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O cadastro positivo de consumidores é um avanço nas relações de consumo?

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23.12.2010 Opinião
NÃO
Mais um golpe de direita no consumidor. E veio de onde menos se esperava: pela aprovação do Projeto de Lei nº 263/2004 no Senado. Ele inclui o parágrafo 6º no artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), criando o cadastro positivo. Alteração desnecessária, contraditória aos ditames da lei de defesa do consumidor e prejudicial, dado que conta com redação extremamente aberta.
Desnecessária, porque o artigo 43 do CDC nunca tratou exclusivamente de cadastro negativo de consumidores, mas apenas das regras para abertura de cadastro, ficha, registro de consumo, ou seja, nunca impediu a construção de um banco de dados que trouxesse informações sobre o adimplemento dos consumidores. Então, qual seria o interesse de incluir a nomenclatura “cadastro positivo” no CDC? Melhor perguntar a bancos, financeiras, grandes bancos de dados; certamente eles têm a resposta, já que tanto comemoraram.
O fato é que a pretensão com o cadastro positivo não é outra senão saber mais ainda sobre os hábitos de consumo. É ter mais informação sobre a vida econômica, financeira e social, sem qualquer contrapartida, e ainda avaliar a capacidade de endividamento. Grandes bancos de dados já não se constrangem em ofertar às empresas análises de crédito de seus clientes, atribuindo-lhes uma nota, cruzando e ponderando informações que nos deixam perplexos por não sabermos como tais dados chegaram ao conhecimento de uma ou outra empresa.
A inclusão também fere a inteligência do CDC. Concebido para proteger o vulnerável na relação de consumo – ou seja, o próprio consumidor – sendo repleta de mecanismos para reequilibrar juridicamente uma relação que, de fato, é desequilibrada. Uma disposição legal que permite a abertura de cadastro para a inclusão de dados de adimplemento, ainda que haja autorização do consumidor, porém sem qualquer regulamentação sobre direito de privacidade, critérios de avaliação dos dados, informações que serão consideradas e acesso aos registros, vai de encontro à sistemática da Lei de Consumo. Sem dúvida, a redação extremamente aberta dará ensejo a prejuízos imediatos ao consumidor, enquanto que os supostos benefícios alardeados por quem defende o cadastro positivo, se ocorrerem, serão a longo prazo.
Os argumentos dos defensores do cadastro colocam consumidores uns contra os outros e, ao invés de diferenciar bons e maus pagadores, podem diferenciar bons e bons pagadores. É inegável que o cadastro positivo precisa ser regulamentado, mas não incluído sorrateiramente no CDC. Essa inclusão agora tem oportunidade de ser vetada. É o que os consumidores esperam da Presidência da República.
Maria Elisa Novais – Assessora jurídica do Instituto de
Defesa do Consumidor (Idec)
NÃO
Não raros são os que defendem o projeto do cadastro positivo e, sobretudo, o benefício que trará aos consumidores. Contudo, mesmo considerando a ?boa intenção? dos bancos, identifico pelo menos 10 motivos para criticar a matéria que segue para a sanção presidencial:
1º) Ela pune o consumidor que, ao exercer seu direito perante o Judiciário, se beneficia com a anulação de parcelas decorrentes de contratos manifestamente abusivos e, portanto, ilegais, e que, desse modo, se não encontram-se inscritos no rol dos ?maus pagadores?, tampouco poderão integrar o cadastro dos ditos ?bons pagadores?, simplesmente por estarem no exercício de legítimo direito assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor;
2º) O projeto silencia sobre os consumidores cujas dívidas encontram-se pendentes ou suspensas por força de decisão judicial;
3º) Será, portanto, cadastro de consumidores que moverão mundos e, naturalmente, fundos, para manterem-se submissos ao sistema imposto pelos agentes financeiros;
4º) Não traz garantias concretas que obriguem os bancos a ofertarem juros mais baixos aos inscritos, garantindo, entretanto, ao sistema, informações valiosas acerca dos clientes que ?não criam problemas ao próprio sistema?, sem considerar que a maior parte da inadimplência é reflexo do assédio comercial aliado à uma das mais altas taxas de juros do mundo;
5º) As promessas de editar MP que preencherá as lacunas do projeto revela tão somente que a matéria demanda maiores discussões;
6º) Nada mais é que um complemento do SCR do Banco Central e vem de encontro à necessidade dos bancos em rastrear a vida financeira das classes C e D, as quais, celebrando operações abaixo de R$ 5 mil, estavam livres da partilha que hoje se estabelece entre as instituições via Bacen (SRC), em torno das movimentações das classes A e B, superiores a R$ 5 mil;
7º) O cadastro só respeitaria a igualdade se fosse resultado de imposição geral, a partir do texto constitucional, o que se revela impossível diante do núcleo da Constituição que preserva a privacidade, a intimidade e o sigilo de dados;
8º) Traz como efeito a punição daquele que, resguardando seu sigilo, não deseja integrar o novo cadastro, e assim será obrigado a pagar teoricamente taxas mais caras simplesmente em decorrência do exercício de sua cidadania;
9º) Nivela o considerado ?mau pagador?, do cadastro restritivo, com aquele consumidor que, embora não possua restrição cadastral, também não figura no cadastro positivo, seja porque não autoriza sua inscrição seja porque não costuma comprar a crédito;
10º) O cadastro, como proposto, só traz vantagens aos bancos, pois legitima uma discriminação entre consumidores a partir do fornecimento de dados até então salvaguardados.
Assim, espera-se que os bancos possam apresentar outros 10 bons motivos para a aprovação do cadastro, que, como está, contribuirá apenas para que os seus balanços continuem, como sempre, muito positivos.
Hércules do Amaral – Presidente da Comissão Nacional de Defesa do Consumidor da OAB
SIM
Com a aprovação do cadastro positivo pelo Senado, o Brasil sinaliza o estado de amadurecimento de suas instituições financeiras, o que possibilita ampliar a concessão do crédito, com a velocidade e a relativa segurança que o mercado reclama, ensejando a que as empresas e os consumidores façam bons negócios. Atualmente, para a análise de concessão de crédito ao consumidor as empresas contam, apenas, com um cadastro negativo, ou do tipo ?nada consta?, que não lhes permite uma visão ampliada do histórico dos pretendentes.
Observe-se que o só fato de um pretendente ao crédito não ter consignado nenhum apontamento em relação a atraso no cumprimento de obrigação lhe confere a habilitação ao acesso pretendido. A inexistência de registro negativo gera, apenas, a presunção de que seja bom pagador. Não deixa de ser dado valioso na aprovação do crédito, porém não é o suficiente.
A limitação imposta pela simples coleta da informação negativa finda por penalizar o consumidor, porquanto o seu pleito passa a ser ponderado, tão somente, a partir de uma só e eventual pontuação desabonadora.
Uma acurada análise de concessão de crédito reclama parâmetros ampliados de dados que contemplem não só o comportamento negativo do tomador, mas a regularidade positiva no cumprimento de outras obrigações que permitam ao concedente uma visão da extensão do endividamento e da capacidade de alargá-lo ou não. Atente-se para o fato de que crédito não é um direito do consumidor, mas privilégio conferido pelo fornecedor que necessita estar seguro de que a operação será honrada.
O cadastro positivo processa, em fração de segundos, uma avaliação do comportamento financeiro do consumidor, analisando, valorando pagamentos efetuados e ponderando seu grau de endividamento, observado o prazo estabelecido na operação de crédito. Importa o realce de que o crédito não deve ser conferido apenas a quem tem restrição, mas, de igual modo, a quem se encontra com sua capacidade de endividamento no limite.
A isto se denomina consumo consciente, responsável.
O comércio, vez e outra, está sendo acusado, injustamente, de estimular o consumo desenfreado. A prova maior de que não nos interessa tal comportamento reside, justamente, em sermos os arautos maiores do cadastro positivo. Ferramenta moderna, utilizada pelas maiores economias do mundo, produz comprovados benefícios. Às empresas, por conta do menor risco às suas operações, permitindo-lhes melhor equilíbrio financeiro. Ao consumidor, o resultado se faz sentir na queda brusca dos juros.
Será de suma importância que os articuladores dos procedimentos que irão balizar a utilização do cadastro sejam vacinados contra a creditofobia, enfermidade que se manifesta com extrema alergia a tudo que esteja relacionado a capital. A título de tutela, fundamentada muitas vezes em ranço ideológico, temos assistido o Estado privar os cidadãos da liberdade do exercício de seus direitos fundamentais.
Freitas Cordeiro – Presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza