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Artigo – Violência sexual e miopia dos governos

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31.08.2010 Opinião
LÍDIA RODRIGUES – coordenadora colegiada do Fórum Cearense de Enfrentamento a Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes
A violência sexual contra crianças e adolescentes se fixa historicamente em (des) valores sociais e culturais como o machismo, o racismo o classismo e adultocêntrismo. O tema que sempre foi cercado de tabus vem ganhando visibilidade nos meios de comunicação e no debate público. No entanto, o descaso dos poderes públicos, a escassez e/ou ineficiência das políticas públicas evidenciam que a questão ainda não ocupa um espaço efetivo nas políticas de Estado, como se os governos se mostrassem míopes à realidade posta.
O Estado do Ceará é o 8° no ranking de denúncias ao Disque 100 (disque nacional relacionado a Crianças e Adolescentes). Do Ceará partiram 6.735 das 116.973 denúncias recebidas pelo disque 100 entre Maio de 2003 e Janeiro de 2010. Em Fortaleza o Disque Direitos da Criança e Adolescente (DDCA) recebeu 2.592 denúncias de todas as naturezas de violação: destas 169 foram denúncias relacionadas à violência sexual.
Ressaltando ainda que a maioria das situações de violência não são denunciadas seja pelos pactos de silêncio no âmbito das famílias e comunidades seja pela falta de informação das vítimas ou ainda pela ineficiência dos serviços de notificação e proteção que nem sempre contabilizam os dados.
Paradoxalmente ao elevado índice de denúncias as escassas políticas de enfrentamento ao problema, que além de ter previsão orçamentária pequenas, nem sempre são executadas.
No Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) não foi executado nada dos R$ 665 mil previstos em 2009, destinados à capacitação de servidores públicos, ação importante para atendimento às vítimas de violência que chegam aos serviços, e muitas vezes são revitimizadas pela inabilidade técnica dos profissionais ao lidar com a questão.
O programa de proteção social especial teve, em 2009, uma redução de 16,07% em relação ao fixado para 2008. Nesse programa, há ações como a de combate à exploração sexual, que, até novembro de 2009, teve 0% de execução, inclusive com recursos retirados na ordem de R$ 690 mil e que, para 2010, nada foi previsto.
Os Centros de Referencia Especializados da Assistência Social (Creas), que fazem o atendimento às vítimas, têm uma demanda muito superior à capacidade de atendimento e não há um acompanhamento concreto às famílias, sendo muito distante a ideia do atendimento psicológico a agressores sexuais.
Notoriamente reconhecemos avanços nesses 20 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas temos que ter em mente que os mesmos ainda estão aquém do necessário lembrando que esta luta é de todos e de todas, e que, conforme o ECA, é dever da família, da sociedade e do Estado zelar pela proteção de crianças e adolescentes com absoluta prioridade. Temos que tirar a venda dos olhos e enfrentar o problema. Esquecer é permitir, lembrar é combater!
Lídia Rodrigues participa do Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim