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É preciso punir e tratar

Ouvir: É preciso punir e tratar

14.06.2009 Cidade Pág.: 15
O Brasil não conta com política pública de tratamento voltado ao agressor sexual. Isso significa que os casos são encaminhados aos presídios comuns, realidade verificada no Estado, onde dos cerca de 1.300 processos que tramitam na 12ª Vara Criminal, pelo menos 60% são de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, cujos principais autores são familiares, vizinhos ou pessoas de confiança das vítimas.
A porta de entrada destes crimes é a Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dececa), onde começam os processos que são encaminhados ao Ministério Público, não tendo prazo determinado para serem concluídos. ?Muitas famílias se mudam por vergonha?, admite Edna Lopes Costa da Matta, promotora de Justiça da 12ª Vara Criminal, dificultando o andamento do processo. Em outros casos, os réus fogem.
Desta maneira, não depende apenas da Justiça, que criou até uma vara especializada para dar maior agilidade aos processos. Esclarece que, independentemente dos culpados apresentarem ou não distúrbios psíquicos, são responsabilizados.
Considerados ?lobos em pele de cordeiros?, os autores de crimes sexuais, principalmente, contra crianças, quando punidos, não recebem qualquer atenção no que diz respeito a algum tipo de tratamento visando identificar e tratar possíveis distúrbios psíquicos. No entanto, admite que existe um movimento favorável ao tratamento do agressor, que é visto como ?monstro?. Quando chegam aos presídios, é recebido com ?rituais? de sofrimento, humilhação e execração diante dos companheiros.
Maria Luiza Moura Oliveira, do Conselho Federal de Psicologia e da Universidade Católica de Goiás, admite que 99% dos casos de violência sexual acontecem entre adultos e crianças, homens e mulheres, denunciando uma relação de poder. Entretanto, o que se observa, é que o atendimento a estes crimes, não alcança a dimensão do agressor.
?De fato, o atendimento ou atenção ao agressor aparece como uma novidade. Ela não é assumida pela sociedade e nem pelo poder público?, observa Maria Luiza Oliveira, que desde 2004, vem aprofundando o estudo em torno do agressor sexual, no sentido de que também receba atendimento.
O objetivo é tentar descobrir o que acontece para que estas pessoas tenham como preferência sexual as populações mais jovens, inclusive, crianças. Caso isso não aconteça, poucos avanços serão dados em direção a uma política mais efetiva de combate a este tipo de crime: ?São parentes ou pessoas que mantêm relação de proximidade com as vítimas.
Neste aspecto, a psicóloga chama a atenção para que seja observado o papel dos familiares enquanto cuidadores destas crianças. Desde 2004, o Grupo de Pesquisa Infância, Família e Sociedade a Universidade Católica de Goiás faz levantamentos e estudos acerca do tema. A finalidade das pesquisas desenvolvidas é obter subsídios para a formulação de proposição mais eficaz, questionando apenas a aplicação de penas.
Isso não significa eximir o agressor sexual de culpa. ?Ele precisa ser responsabilizado?. A punição não vem surtindo o grandes efeitos, sendo necessárias também ações pedagógicas para fazer com que eles reflitam sobre o ato cometido. Identificar se o distúrbio compromete a crítica ou a compreensão do que eles estão fazendo. ?Nosso trabalho vai no prisma dos direitos humanos?.
A abordagem da agressão sexual não pode ser vista apenas por uma lente. Ou seja, o fenômeno deve estar inserido dentro de um contexto amplo envolvendo perspectivas históricas, econômicas e culturais. ?Como estas violações estão inseridas como expressão de classe, social, gênero, raças, crianças e adultos. É um tema complexo?. Este sujeito deve ser incluído na dinâmica social: ?Dar voz a este sujeito?.
Outro aspecto é a visão psicológica no sentido de produzir conhecimento para que seja possível lidar com ele. Um dos caminhos é ouvir o agressor.
O importante é prevenir para que estes crimes não se torne algo recorrente, podendo, inclusive, ser tratados com ações preventivas. ?É necessário entender o fenômeno como um todo?.
Não se pode ficar apenas com o que determina a lei, porque se trata de um fenômeno multifacetado. Neste sentido, ?a voz da criança e do próprio autor são vozes que se completam?. São fenômenos da humanidade.
A escuta do agressor é uma abordagem nova de um processo em construção. ?Como sujeito, ele precisa ser ouvido no campo dos Direitos Humanos não se pode negar esta voz a qualquer ser humano?. Eles também são transformados, assim como as vítimas devem superar o trauma.
Iracema Sales – Repórter
AGRESSÕES – 1300 processos tramitam na 12ª Vara Criminal. 60% são de crimes sexuais contra crianças