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Pobreza da família leva crianças a abrigos

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Cidade Pág. 15 17.01.2010
Das 75 crianças que foram acompanhadas pelo abrigo Tia Júlia, no ano passado, apenas nove retornaram ao lar
Ainda que as crianças que moram em abrigos tenham um perfil diferente, todas elas possuem uma característica comum: foram geradas por mães que vivem em situação de pobreza. É o que constata a assistente social do abrigo Tia Júlia, Valdelice de Brito Quarigazi.
“Quando as crianças chegam ao abrigo, encaminhadas por Conselhos Tutelares ou outros órgãos, as causas são abandono, negligência, maus-tratos e situação de risco. Indiferente do diagnóstico, essas crianças vieram de famílias que encontram-se com vários problemas sociais: desemprego, alcoolismo, drogradiação”, explicou.
Crianças órfãs, são provenientes de famílias carentes que negam totalmente a possibilidade de criarem um filho.
Para se ter uma ideia, das 75 crianças que estiveram sendo acompanhadas pelo abrigo Tia Júlia, no ano passado, apenas nove retornaram ao lar. Isso significa que durante um ano, apenas 12% das crianças conseguiram ser mantidas em suas famílias naturais.
Existe hoje em Fortaleza, 14 casas de abrigo. Algumas são mantidas pelos governos estaduais e municipais. Outras, no entanto, funcionam em parceria com Organizações Não Governamentais (ONGs).
Para cada abrigo, são encaminhadas crianças em situações diferentes. Quando não são abandonadas pelas próprias famílias, sofreram maus-tratos ou violações de direitos fundamentais. Em alguns casos, os vizinhos e parentes denunciam. Em outros, as crianças fogem, alguns chegam a ser localizadas por órgãos de assistência social que realizam busca-ativas e, posteriormente, são encaminhadas para os abrigos.
A reconstituição dos laços familiares são tentativas dos assistentes sociais dos abrigos durante um certo período, mas quando esgotadas as possibilidades, elas entram em situação de destituição familiar e depois são disponibilizadas para adoção.
Somente em um dos 14 abrigos de Fortaleza, o Tia Júlia, são 74 crianças. As situações e histórias pregressas são diferentes. A maioria possui entre zero e cindo anos e permanece, em média, dois anos no abrigo.
Entretanto, existem aquelas que já completaram 20 anos sem conhecer o valor de uma família comum: com pai, mãe, irmãos, tios e avós ou primos.
DESAPARECIDAS
Crianças fogem de casa por causa de maus-tratos
De acordo com a assessoria de imprensa do Secretaria do Trabalho Desenvolvimento Social do Estado do Ceará (STDS), em 2009, foram registradas pelo Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas), 140 denúncias de crianças desaparecidas. Destas, 83 foram localizadas.
Estas crianças estão na faixa etária entre oito e 14 anos. Até ontem, 57 permanecem como desaparecidas nas listas. Conforme representantes dos órgãos, dentre o número de desaparecidas, estão aquelas que já retornaram aos lares, mas os pais não informam o retorno porque sabem que o caso é na verdade de fuga espontânea. Os filhos têm medo de permanecerem nos lares sofrendo maus tratos.
A opinião do especialista
Pais são raiz da questão
Valdelice Maciel de Brito Quariguazi – Assistente social
Infelizmente, a violação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente é a real causa para que elas sejam encaminhadas aos abrigos. Seja pela privação à educação, lazer, alimentação, saúde, respeito ou dignidade.
Muitas vezes, nem mesmos os pais estão com esses direitos garantidos, muitos perdem a dignidade em detrimento do uso excessivo de álcool e substâncias psicoativas, situação essa que chega logo após o desemprego e estado de pobreza.
Quando esgotam-se as possibilidades de reconstituir o núcleo familiar pela ajuda do estado e da convivência comunitária, os abrigos tomam para si a responsabilidade de cuidar da criança, acompanhá-la até que os seus traumas sejam superados e encaminhá-las para a adoção.
As famílias naturais das crianças que se encontram em situação de abrigo estão muito aquém de suas responsabilidades e por diversos fatores elas desconhecem o seu verdadeiro papel. O resgate da educação familiar, porém, é um principio que norteia o trabalho dos abrigos e conselhos tutelares. As tentativas de reinserir as crianças nas suas famílias são incansáveis, até que se esgotem todas as possibilidades. Consideramos este trabalho de fundamental importância.
Entretanto, muitos pais, mães ou responsáveis, já veem os abrigos como destinação a darem a seus filhos, tanto que, muitos estão ali por causa estrita de abandono. Primeiro tentamos o diálogo com os genitores, posteriormente, com a família ampliada: tios, avós.
Faz-se de tudo para que a criança não perca o vínculo com a família porque esta é a instituição que baseia toda e qualquer sociedade. A entidade familiar está na Constituição Federal e é dever dela assegurar que a criança tenha seus direitos fundamentais.
JANAYDE GONÇALVES
REPÓRTER