restou por ele próprio apurado.
Fernanda Palma, professora catedrática de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em artigo publicado no jornal “Correio da Manhã”, em Lisboa, Portugal, edição de 15/11/2009, depois de defender a reforma do Código de Processo Penal português de 1987, pontificou: “O Código centra a direção da investigação no Ministério Público, ao qual a Constituição confere autonomia.
Mas esse sistema é posto em causa pelos defensores da direção da investigação pela Polícia ou pelos que gostariam de regressar ao modelo francês de instrução e a um processo mais inquisitivo”. Vê-se, pois, que segundo a citada regente lisboeta, o sistema português de investigação suscita discussões.
No Brasil também se questiona a proficiência das investigações, com simpatizantes de que sejam elas realizadas igualmente pelo Ministério Público, e, por outro lado, outros desejando que sua condução fique somente a cargo da polícia judiciária. Portanto, a conclusão a que se chega é a de que não há, no momento, unanimidade sobre qual o modelo correto, perfeito e acabado.
Destaque-se que a comissão de juristas responsável pela elaboração de reforma do Código Penal brasileiro, cujos trabalhos já se acham sob a apreciação do Congresso, tendo como seu coordenador o ministro Hamilton Carvalhido, do STJ, e relator o professor Eugênio Pacelli de Oliveira, cria o juiz das garantias, responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, circunstância que, em tese, daria maior segurança e seriedade às investigações, respeitados que seriam, no mínimo, os princípios constitucionais relativos aos direitos e às garantias constitucionais do investigado.
Esperamos que as investigações em torno do episódio que deu origem a este artigo sejam feitas, por quem assim couber, com isenção, responsabilidade e total observância aos preceitos constitucionais.
Importa ressaltar que “a atividade policial deve ser vista como um serviço público prestado pelo Estado, que deve ser eficiente para assegurar a segurança pública, como pressuposto de ambiente livre da violência para o desenvolvimento da pessoa humana (.). O exercício do poder de polícia de forma democrática é pressuposto essencial para a efetividade da segurança pública em um Estado Democrático de Direito” (Thiago André Peerobom de Ávila – Projeto de Tese de Doutorado na FDUL).
A prevalecer como verdadeira a asserção do governador Cid Gomes, para quem não existe crise na Polícia Civil, mas sim “uma parcela que é séria e outra que é desonesta”, que sejam os desonestos punidos nos termos da legislação vigente. A sociedade já não mais tolera a impunidade.
*Promotor de Justiça , mestrando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa