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Quando a Justiça torna-se o único remédio para a saúde do cidadão no Brasil

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06.04.2010 cidade
Por Aline Pedrosa Especial para O Estado
A saúde é um direito de todos, mas, infelizmente, no Brasil, estamos longe desse ideal. A Justiça cada vez mais vem se tornando o único remédio para os que necessitam de medicamentos ou de algum procedimento não oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A premissa inaugurada na Constituição de 1988, de que a saúde é um dever do Estado e um direito de todos, abriu as portas dos tribunais para a chamada judicialização da saúde.
A funcionária pública Fátima Gurgel tem problemas renais. Esse já é o terceiro mês que ela gasta R$ 600,00 com os medicamentos. ?Procurei a Secretaria de Saúde do Estado e me falaram que apenas no próximo semestre o remédio vai estar disponível. Meu médico diz que esse assunto é antigo. Não posso esperar. Ainda bem que estou me virando para pagar?, afirma.
Fátima Gurgel já procurou a Procuradoria de Justiça da Saúde e aguarda uma resposta. ?É a primeira vez que recorro ao Estado para algo desse tipo e não fui socorrida. Sinto-me roubada?, completa a funcionária pública.
De acordo com a promotora de Justiça da Saúde, Isabel Porto, o Ministério da Saúde tem uma lista de medicamentos disponibilizados no sistema. ?Na medida em que um paciente necessita de um remédio que não está nessa lista, é instalado um procedimento para verificar se há outro que possa o substituir, se não tiver, dá-se início à ação judicial?, explica.
O Estado tentou saber o número de ações julgadas sobre o caso específico, mas nem o Fórum Clóvis Beviláqua e nem o Tribunal de Justiça do Estado (TJE/CE) souberam informar. Segundo a assessoria do Fórum, existem 30 varas cíveis distribuídas aleatoriamente sobre o assunto. Já a assessoria do TJE/CE disse que esses dados só podem ser viabilizados quando o sistema for informatizado por completo.
DICOTOMIA
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a discussão sobre o tema reflete a dicotomia de privilegiar o individual ou o coletivo. De um lado, a participação do Judiciário significa a fiscalização de eventuais violações por parte do Estado na atenção à saúde. Mas, de outro, o excesso de ordens judiciais pode inviabilizar a universalidade da saúde, um dos fundamentos do SUS.
De acordo com o ministro da Primeira Seção de Direito Público, Teori Zavascki, o direito à saúde não deve ser entendido ?como direito a estar sempre saudável?, mas, sim, como o direito ?a um sistema de proteção à saúde que dá oportunidades iguais para as pessoas alcançarem os mais altos níveis de saúde possíveis?.
No entanto, o ministro pondera que isso não significa que a garantia constitucional não tenha eficácia. ?Há certos deveres estatais básicos que devem ser cumpridos?, explica. ?Assim, a atuação judicial ganha espaço quando inexistem políticas públicas ou quando elas são insuficientes para atender minimamente?, conclui o ministro.
Já o senador Tião Viana (PT/AC) milita contra a judicialização da saúde. Segundo dados divulgados pelo senador, haveria no Brasil um movimento financeiro da ordem de R$ 680 milhões em compras de medicamentos decididas por ordens judiciais. Ele chama de ?temerosa? a tendência de se substituir um pensamento técnico e político de gestão da saúde pela decisão de um juiz.
INÍCIO
A judicialização da saúde começou a ocorrer com a busca pelos medicamentos antirretrovirais, para combate ao avanço do vírus HIV. Ela se popularizou por meio de liminares que obrigavam o Estado a fornecer, gratuitamente, remédios de alto custo que não constassem na lista do SUS. A lentidão na inclusão de certos avanços médicos pelos SUS é criticada pelas entidades de defesa dos pacientes.
Em 1996, uma lei tornou obrigatória a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS. A Lei 9313/1996 previu, inclusive, que o Ministério da Saúde revisasse e republicasse anualmente a padronização das terapias, para adequar o tratamento oferecido pelo SUS ao conhecimento científico atualizado e à disponibilidade de novos medicamentos no mercado