Conteúdo da Notícia

A partir de junho, nenhuma comarca ficará sem promotor

Ouvir: A partir de junho, nenhuma comarca ficará sem promotor

Opinião Pág. 04 13.12.2009
*Procuradora-Geral de Justiça
No ano em que se comemoram os 400 anos do Ministério Público, Socorro França é nomeada, pela quinta vez, ao cargo de procuradora-geral de Justiça no CE
A Constituição Federal de 1988 deu grande poder ao Ministério Público. A instituição cumpre essa missão?
A partir de 1988, com a edição Constituição Cidadã, o Ministério Público recebe do poder constituinte e do povo missões que até então não eram focalizadas dentro das suas atribuições, como o controle externo da atividade policial. Existem críticas de que o MP deveria agir melhor nesse tipo de função institucional, que é o controle externo. Eu poderia afirmar que no Ministério Público do Ceará temos controle total dessa função.
A limitação de pessoal é uma das dificuldades do MP, principalmente no Interior?
Sem dúvida. Às vezes penso sobre o que pode acontecer com esses promotores que vivem nas estradas para cobrir as promotorias vagas. Tem promotor respondendo por quatro promotorias. No Interior, existem alguns focos que estão para ser resolvidos. Estamos com dezenas de promotorias vagas. Por isso o controle externo da atividade policial no Interior ainda fica descoberto. Mas a partir de junho nomearemos os novos promotores de Justiça e teremos todas as promotorias ocupadas por titulares. Hoje são 62 promotorias vagas. Como criamos 127 cargos e apenas 92 pessoas passaram no concurso, vamos ter que fazer outro concurso.
Como a permanência do promotor durante toda a semana, na comarca, é fiscalizada?
Pela Lei 8.625, o promotor é obrigado a morar na comarca, exceto se o procurador geral der ao promotor autorização para morar em outra comarca. Até 50 quilômetros, ele pode pedir residência em outro local. Se o promotor de Justiça tem três, quatro comarcas para responder, é inadmissível que ele possa estar na comarca de terça a quinta-feira. Ele deve passar a semana toda viajando de comarca a comarca. Isso eu não tenho nenhum medo de afirmar. Mas a partir de junho, com a nomeação dos promotores, não ficará uma comarca sem um promotor de Justiça.
Qual a interferência política, na atuação da Corregedoria, na fiscalização dos membros do MP?
Não existe interferência de política externa. O corregedor geral é eleito pelo colégio de procuradores, que hoje são 35. Estamos promovendo mais quatro. Obviamente que, se fosse uma eleição de classe, como é do procurador geral, poder-se-ia até falar em interferência. Mas o corregedor é livre e independente para cumprir a Constituição e as leis intraconstitucionais.
Quais os avanços do MP em relação ao acesso da população à instituição e à Justiça?
Diz o artigo 127 da CF que nós somos uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional. Incube ao MP fiscalizar o cumprimento das leis, defender os interesses coletivos e sociais. Além disso, nossa grande responsabilidade é fazer a defesa do estado democrático de direito. O MP tem que induzir o povo a fazer com que seus direitos fundamentais sejam respeitados. Não adianta dizer que o MP faz isso, aquilo, se não estivermos juntos: magistratura, defensoria, MP, OAB, casas de mediação comunitária. O procurador nada pode fazer se não a vontade daqueles que compõem o MP.
Quais as prioridades agora?
Chegar efetivamente ao povo e induzi-lo a fazer questionamentos naquilo que é importante para ele. Muitas pessoas criticam nossa atuação, acham que o MP tem que estar mais presente. Nós não estamos ali para ser aplaudidos, mas para saber o que a sociedade acha que o MP deve fazer. As pessoas dizem o que acham, o que deve ser feito.
Os mutirões são suficientes para suprir a carência de segurança pública e de um sistema carcerário eficiente?
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi fantástico. Se não deu o resultado esperado, pelo menos despertou entre os profissionais de Direito a necessidade de sermos céleres, para que a Justiça seja distributiva. De nada adianta pensar no passado e manter fórmulas ultrapassadas para solucionar problemas. O CNJ promoveu essa mudança de cultura. Convido qualquer pessoa a ver como o processo entra e quanto tempo fica na procuradoria. Na parte criminal, eu garanto que não tem um processo para retornar para o Poder Judiciário. No cível, os advogados até estranham tamanha rapidez. É a mentalidade que nós estamos mudando. Chega o processo, adentra no protocolo e imediatamente tem que estar na mão do procurador.
Que dificuldades a instituição enfrenta no combate à corrupção?
Havia dificuldade grande relacionada às normas técnicas. Com o NAT, Núcleo de Apoio Técnico, são feitos cálculos e apreciações técnicas. Um grupo de contadores faz levantamento e contabilidade da prefeitura, por exemplo. Isso facilita as ações. Ingressar com uma Ação Civil Pública contando o histórico, sem comprovação, dificultava para o magistrado apreciar de forma célere o questionamento. Agora temos engenheiros, arquitetos, sociólogos, contadores, psicólogos, assistente social: grupo que apoia o promotor e a Procuradoria Especializada de Combate à Corrupção, que tinha só quatro promotores para cuidar dos crimes contra a administração pública. É a Promotoria do Patrimônio Público. Agora são oito. Não é tudo, mas é um grande salto para o combate à corrupção. No Congresso Nacional, há mais de 1.300 projetos de lei para tirar essa prerrogativa do MP. No Brasil todo o MP investiga a corrupção, mas incomoda aqueles que não querem contribuir com uma nação melhor. Querem tirar o controle externo porque incomoda.
A senhora já foi candidata a prefeita. Ainda pensa em concorrer a cargo político?
Essa minha ebulição, minha vontade de trabalhar – embora já tenha mais de 60 anos – deram a ideia de que eu poderia servir de forma mais abrangente. Mas tão logo acabou todo o fato político, eu me desfiliei e entendi que minha política não era aquela. Minha política é fazer o que faço com muito amor, que é atender à população. Gosto demais do trabalho da mediação comunitária e me sinto outra pessoa quando estou diante da população, mas não através da política partidária. Não digo ?desta água não beberei?. Só Deus sabe. Somos instrumentos da vontade dele.
Sua carreira é vinculada ao Ministério Público, tanto que esse é seu quinto mandato como procuradora-geral de Justiça. Se começasse tudo de novo, faria algo diferente, como investir no Judiciário e ser desembargadora?
Não, não. Eu começaria tudo de novo. Na realidade, eu não sei. Deus não quis que eu chegasse ao Tribunal. Mas fico muito feliz, porque ele disse ?a tua vida é lá dentro do Ministério Público, é lá que você vai interagir com a população?. Então minha felicidade é plena. Faço o que gosto. Não tenho mais tempo para ir para o Tribunal, já passei da idade. Minha idade permite que continue e termine no Ministério Público o meu trabalho e quiça, se tiver saúde, continuar com o povo trabalhando. Qualquer ser humano quando lê um livro ou toma conhecimento de algo se sente livre, é o conhecimento que gera liberdade.
Na América Latina, o Brasil se distingue por ser uma democracia consolidada. A atuação do MP, ao longo dos 400 anos, tem contribuído para isso?
O MP nasceu no Tribunal de Relação da Bahia, no dia 7 de março, nós tivemos o procurador da Coroa, da Fazenda e do Fisco. Esses procuradores eram destinatários da vontade do rei. O MP foi criado na França, sendo representado por um procurador do rei. De lá foi para Portugal, onde se observa, nas ordenanças manuelinas, a figura do promotor de Justiça. Aqui no Brasil, tivemos grandes momentos do MP. Um foi em 1864, quando ele defendeu os africanos livres. E, em 1890, o MP defendeu a atuação contra a violação de direitos.
Quais os reflexos desses movimentos?
A função jurisdicional do Ministério Público, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais, individuais e indisponíveis foi agora em 1988, com a advento da nova constituição. De lá para cá foram sete constituições, uma monarquista e as demais republicanas. Inúmeras foram as leis. Mas a consolidação e a construção do estado democrático de direito se deram com a evolução do MP. Hoje estamos caminhando para um momento importante: a promoção da paz social e a afirmação do estado democrático de direito. Estamos preparando um Ministério Público que não se acosta apenas a fazer as suas manifestações, a dar os seus pareceres no processo em si. Hoje existe uma transformação na concepção do promotor, porque ele tem uma parte extrajudicial. Não é só ficar pegando processo. A atividade ministerial transcende isso. Nosso papel é assegurar o estado democrático de Direito. Para isso, eu tenho que dizer à população que ela tem direito à saúde, à educação, à habitação, à segurança pública. Para isso, os promotores vão aos colégios, chamam a atenção das pessoas, vão para as comunidades e despertam para o conhecimentos de direitos fundamentais. O que vai ser a sociedade daqui a dez anos? Hoje ninguém mais faz diferença. Nós não somos o Ministério Público do Ceará, somos o Ministério Público brasileiro.
Marta Bruno
Repórter