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O Direito como vocação

Ouvir: O Direito como vocação

22.09.2009 caderno 03
O desembargador Fernando Ximenes, considerado uma das maiores expressões do Direito no Ceará, é um dos agraciados com o Troféu Sereia de Ouro. A outorga será na próxima sexta-feira, às 21 horas, no Theatro José de Alencar
Filho de uma família de classe média, Fernando Luiz Ximenes Rocha nasceu no dia 23 de novembro de 1952, em Fortaleza, e teve como primeira residência uma das casas da Rua Assunção, no Centro. O pai, funcionário público, e a mãe, dona-de-casa, tiveram de superar dificuldades para sustentar e educar a enorme família. “Mas isso foi importante como desafio para que pudéssemos chegar aonde chegamos”, avalia.
Na infância, passou pelo Instituto Regina Coeli, durante o chamado curso primário. Em seguida, estudou nos colégios Lourenço Filho e São João. Entre episódios interessantes da meninice, o atual desembargador relembra as brincadeiras do pai, tentando adivinhar-lhe a vocação: “O que você que ser quando crescer?” Por essa época, a resposta era: médico. Porém, o instinto de pai, que sonhava com outros rumos para a vida do filho, levava-lhe a perguntar se Fernando não desejava ser “bacharel” (na época, e muitas vezes ainda hoje, é comum a referência ao termo para quem se forma em Direito).
Curioso, o menino, no entanto, ainda não entendia o significado da palavra, pedindo explicações. “Ele respondeu que eu poderia ser advogado, promotor, podia chegar a ser juiz e até desembargador. Foi aí que surgiu a dificuldade em saber o que era desembargador”, relembra. Entendendo o poder que teria nas mãos – o garoto impressionava-se com o fato de ter a possibilidade até de modificar o ato do governador -, sentiu-se dividido entre o Direito e a Medicina, opção da maioria dos amigos.
“Pensei também em fazer Jornalismo, porque achava a profissão muito bonita”, revela. No entanto, na hora de prestar vestibular, deixou falar mais alto a vocação que, mais tarde, seria despertada. “Sempre que me fosse dada a oportunidade de escolher uma profissão, escolheria Direito”. Fernando Ximenes, então, ingressou na Universidade Federal do Ceará, indo em direção contrária à dos irmãos: alguns não se formaram e foram trabalhar muito cedo, outro tornou-se contador prático, e as mulheres, como era comum na época, fizeram o curso normal para o magistério.
Antes do Direito, Fernando apreciava os clássicos da literatura. Ao chegar à universidade, em 1974, começou a se interessar por obras de História e Filosofia. Além do gosto pela leitura, o jovem universitário teve uma intensa vida estudantil, quando chegou a ser representante nos departamentos da universidade, embora no período (plena ditadura militar), fosse proibida a participação na militância estudantil.
Como monitor de disciplinas, despertou para o magistério e, dois anos depois de formado, em 1979, começou a ensinar na Faculdade de Direito da UFC. “A área acadêmica me traz muito prazer. Lidar com os jovens sempre me renovou, o que, até para a convivência com meus filhos, foi muito importante, pois, como professor, a gente não pode ser pessimista. É muito gratificante despertar nos jovens o interesse pela matéria que ensino”.
Vida pública
Advogar. Esse sempre foi o desejo de Fernando Ximenes, desde que saiu da faculdade. “Na verdade, o que eu queria mesmo era ser advogado, como fui durante mais de dez anos, de 78 a 94, até ser nomeado desembargador”, revela. No período, iniciou a vida pública, fazendo política na Ordem dos Advogados: integrou o conselho, a diretoria e a vice-presidência da OAB, chegando também a se candidatar à presidência. Depois, passou em concurso para Procurador do Estado e quando Ciro Gomes assumiu a prefeitura tornou-se Procurador Geral do Município.
Com a eleição de Ciro para o governo do Estado, o convite se repetiu para assumir o cargo, agora na instância estadual. “Fui o primeiro Procurador Geral do Estado que veio da carreira de procurador. Até então, sempre era convidado um advogado de fora dos quadros da Procuradoria. Como procurador geral, tinha como interesse maior defender a causa pública. Então, em qualquer ação que o Estado fosse tomar, éramos sempre ouvidos, tanto que fiz parte da comissão de reforma administrativa do Estado: fui negociar nos Estados Unidos empréstimos para determinados investimentos do Estado”. A oportunidade, aliás, foi uma grande chance para Fernando Ximenes, que, no período, chegou a passar três meses como Secretário de Justiça e terminou assumindo a Secretaria do Governo. “Foi um período de muita vivência, muito gratificante”.
Como desembargador, desde 1994, também inaugurou uma nova fase no Estado: foi o primeiro do Ceará a ser nomeado depois da Constituição de 1988. “Antigamente, o Tribunal fazia uma lista tríplice, entre três advogados, e o governador nomeava o da sua preferência. Com a Constituição de 88, a Ordem dos Advogados primeiro faz uma lista sêxtupla, o Tribunal transforma em tríplice e manda a lista para o governador”. Outra peculiaridade, aliás, marcou a nomeação: o presidente do tribunal no exercício de governo, desembargador Adalberto Barros Leal, indicou o advogado. “Acho que foi o único caso”. Embora hoje reconheça a magistratura como uma vocação, Fernando Ximenes diz que, no princípio, antes de assumir o cargo de desembargador, relutava. “Nunca fiz concurso para magistratura, sempre o fazia em uma área em que pudesse advogar”, afirma.
Assim, o advogado Fernando Ximenes deu lugar ao desembargador. Se antes defendia os interesses dos clientes, agora teria às mãos o poder de decisão. “A magistratura enriquece muito, porque você decide. Eu, às vezes, como advogado, defendia uma tese que podia não ser acolhida, mas, na magistratura, é você quem dá a decisão, concretiza as idéias do Direito que você tem”. Com passagem por vários setores do Tribunal de Justiça, Fernando Ximenes chegou em 2007 à presidência. Neste ano, completando 15 anos de Tribunal, teve a chance de exercer o Governo do Estado durante cinco dias.
A responsabilidade e a chance de passar por cargos importantes capacitam o desembargador a analisar a Justiça e o poder. “A Justiça tem avançado cada vez mais, o grande problema é que os recursos públicos são sempre limitados, e a Constituição de 88 abriu um leque de acesso à Justiça, com vários tipos de ações. Nem sempre o Poder Judiciário está devidamente equipado para atender a essa demanda”. Como melhorar, então, a Justiça? “O mais importante é a qualificação do magistrado, recrutá-lo pela vocação e não porque a atividade remunera relativamente bem. Tenho dito que não basta quantidade, é preciso fazer uma reforma de qualidade”.
Entre os ideais com os quais se identifica, além do compromisso com o acesso à Justiça, o desembargador destacou-se como integrante do Comitê Nacional para Prevenção e Controle da Tortura no Brasil. “Sempre lutei pela redemocratização do País e também para que essa democracia não ficasse apenas no aspecto formal: que as pessoas tivessem acesso aos bens da vida, numa democracia social, econômica e cultural”.
Por ele mesmo
Fernando Ximenes usa poucas palavras para definir-se. “Sou pessoa comum, que sonha, tem ideais e gosta de conviver com o próximo”. Por trás da mesa de desembargador, revela-se um ser humano simples e que considera mais importante cuidar do espírito, dos valores, do que de qualquer bem material. “Sou muito dedicado à minha família. Uma das coisas que me dá muito prazer é estar com minha mulher, meus filhos, viajar com eles. Aliás, gosto muito de viajar”.
Sobre o Troféu Sereia de Ouro, diz que recebe a condecoração com muita humildade e responsabilidade. “Para quem tem vida pública é um incentivo muito grande a continuar servindo à causa, até porque nós sabemos que o Sistema Verdes Mares é muito criterioso em suas escolhas, de forma que me sinto muito honrado em receber esse reconhecimento deste segmento tão importante na sociedade. Mais do que a vaidade de receber o troféu, deve prevalecer a responsabilidade em continuar merecendo o respeito da sociedade, prestando um serviço público”.