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Magistrados são prejudicados para cumprir metas

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31.08.2009
Por Antonio Sbano
O Conselho Nacional de Justiça, com louvor às suas boas e salutares intenções, traçou, em conjunto com tribunais, um programa com dez metas, encontrando-se em curso a chamada Meta 2, qual seja, julgar até 31 de dezembro de 2009 os processos distribuídos até o final de 2005.
Meta ambiciosa. Todo sistema novo, ainda que traga em sua essência a vontade de todos nós para a construção de um Judiciário célere e de qualidade, esbarra, como é natural, em falhas decorrentes do novo e do desconhecido, que devem ser sanadas com humildade e bom senso.
Para atingir os objetivos traçados, alguns tribunais, como medida de última hora, suspenderam as férias de seus juízes, esquecendo-se que, conforme noticiado pelo jornal O Globo, os magistrados apresentam elevado grau de estresse em razão de suas condições de trabalho e que muitos assumiram compromissos para período de férias ? já deferidos, vale dizer. Eles ficarão sujeitos a multas e perdas financeiras para transferir, sabe-se lá para quando, o novo período de gozo de seu direito.
Esse é apenas um aspecto, dentre muitos.
Os próprios Tribunais se esqueceram das mazelas que marcam a prestação jurisdicional ? muitas por inércia deles próprios ou por falta de vontade política de enfrentar os demais Poderes para conseguirem os recursos necessários a um efetivo funcionamento da Justiça.
Não se tem como impulsionar um processo com a dinâmica imposta por nossos Códigos, resquício de um passado secular e divorciada da modernidade, mesmo quando emendados e remendados a toda hora, causando tumultos, sem que se tenha a vontade de uma reforma efetiva e profunda.
Um advogado ? e não precisa ser muito brilhante ? sabe que pode mandar para as calendas uma instrução usando artifício muito comum e legal: arrolar testemunhas fantasmas em outras cidades e até em outros estados. Muitas outras artimanhas legais existem, posto que previstas na legislação processual.
A recomendação é de que os juízes adiem os atos de processos mais novos para priorizar os mais antigos, os que estão no alvo da Meta 2, isto é, veste-se um santo, despindo-se outro. É impossível, tecnicamente, a ultimação de processos para julgamento no curto espaço de tempo existente, certo que tais objetivos deveriam ser estabelecidos e diligenciados em um planejamento em médio prazo e respeitadas as condições de infraestrutura existentes.
É certo que existem milhares de processos instruídos aguardando sentença ou decisões em 2º grau ou nas Cortes Superiores. A razão está na própria carga apontada nas estatísticas do CNJ, no excesso de processos e no baixo número de julgadores. Também é certo que o maior acesso à Justiça elevou o número de conflitos, sem que o Poder Público se aparelhasse com a mesma celeridade. O próprio Supremo Tribunal Federal, que se acha fora do alcance do controle externo do Conselho Nacional de Justiça, padece do mesmo mal. Lá existem iniciais aguardando despacho por vários meses, e processos esperando julgamento. Porém, são apenas 11 ministros para uma carga desumana de trabalho. Todos sofremos do mesmo mal.
Não adianta impor metas sem que se criem as condições de trabalho indispensáveis ao processamento dos feitos e à prolação de decisões dentro do quanto pode ser suportado pelos magistrados e pelos serventuários. Eventuais deslizes podem e devem ser punidos à luz da lei, sem se generalizar medidas impossíveis de ser cumpridas, posto que divorciadas do mundo real.
A mais, ao lado de tais medidas para cumprir a Meta 2, uma avalanche de providências meramente administrativas ou estatísticas estão sendo impostas aos magistrados de todos os níveis, aumentando o trabalho apenas para obtenção de números, serviço de alçada das Secretarias, igualmente sobrecarregadas. Juiz existe para decidir e não para realizar trabalhos meramente burocráticos, com todas as vênias.
É fácil determinar a suspensão de férias, impor números de sentenças, além das que são rotinas, sem olhar para baixo e ver o quanto acontece no mundo real. Vamos a alguns exemplos:
Em data recente, aprovou-se projeto para a implantação de centenas de Varas Federais ? e as existentes estão sobrecarregadas, assim como as do Trabalho ?, prevendo-se 21 servidores para cada uma. Na esfera estadual, existem Varas que sequer possuem lotação funcional, posto que ainda entregues ilegalmente a particulares. Muitas Varas somente estão de portas abertas por empréstimo de funcionários pelas Prefeituras ? uma vergonha! ? e sem qualificação alguma. Outras, com mão de obra de estagiários ? forma de burlar concursos por falta de cargos e pagar salário de fome a coitados que precisam estudar. Há defasagem de oficias de Justiça, e um sistema anacrônico de citações/intimações, não sendo rara a designação de ad hoc, verdadeira aberração, para cumprir diligências, todos sem transporte e outros meios de executar seu mister.