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Reincidência criminal é rotina

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Polícia Pág. 16 18.01.2010
Estado do Ceará segue os mesmos índices do País. De cada 10 presos que saem da cadeia, oito voltam a cometer crimes
O recente caso registrado em Fortaleza, quando um ex-presidiário, fugitivo da Colônia Agro-Pastoril do Amanari, raptou, violentou e assassinou a menina Alanis Maria Laurindo, de apenas 5 anos, não é um fato isolado em se tratando de um egresso do Sistema Penal. Mesmo estando na condição de foragido da Justiça, o acusado do crime, Antônio Carlos dos Santos Xavier, o ´Casim´ ou ´Maníaco do Canal´, é apenas um exemplo da reincidência que atinge aqueles condenados pela Justiça.
Estimativas das autoridades que lidam com a problemática da criminalidade no País atestam que, de cada 10 pessoas que cometem crimes e saem da cadeia após cumprirem a pena imposta pela Justiça, oito delas acabam retornando ao cárcere por terem reincidido, isto é, voltaram a praticar delitos. E o pior, na maioria das vezes, os últimos crimes praticados são bem mais graves que os primeiros. É o retrato da falência do Sistema Penitenciário.
Voltaram
Por não terem em mãos dados precisos sobre os índices de reincidência criminal, as autoridades brasileiras recorrem às pesquisas acadêmicas que tratam do assunto. No Ceará, a massa carcerária é formada por mais de 16 mil pessoas e está no patamar dos índices apresentados pelo País; para cada dez presos, oito deles voltarão para a cadeia após ganhar a liberdade de forma lícita (dada pela Justiça) ou quando fogem.
No caso específico do detento ´Casim´, ele fugiu depois que a própria Justiça lhe concedeu o direito à progressão de pena, conforme está estabelecido na Lei das Execuções Criminais.
Mesmo tendo praticado – em 2001 – um crime considerado hediondo (estupro), ele saiu do regime fechado, que cumpria no Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), e foi para o regime semiaberto, sendo mandado para a Colônia Penal, de onde escapou sem dificuldades.
Em entrevista à Imprensa local, na última quinta-feira (14), o juiz da Vara das Execuções Criminais, Luiz Bessa Neto, confirmou que ao preso fora concedido o benefício. “Por força da vontade da Lei e, também por ter a seu favor os critérios objetivo (tempo de cumprimento da pena) e subjetivo (o bom comportamento do detento)”. Questionado sobre a não realização do exame criminológico no preso antes de tirá-lo do regime fechado, o magistrado informou que não considerou necessário. “O sistema (Penal) é defeituoso”, completou o juiz diante dos jornalistas.
Ele se referia ao fato de o preso ter escapado de uma unidade do Sistema Penal e sua fuga não ter sido motivo da expedição de um novo mandado de prisão. “Acho possível que o crime (o assassinato da menina Alanis Laurindo) poderia ter sido evitado”, admitiu.
A Lei
Para o advogado criminalista e professor de Direito, Leandro Duarte Vasques, uma alteração na lei permitiu que a Justiça não realize mais, de forma obrigatória, o exame criminológico quando o detento passa do regime fechado para o semiaberto, como aconteceu com o homem que confessou ter violentado e assassinado a pequena Alanis.
Segundo Vasques, a lei de número 10.792, de 2003, alterou esse dispositivo. A partir dela, a Justiça só é obrigada a determinar a realização do exame quando o presidiário passa do regime semiaberto para o aberto, ou seja, quando recebe ordem judicial para deixar, definitivamente, o Sistema Penal.
As falhas no controle de permanência dos detentos dentro das unidades carcerárias também são criticadas pelos operadores de direito.
Diante disso, a família da menina Alanis deverá ingressar com processo indenizatório contra o Estado. O homem que matou a criança fugiu da cadeia e não foi mais procurado.
DOENTES MENTAIS CRIMINOSOS
Lei prevê a isenção de pena
“Ele deveria ter ficado recolhido no Manicômio Judiciário. O artigo 26 do Código Penal Brasileiro prevê os casos de imputabilidade penal. São aqueles dos criminosos habituais, dos serial killer, dos estupradores recorrentes. São pessoas irrecuperáveis e que, portanto, não podem, de forma alguma, gozar do convívio social, posto que representam uma ameaça aos cidadãos.”
A declaração é do advogado criminalista e professor de Direito Penal Leandro Duarte Vasques, recém-empossado presidente da Caixa Beneficente dos Advogados do Ceará (Caace). Analisando o episódio da morte da menina Alanis, o ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará afirma que, em casos de pessoas com transtornos mentais e que se tornam criminosas, o Sistema Penal convencional (encarceramento) se torna inútil para uma possível ressocialização após o cumprimento de pena.
Segurança
“Nesses casos, o juiz aplica uma medida de segurança. O criminoso é levado para uma unidade onde passa a submeter-se a um intenso tratamento psiquiátrico. Aqui no Ceará, nós temos o Hospital Governador Stênio Gomes. Um homem desse tipo (se referindo ao estuprador Antônio Carlos dos Santos Xavier, o ´Casim´ ou ´Maníaco do Canal´, que confessou friamente ter raptado, violentado e assassinado a menina Alanis Maria Laurindo, 5, há duas semanas) está na categoria dos irrecuperáveis. A aplicação da medida de segurança é a decisão correta e ela não tem tempo-limite, o criminoso permanece internado até que receba alta médica. Se isto vier a acontecer, reativa-se o processo criminal”, ensina Vasques.
Conforme o artigo 26 do Código Penal Brasileiro, “é isento da pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. A Lei prevê, ainda, redução de pena – de um a dois terços – “se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era capaz de entender o caráter ilícito do fato”.
Uma Vara
Leandro Vasques critica ainda outros aspectos no ´Caso Lanis´. Segundo ele, a não recaptura imediata do estuprador, logo após ele ter fugido da Colônia do Amanari, e os entraves burocráticos na esfera judicial, poderiam ter sido evitados caso existissem mais varas de Execuções Criminais no Ceará. Atualmente, existe apenas uma Vara para atender a milhares de processos, centenas deles com pedido de progressão de regime para os condenados.
SEM TRABALHO
Presidiários alegam a falta de uma nova oportunidade
A exemplo do que ocorre em todo o País, no Estado do Ceará a reincidência penal é altíssima, beirando entre 80 a 85 por cento dos casos. Segundo o coordenador adjunto do Sistema Penitenciário, coronel PM Taumaturgo Granjeiro, os reincidentes alegam sempre o mesmo motivo para voltar a delinquir.
“Eles dizem que saíram da prisão e não encontraram uma nova oportunidade de trabalho. Afirma que ficam sem emprego e, portanto, voltam a praticar crime. A maioria é condenada por delitos de roubo (assalto), furto ou tráfico de drogas”, ressalta Granjeiro.
O coordenador explica que no Ceará a massa carcerária atual chega a mais de 16 mil presos, sendo que destes, 13.200 cumprem pena em regime fechado. Outros 3.006 estão nos regime aberto ou semiaberto. Taumaturgo ressalta que, os presos que passam do regime fechado para o semiaberto e fogem, acabam voltando para o primeiro por ordem da Justiça. Na Colônia Agrícola do Amanari nem todos ficam livres no campo. Há aqueles que, pela regressão de regime ou por indisciplina, são trancados.
FERNANDO RIBEIRO
EDITOR