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Processos sufocam Judiciário

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08.02.2010 cidade
Aumento de processos e falta de uma produtividade expressiva contribuem para a morosidade da Justiça
Pelo menos duas vezes por mês, Cícera Celestina da Costa, 39 anos, desloca-se do município onde mora, Pacujá, a 238 quilômetros de Fortaleza, para o Fórum Clóvis Beviláqua, na Capital cearense.
A rotina é a mesma desde o fim do ano passado, quando resolveu procurar, pessoalmente, a Vara de Execuções Criminais, Corregedoria de Presídios e Habeas Corpus (VEC), do fórum, para requerer a progressão de regime para o seu filho, condenado por assalto.
Revolta
Cícera considera injusta a situação do filho, apesar de ter cometido um crime e condenado a uma pena de seis anos. O que revolta a mulher é o fato de que o apenado já cumpriu três e seis meses em regime fechado, o que lhe permitiria migrar para o status de aberto. No momento, ele se encontra na Casa de Custódia, em Itaitinga. “Chego cedo ao fórum. Mesmo assim, não consigo falar com o juiz. Acabo dando viagem perdida. Meu filho está doente…”, lamenta.
O drama de Cícera não apenas tem relação com o excesso de burocracia que cerca o Judiciário, como com a demanda expressiva. A briga por atendimento aos pleitos ocorre nas filas e nos corredores, como é o caso do fórum, ou em galpões, a exemplo da Defensoria Pública, ou em auditórios, com espaços exíguos para reunir grande número de reclamantes, tal como se dá na sede do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon).
Dificuldade
“Cheguei às 6h30, mas o funcionamento somente começa a partir das 8 horas. Daqui para lá, ficamos desconfortáveis”, afirma Maria das Graças Oliveira, do Bom Jardim, que, na quarta-feira passada, procurou o Procon para resolver uma pendência com uma operadora de telefonia móvel.
O agravamento das tensões sociais, que culminam no aumento da criminalidade; o acesso mais democrático aos serviços e a maior conscientização das pessoas na luta por seus direitos. Essas são as causas que especialistas em Direito apresentam para explicar o excesso de demanda no Judiciário.
Reconhecimento
O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Júlio Ponte, reconhece o valor de medidas que foram tomadas pelo Tribunal de Justiça, como mutirões de conciliação e carcerários, mas considera insuficientes. “São medidas salutares no desafogo das ações judiciais, mas o excesso deve ser compreendido também como um consequência de pessoas mais conscientes e do acesso à Justiça”, observa o vice-presidente da OAB-CE.
Na opinião de Ponte, o Estado deve promover mais concursos públicos para as posições do Judiciário, como juízes, promotores, defensores públicos e pessoal de nível médio. Isso seria muito importante para o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Procon e o Tribunal de Justiça do Trabalho. Apenas para citar alguns dos setores mais visados pela população, carente e esperançosa na Justiça.
Até mesmo o Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) reconhece o excesso de demanda, apesar do aumento de quadros de desembargadores e juízes e, numa ação que não é exclusiva do Estado do Ceará, a realização dos mutirões.
No ano passado, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Ernani Barreira, ampliou em 29,62% a capacidade para julgar processos. O resultado ainda é considerado insuficiente, a julgar o problema crônico da morosidade e do acúmulo de ações, cujo amontoado fatalmente vai acumulando poeira.
Demora
Os reflexos dessa alta demanda são verificados em diferentes segmentos necessitados da ação da Justiça. O titular da Vara de Execuções Criminais, Corregedoria de Presídios e Habeas Corpus, do Fórum Clóvis Beviláqua, o juiz Luiz Bessa Neto, culpa, com firmeza, o excesso de burocracia como um dos fatores preponderantes.
Lembra que, em algumas circunstâncias, uma simples consulta ao cartório para a concessão de um habeas corpus, requerido por uma desembargadora do Tribunal de Justiça, leva até duas semanas.
Bessa faz coro à OAB-CE ao afirmar que se deve realizar mais concursos públicos, requerendo, atualmente, um quadro de pessoal triplicado, embora não considere necessário mais um juiz para auxiliá-lo na VEC.
Além de defender os concursos públicos, Luiz Bessa Neto nota que a disparidade dos salários dos trabalhadores do Poder Judiciário é muito preocupante, indo dos pouco mais de R$ 500,00 até a impressionante cifra de R$ 25 mil.
“São itens importantes e que devem ser considerados na melhoria do Judiciário, tanto quanto se deve investir na ca-pacitação e em novas tecnologias”, afirma o magistrado.
SEM NOVAS VAGAS
CNJ critica baixa produtividade
“O que ocorre é que ainda há uma baixa produtividade no Judiciário. Isso implica que não se pode criar novas vagas se a oferta de profissionais de Justiça não dá conta da demanda”. A referida análise é do advogado e integrante do Conselho Nacional de Justiça, Jorge Hélio Chaves de Oliveira.
Ele rebate as críticas – inclusive, da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE) mais desembargadores, juízes e defensores públicos – de que a realização de concurso público é questão de primeira ordem para desafogar a Justiça.
Segundo Chaves, o que ocorre que é muitos segmentos da Justiça não têm respondido com atividades que impliquem num quantitativo relevante. Isso, na sua opinião, elimina a possibilidade de criação de novas vagas, especialmente pelo custo que isso representa para o Estado, em vista do inchaço da máquina administrativa.
Enquanto isso, Chaves elogia a iniciativa de realização dos mutirões, embora considere que devam avançar, no sentido de serem menos elitistas.
“Infelizmente, ainda não estamos vendo ricos na prisão. Queremos que os mutirões sejam mais democráticos com a própria população”, afirma o representante do CNJ, órgão voltado à reformulação de quadros e meios no Judiciário, especialmente no que diz respeito ao controle e às transparências administrativa e processual.
Chaves entende que o excesso de demanda é resultado do aprofundamento da democracia do País e uma decorrência de todos os problemas institucionais formais, sem que haja democracias social e econômica. “O choque dessas realidades tem gerado esperança e uma busca pelo Poder Judiciário. Agora, cabe a sociedade se mobilizar para que esse acesso se torne mais efetivo e eficiente”, afirma o advogado.
Ele diz que uma das injustiças a ser corrigida é quanto aos presos que estão mantidos nos presídios, apesar de terem o benefício da semiliberdade ou outros. Ele afirma que o Estado do Ceará não é exceção.
Criado em 31 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005, o CNJ é um órgão do Poder Judiciário com sede em Brasília (DF). Tem atuação em todo o território nacional, que visa, mediante ações de planejamento, coordenação e controle administrativo, a aperfeiçoar o serviço público de prestação da Justiça no País.
FIQUE POR DENTRO
Desembargadores
Dados obtidos na Secretaria Judiciária revelam que, somente no TJ-CE, tramitam cerca de 50 mil processos, dos quais 36 mil são cíveis e 14 mil, criminais.
Para atender a essa demanda, em novembro de 2009, houve uma aprovação, que elevou de 27 para 35 o número de desembargadores. Este ano, haverá reforço, com a posse de mais oito desembargadores, totalizando 43 o número de julgadores no TJ-CE.
O aumento do número de desembargadores ensejou a criação de mais duas Câmaras Cíveis: a 5ª e a 6ª, elevando para 10 o número de Câmaras do TJ-CE – seis cíveis, duas criminais, uma cível reunida e uma criminal reunida. Em 2010, deverão ser criadas mais duas Câmaras para receber os outros oito desembargadores que tomarão posse. Cada uma é constituída por quatro desembargadores, sendo que o mais antigo a preside
Enquete
O drama da espera
“O mutirão não foi muito positivo para nós, porque houve a perda do processo. Pior ainda é a espera por uma solução”
Cristina Alves
46 ANOS
Dona- de- casa
“QUERO visitar meu filho, mas se encontra de castigo. Ele tem se revoltado com a morosidade da Justiça”
Maria dos Prazeres Paiva
59 ANOS
Dona-de-casa
“Vir ao fórum virou rotina para mim. Até hoje, não tive sucesso na luta. Quero a progressão de regime do meu filho”
Regina Lúcia Braga
48 ANOS
Dona-de-casa
MARCUS PEIXOTO
REPÓRTER