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Quando o amor não tem fronteiras

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Fortaleza 24.05.2010
Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Adoção, 25 de maio, O POVO inicia série de matérias. A adoção internacional deve se realizar apenas em casos excepcionais, mas os estrangeiros dão exemplo e adotam crianças mais velhas e grupos de irmãos
Eram as três irmãs, toda a família. Beatriz, 10, Derlane, 7, e Gislane, 4, viviam os dias num abrigo e já haviam passado da idade pela qual os casais brasileiros se interessam por adotar. Corriam o risco de completar 18 anos entre as quatro paredes de um lugar que limitava o mundo lá fora. Até que um casal italiano atravessou o Atlântico e, entusiasmado com o sonho de ter filhos, as salvou. Deu a elas o direito a um lar, a uma família. A mãe Alessandra e o pai Stéfano Abatte também se realizaram. Hoje, eles são cinco, são mais.
Esta foi a última adoção internacional realizada no Ceará, em 2009, quando sete crianças ao todo foram adotadas nestes moldes. Um casal de irmãos foi adotado por pais franceses em junho, dois irmãos por família italiana em dezembro, e três irmãs pela família Abatte, da Itália, também em dezembro. Estrangeiros têm sido exemplo, sem fazer tantas exigências na hora de adotar. “Os casais estrangeiros são mais maleáveis que os brasileiros“, afirma Raquelina Cordeiro Arruda Pinho, assistente social da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (Cejai-CE), vinculada ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE).
Ela explica que os estrangeiros costumam adotar crianças maiores de cinco anos, grupos de irmãos. “Aqui no Brasil, a cultura de adotar bebês, do sexo feminino de cor branca, já tem mudado, mas os brasileiros ainda têm preferência por crianças mais novas“, afirma. Em 2010, nenhuma adoção de crianças cearenses por casais estrangeiros foi realizada, mas, de acordo com a Cejai-CE, 34 pessoas ou casais estrangeiros estão habilitados para adotar no Ceará. “A espera por uma criança brasileira pode durar até cinco anos“, cita.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a adoção internacional deve se realizar em caráter excepcional, apenas quando esgotadas as possibilidades de a criança permanecer em sua família de origem e, em seguida, quando não houver mais chances de ser adotada por um casal brasileiro. O objetivo é proteger a cultura, a nacionalidade e a raça ou etnia da criança ou adolescente. De fato, com a adoção internacional, a criança tem de se adaptar à nova cultura, aprender um outro idioma, e pode encontrar dificuldades.
Alegria
Para Alessandra e Stéfano Abatte, adotar crianças de outra nacionalidade é bom. “Nós amamos muito a cidade de Fortaleza e os brasileiros. Assim, a nossa experiência foi facilitada, porque falávamos um pouco de português e, com as meninas, pudemos nos comunicar cedo, cedo“, pontua Stéfano. Há seis meses na Itália, Beatriz, Derlane e Gislane já conseguem se comunicar no novo idioma. “Elas já falam italiano e já começam a esquecer o português. Nós esperamos que elas não esqueçam toda a língua e, por isso, às vezes, eu e Alessandra, falamos com elas em português“, garante o pai.
Hoje, ao falar sobre a nacionalidade delas, explica que são brasileiras, mas também italianas. “Falamos que nós também gostaríamos de ser italianos e brasileiros, mas só podemos ser italianos. Quando, uma vez, falei disso à Bia, ela respondeu: -Pai… pra mim você é também brasileiro“, recorda. Segundo ele, as três meninas são muito afetuosas, não apenas com os pais, mas também com os avós e os amigos. “A alegria da adoção é muita. Elas são como o sol“, comemora Stéfano.
LEIA AMANHÃ
>Elas se reúnem, partilham experiências e apoiam outras mulheres que desejam adotar. São mães de coração, brasileiras, que se dedicam a orientar, informar e romper estigmas a respeito da adoção.
OS DEZ PASSOS DA ADOÇÃO INTERNACIONAL
1. O casal ou pessoa interessada deve procurar uma agência de adoções no seu país de origem. Lá, será encaminhada a um órgão governamental que fará a avaliação psicossocial.
>Atenção! É preciso que haja acordo do Brasil com o país de origem no que diz
respeito à adoção internacional, conforme a Convenção de Haia.
2. Em seguida, o órgão governamental responsável no país de origem orientará sobre a documentação necessária. Em seguida, os documentos são enviados para o Brasil.
3. A Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (Cejai) recebe e analisa a documentação, que primeiro passará por avaliação do Ministério Público Estadual.
4. Depois, a documentação dos candidatos a adotantes é enviada para um dos juízes do Cejai, que vai elaborar um relatório e votará pela habilitação ou não do interessado.
5. Além dele, os outros três juízes vinculados à Cejai também votam pela habilitação ou não dos interessados. Em caso de empate, o desembargador responsável pela Comissão dá o voto de minerva, desempatando.
6. Uma vez habilitado, o casal ou pessoa interessada entra na fila de espera por uma criança com o perfil desejado.
7. Só quando é localizada a criança desejada é que o casal precisa vir ao Brasil, onde iniciará o período de convivência com a criança, que dura, no mínimo 30 dias, conforme a Lei da Adoção nacional.
8. Todo o período de convivência é acompanhado por uma equipe multidisciplinar do Juizado da Infância e da Juventude, que elabora um relatório, considerando se houve vinculação afetiva da criança com a nova família. O documento embasará a decisão do juiz.
9. Um dos juízes do Juizado da Infância e da Juventude concede ou não a adoção. Se a adoção for concedida, o casal prepara a documentação necessária para a mudança.
10. Já no exterior, durante o período de dois anos, a família continuará sendo acompanhada por uma organização governamental de lá, que enviará relatórios semestrais ao Brasil com fotos, observando sempre a adaptação da criança à nova família, ao país e à cultura. Geralmente, os casais matriculam as crianças em cursos para que aprendam o novo idioma.
FONTE: Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional
E-MAIS
>A família Abatte mora numa pequena cidade de 3.000 moradores. “Elas têm amigas e brincam com elas. Bia e Dedé gostam de andar de bicicleta“, conta.
>As três frequentam a escola com muita alegria. No novo país, Derlane teve alguns problemas com alergia, mas tem aprendido muito rápido, já sabe ler e escrever. Beatriz tem sentido mais dificuldades, pois, no Brasil, começou a estudar com 8 anos. “Ela precisa de muita ajuda“, aponta Stéfano, acrescentando que nas férias ela contará com ajuda de uma vizinha para se recuperar.
> A maior dificuldade, segundo ele, é porque elas precisam, obviamente, de muitas atenções. “São três e nós estamos, até agora, nos acostumando com a novidade. Há apenas seis meses estamos em cinco. Antes éramos só dois“, explica. Todas têm boas recordações do abrigo. Às vezes, Bia fala da sua família precedente, mas Dedé e Gigi não lembram nada“.