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“Os planos de saúde estão prejudicando os segurados no aspecto financeiro e da saúde”

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26.08.2010 Direito & Justiça
O direito fundamental à saúde está garantido pela Constituição Federal de 1988, através do artigo 196. De acordo com o texto constitucional, ?a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação?.
No entanto, diante da insuficiência dos serviços públicos, que não consegue atender a demanda, e da precariedade dos hospitais e postos de saúde, com a falta de leitos, remédios, equipamentos e profissionais, algumas pessoas têm feito esforços e recorrido aos planos particulares. Isso vem ocorrendo devido à necessidade de procedimentos mais especializados, geralmente não disponibilizados pelo sistema público, rapidez e/ou qualidade no atendimento.
Porém, na prática não é bem assim. Segundo o advogado Victor Brasil, os planos de saúde, utilizando-se de prerrogativas e diante da fragilidade dos usuários, estão prejudicando os segurados no aspecto financeiro e de saúde. Ele afirma que o déficit na relação começa pelo contrato de adesão, que é uma relação impessoal. ?As letras são minúsculas e os contratos enormes com ?cláusulas gordurosas?, desnecessárias. No começo, o texto afirma que o segurado tem direito a tantos serviços. Lá na frente limita os procedimentos, consultas ou produtos. O plano tem superioridade técnica e econômica sobre o consumidor. Os termos técnicos só profissionais da área conseguem entender. O contrato é uma imposição da empresa ao cliente, não é um consenso entre os dois lados?.
Outro problema, de acordo com Victor Brasil, é a busca pelo lucro, já que as empresas, apesar da natureza do serviço, têm o objetivo de maximizar os ganhos e minimizar os gastos. ?É uma prática mercantil nefasta contra o consumidor?. Como exemplo, o advogado citou que o plano não tem a prerrogativa de indicar o tipo de prótese ou de órtese, já que é uma atribuição exclusiva do médico.
?O plano é como um seguro. A gente espera nunca usar, mas, se for preciso, esperamos ter um bom atendimento?, frisa Victor Brasil, ao esclarecer que é ilegal a prestadora cobrar caução, limitar número de consultas e procedimentos. ?O paciente tem o direito de ser atendido quantas vezes forem necessárias ao restabelecimento da saúde. Essa é a finalidade do plano. O prejuízo é um risco que a empresa assume e o paciente/consumidor não pode arcar com os prejuízos?.
Victor Brasil também considera ilegal o aumento abusivo por causa da idade ou de uma doença preexistente, bem como reajustar as mensalidades de todo o grupo do plano empresa porque uma minoria, por necessidade, utiliza os serviços com frequência.
RECORRER À JUSTIÇA
Victor Brasil acredita que o Código de Defesa do Consumidor é muito forte entre os magistrados. ?Eles têm muita atenção, inclusive, ao sacrifício das pessoas em pagar as mensalidades dos planos de saúde, que devem se adequar e melhorar o serviço. Caso contrário, vai fugir às normas da agência reguladora?.
O paciente que passa por procedimento cirúrgico para diminuir o excesso de peso corporal tem direito à cirurgia de redução de mama ou excesso de pele. ?Saúde não pode ser confundida com estética. Uma usuária não pode exigir uma prótese para aumentar o tamanho do seio, mas, se a paciente for acometida por um câncer, por exemplo, e for operada, tem direito à reparação da mama?, frisa o advogado.
Ele aconselha que o consumidor lesado pode recorrer ao Judiciário, que é muito sensível a essa questão. ?A Justiça tem decidido a favor do paciente, baseando-se nos princípios constitucionais que priorizam o direito à vida. O entendimento é que, caso se trate da manutenção ou restabelecimento da saúde, os princípios prevalecem sobre as questões contratuais. Dessa forma, até mesmo a carência será preterida?.
Os processos, segundo o profissional, geralmente envolvem negação de serviços e uso de produtos diferentes daqueles indicados pelo médico. ?Os idosos precisam de órteses mais leves e não é incumbência da empresa e sim do médico indicar o tipo de produto mais adequado. Até exames rotineiros os planos têm negado, sem nenhum tipo de fundamento. Quando denunciados, os órgãos de defesa do consumidor aplicam multas às empresas. No entanto, é comum o plano não fazer acordo?.
ANS
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada pela Lei no 9.961/2000, tem como função promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regular as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, além de contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde no Brasil. A lei, alterada por medidas provisórias, aguarda consolidação pelo Congresso Nacional.
No dia 7 de junho deste ano, entrou em vigor o novo rol de procedimentos e eventos em saúde. A partir dessa data, todos os planos novos (contratados após 1o de janeiro de 1999) devem cumprir a Resolução Normativa no 211/2010. Com isso, foi ampliada a cobertura mínima obrigatória para os beneficiários de planos de saúde, passando a listar, ao mesmo tempo, os procedimentos médicos e odontológicos.
Victor Brasil afirma que a ANS tem cobrado dos planos o cumprimento dos serviços mínimos, mas ela tem que ser mais efetiva, sobretudo na punição. ?A Agência tem priorizado a humanização dos planos (acompanhamento do parto) e utilização de novas tecnologias (cirurgias a laser para catarata). Além disso, incluiu serviços de odontologia, psicologia, fisioterapia e nutrição no grupo de serviços mínimos que o plano tem a obrigação de oferecer?.
O rol de procedimentos inclusos e não inclusos, a cobertura mínima obrigatória para cada segmentação de planos (ambulatorial, hospitalar com ou sem obstetrícia e referência), os tipos de planos quanto ao tipo de cobertura, a classificação das operadoras, formas de contratação (individual, familiar e coletivo com ou sem patrocinador) podem se consultados no site na ANS (www.ans.gov.br).
INSTITUTO DA REMISSÃO
Remissão é o tempo de carência (máximo de 5 anos) que os dependentes podem ter quando da morte do titular do plano. No entanto, segundo a ANS, a legislação não identifica ou prevê a garantia desse serviço pela operadora. Isso vai depender do contrato celebrado.
Mais de 110 reclamações contra planos foram feitas no Decon este ano
De acordo com dados do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), do Ministério Público do Ceará, de 1o de janeiro ao dia 23 de agosto deste ano foram feitas mais de 110 reclamações contra os planos de saúde. Grande parte é contra o Hapvida (26) e a Unimed de Fortaleza (19).
O Poder Judiciário tem sido uníssono ao considerar que o direito à vida deve vir em primeiro lugar. A avaliação é do advogado Victor Brasil, ao afirmar que decisões da Justiça estadual apontam que o número de pacientes que recorrem, pleiteando reparação moral ou material, tem crescido.
CASOS
Os casos, divulgados no site do TJCE e no Diário da Justiça Eletrônico, são diversos. Entre os exemplos estão:
[A 3a Câmara Cível do TJCE condenou a Unimed de Fortaleza a pagar R$ 10 mil em indenização por danos morais à J.M.C.C., filha de um casal de idosos, ex-clientes da empresa. A decisão foi proferida no dia 9 de agosto deste ano. Conforme os autos (nº 11889-33.2005.8.06.0001/1), a mãe de J.M.C.C. migrou do Hapvida para a Unimed. O contrato foi assinado em setembro de 2004. Ela alegou que, na época, a Unimed informou que o novo plano cobriria a carência do anterior. Entretanto, em outubro do mesmo ano, a senhora de 80 anos foi surpreendida por uma forte dor na região renal, que a levou à morte dois meses depois. Na época, a Unimed não autorizou exame radiológico nem procedimento cirúrgico. A empresa contestou inexistir qualquer omissão ou ato ilícito. Sustentou que houve aproveitamento parcial da carência do plano de saúde anterior, mas esclareceu que não há aproveitamento quando relacionado a partos, internações e tratamentos de doenças e lesões preexistentes. O desembargador Antônio Abelardo Benevides Moraes entendeu que a recusa do plano em autorizar e custear as despesas hospitalares da idosa, obrigando a família a recorrer ao sistema de saúde pública, por si só revela o dano moral sofrido.]
[A titular da 13a Vara Cível da Comarca de Fortaleza, juíza Francisca Francy Maria da Costa Farias, condenou a Hapvida pagar indenização, por danos morais, de R$ 102 mil, à M.M.P., filha de E.P.M., morta por imperícia médica. A decisão foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico do último dia 11 de junho. Consta nos autos que E.P.M. foi levada ao Hospital Antônio Prudente no dia 15 de novembro de 2008, com fortes dores estomacais, náuseas e febre. Ela foi atendida por uma médica do hospital, que diagnosticou uma hérnia intestinal. Após constatado que o estado de saúde de E.P.M., ela foi encaminhada ao cirurgião geral do hospital para ser submetida a uma cirurgia de emergência.
Contrariando o diagnóstico da médica, o cirurgião não realizou o procedimento, alegando que as dores que a paciente sentia eram causadas por gases, e não por uma hérnia. M.M.P. retornou com a mãe para casa, porém, passadas algumas horas, teve que voltar ao hospital. Atendida por outro médico, E.P.M. recebeu novo diagnóstico, que afirmava que as dores sentidas pela paciente tinham como causa uma virose. Depois de medicada, a paciente foi para sua residência e, após 72 horas, retornou mais uma vez ao hospital, dessa vez sentindo ainda mais dores. Atendida por um quarto médico, E.P.M. foi finalmente encaminhada para a sala de cirurgia. Apenas seis horas após a operação, a paciente foi informada de que já receberia alta. Inconformada com o fato de que sua mãe, com 70 anos de idade, iria ser liberada em menos de 24 horas após uma cirurgia, a filha M.M.P. tentou, por diversas vezes e durante várias horas, entrar em contato com o médico que realizou a operação. Durante esse período, o estado de E.P.M. agravou-se e ela foi levada à UTI do hospital com infecção generalizada e em coma. Passadas algumas horas, faleceu. A Hapvida argumentou que a paciente recebeu o tratamento adequado e que sua morte foi causada por motivos alheios à vontade médica. Na sentença, a juíza afirmou que o descumprimento de uma obrigação médica não se dá, necessariamente, com o não alcance do resultado da cura ou melhora, mas, sim, com o não desempenho adequado dos meios. A magistrada também afirmou que ?a omissão na assistência e nos cuidados dispensados à doente em questão foi injustificável?.]
[Por unanimidade, a 3a Câmara Cível do TJCE deu parcial provimento ao recurso apelatório interposto pela Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Nordeste (Camed), reformando sentença de 1o Grau para reduzir de R$ 180 para R$ 100 mil o valor da indenização que deve ser pago a T.S.P.P. Consta nos autos que T.S.P.P. após sentir muitas dores lombares, teve diagnosticado cálculo renal. Orientação médica recomendou procedimento cirúrgico de urgência, não autorizado pela Camed, que alegou necessidade de cumprir prazo de carência de dois anos. Em audiência no Departamento de Defesa do Consumidor (Decon), a empresa autorizou a cirurgia, voltando a negá-la posteriormente. Logo depois, T.S.P.P entrou com medida cautelar no Fórum Clóvis Beviláqua, quando constatou através de exames que estava grávida. Por conta da função renal comprometida em mais de 50%, ela perdeu a criança. A decisão foi proferida no dia 15 de junho de 2009.]
Com informações da Assessoria de Comunicação do TJCE.
O QUE DIZEM OS PLANOS
Em nota enviada ao Direito & Justiça, a Unimed Fortaleza afirmou que ?cumpre fielmente às determinações legais e regulamentares no que diz respeito a carências e exclusões contratuais?. Com relação às decisões do Judiciário que coloca o direito à vida acima das questões contratuais, a empresa entende ?que se trata de um grande problema nacional, por ser um total desrespeito aos princípios gerais de Direito e a validade do ato jurídico perfeito o que acarreta sem sombra de dúvida a uma grande insegurança jurídica, que aumenta o que os economistas classificam de ?risco Brasil.?
Também em nota, a Camed assegurou que ?oferece cobertura assistencial ao consumidor dentro da previsão da legislação específica de saúde suplementar e do contrato firmado com o beneficiário. O consumidor, ao optar pela Camed, é informado no ato da contratação sobre os tipos de planos oferecidos. Nesse momento, o cliente escolhe o plano que atende às suas necessidades observando vários critérios, como coberturas, preços, abrangência geográfica, dentre outros itens?.
Procuramos também a Assessoria de Imprensa do Hapvida, que ficou de enviar nota à redação do Direito & Justiça. No entanto, até o fechamento desta edição nenhuma posição da empresa foi encaminhada.