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Ideias: Feminicídio

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28.02.2011 Opinião
Entre 1993 e 2006, 398 mulheres foram assassinadas em Cidade Juarez, no México. A situação levou o país a ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2009. O motivo foi a constatação de que as mortes possuíam características próprias, distintas do homicídio comum. Todas cometidas contra mulheres, em geral, antecedidas de torturas e abusos sexuais. A conclusão foi de que tais mortes consistiam em violência de gênero, hipótese que difere das demais espécies de agressão, por ser a face mais extremada da discriminação contra a mulher, isto é, produto de uma arquitetura histórico-social moldada a partir de conceitos varonis, que dividiu papéis sociais entre homens e mulheres sempre projetando naqueles o estereótipo do realizador social, provedor e chefe de família, dono e proprietário da situação. Um tipo ímpar de violência que se apresenta como fenômeno social de caráter total, transcendendo, indistintamente, lugares, origens e classes sociais. Os fatídicos eventos mexicanos estimularam uma construção teórica visando definir o feminicídio, assassinato baseado em gênero, como tipo penal ou circunstância qualificadora. Em 2001, o Brasil foi condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA no caso Maria da Penha, o que implicou na criação da Lei 11.340/06, destinada a combater a violência de gênero no âmbito das relações domésticas e familiares. Mesmo com a limitação material, fato é que, por influência direta da nova lei, o Código Penal passou a contar com um novo agravante de pena para crime praticado contra a mulher em situação de convivência e uma qualificadora especial para lesão corporal praticada nesta situação, tendo sido, porém, preservado incólume no tocante às previsões de morte, escusando-se de admitir o feminicídio. Ou seja, s.m.j, ao que consta, a legislação brasileira indispõe de tipo ou qualificadora penal específica a tal circunstância, motivo pelo qual se sugere à bancada parlamentar cearense, em memória de tantas mulheres assassinadas por aqui (dezenas, nos últimos anos, só no Cariri), que encampe e leve adiante esta discussão.
Marcelo Uchôa – advogado e professor de Direito