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Amor de mãe não supera omissão do poder público

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30.06.2010 cidade
Além de enfrentarem os sintomas de uma doença que causa inúmeras deficiências, portadores de mucopolissacaridose (MPS) são obrigados a interromper o tratamento por descumprimento de ordem judicial, que obriga o fornecimento do medicamento Elaprase. O custo do remédio, mensalmente, para cada portador é de R$ 30 mil. O descaso governamental pode causar a morte daqueles que lutam diariamente para manter-se vivos.
No bairro Granja Lisboa mora um dos quinze pacientes tratados no Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), Francisco Alan Andrade Peixoto, 18 anos. Em uma casa de três cômodos, onde moram mais quatro pessoas, a mãe de Alan ANdrade, Maria Luíza Andrade da Silva, lamentou a interrupção, há quase dois meses, do tratamento do filho. ?Infelizmente, só aos quinze anos ele começou a tomar o remédio. Depois disso, a vida dele foi outra. Diminuíram as dores nos ossos, ele aumentou de peso e os problemas respiratórios também melhoraram. A fisionomia do meu filho passou a ser outra com o uso da medicação?, descreveu a mãe, emocionada.
Maria Luíza explicou que Alan nasceu normal, e só aos cinco anos foram detectados os primeiros sintomas. ?Não existia remédio para ele, eu o via sofrer e não podia fazer absolutamente nada. Foram quinze anos de muito sacrifício e batalha, até criarem a medicação. Por isso é desesperador saber que ele estava vivendo melhor depois de tanto tempo e que agora isso não acontece mais?, destaca. Alan já fez três cirurgias na traqueia e cinco no nariz. O jovem não escuta, não fala e tem sua visão comprometida. A infusão do Elaprase deve ser feita uma vez por semana. ?O maior efeito da medicação era nas articulações e nas vias respiratórias. Ele hoje, apenas com dois meses sem o remédio, já quase não anda mais?.
ESPERANÇA
A mãe de Alan, satisfeita com os progressos na vida do filho, chegou a agradecer mesmo quando o cumprimento de uma ordem judicial não aconeteceu. ?Graças a Deus que eles [Governo] começaram a distribuir o remédio. Eu nunca teria condições de comprar, nem que vendesse meu único bem, que é essa casa. Peço humildemente que eles voltem a nos dar?, disse. Entre gestos de carinho e amor entre mãe e filho, Maria Luíza desabafa: ?Só eu sei o tamanho do bem que o remédio trouxe para o meu filho; não é justo tirar isso dele?.
A esperança de que a medicação volte a ser distribuída é compartilhada também pela médica geneticista do HIAS, Erlane Marques Ribeiro, que trata Alan desde 1995. Porém, a especialista divide a frustração em lutar, cuidar, ver progressos, e depois cogitar a possibilidade de tudo isso acabar de forma trágica. ?De acordo com os relatos das mães, com apenas uma semana sem a medicação, meus pacientes já apresentam problemas de insuficiência respiratória. A medicina não tem como precisar o efeito da falta do Eliprase, mas uma das consequências pode ser a morte?, ressaltou a especialista.
MÃOS E PÉS ATADOS
Erlane Marques disse que é frustrante a impossibilidade de não poder tomar alguma providência. ?Eu vejo um paciente melhorar significativamente para depois vê-lo definhar porque não tomou o remédio. Nenhum usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) pode pagar por uma medicação dessas, por isso a Justiça determina o seu fornecimento?, analisou.
A falta de consideração é tamanha, que de acordo com a especialista, algumas mães já ouviram frases do tipo ?é melhor seu filho morrer do que ficar dando gasto e trabalho?. Erlane Marques, emocionada, ressaltou: ?O Alan trabalha na Associação Cearense de Portadores de Doenças Genéticas (ACDG) e ainda tem carteira assinada. Correr o risco de um exemplo como esse seja apagado é quase um crime?.
A DOENÇA
A mucopolissacaridose é uma doença hereditária. De acordo com a geneticista, é a falta de algumas substâncias encontradas no organismo, que são enzimas que digerem os glicosaminoglicanos (GAG). ?Com o passar do tempo, outras substâncias vão sendo prejudicadas e os sintomas vão piorando. A medicação faz o papel da enzima que falta. Quem começa a tomar desde pequeno, quando há detecção da doença, tem muitas chances de não apresentar alguns sintomas?, frisou.
Os sintomas variam de acordo com a idade do paciente e com o tipo de cada doença, que varia entre seis tipos. Os principais são: macrocefalia (crânio maior que o normal), peso e tamanho irregulares, surdez, problemas visuais, língua grande, adenóide em tamanho maior (glândulas das vias respiratórias) maior que o normal, hérnias, articulações endurecidas, entre outras.