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Estagiária transforma a deficiência visual em oportunidade para levar mais inclusão ao Judiciário

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Pamela Lemos
Jornalista

Deficiência não significa ineficiência. Maria Tânia, que tem deficiência visual, é prova disso. Ela ingressou na Justiça para fazer minutas de sentenças, mas foi justamente sua condição que a fez ir além. Hoje, atua conscientizando sobre a importância da inclusão e acessibilidade. Veja na segunda reportagem da série “Judiciário inclusivo: Nós também fazemos Justiça”

O currículo orgulha a família, especialmente a mãe. Aos 27 anos, com três cursos de especialização em andamento, conciliadora e mediadora pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Maria Tânia Soares Torres também integra o grupo de estagiários de pós-graduação do Judiciário cearense. Graduada em Direito, ela foi aprovada em seleção promovida pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e, em 2019, ingressou no Núcleo de Auxílio à Produtividade, vinculado à Vice-Presidência, onde elaborava minutas de sentenças e acórdãos.

Ainda no segundo semestre do ano passado, começou a atuar no Fórum Clóvis Beviláqua (FCB). O objetivo era estar mais perto de um servidor que, assim como a jovem, tem deficiência visual, e aprender a utilizar outros recursos de áudio que tornassem mais acessível o trabalho. Foi quando Maria Tânia percebeu que poderia contribuir com o Poder Judiciário de outra forma, benéfica não somente para ela, como também para juízes, servidores, colaboradores e cidadãos que buscam atendimento.

A estudante de pós-graduação passou a atuar como facilitadora da Seção de Capacitação do FCB e, desde fevereiro deste ano, tem ministrado palestras e treinamentos que envolvem a temática da inclusão. “Chegamos a fazer algumas atividades presenciais e, desde a implantação do TeleTrabalho, em 23 de março, promovemos cursos online. Apesar de sentir falta da sala de aula, percebo o quanto são importantes esses treinamentos a distância, uma vez que conseguimos abranger um público muito maior, com participantes de todo o Estado. Estou muito feliz com esse formato”.

“JUDICIÁRIO MAIS INCLUSIVO”
Maria Tânia se orgulha de fazer parte do movimento que tem tornado o Judiciário cearense mais inclusivo. “É uma pauta bastante produtiva. Percebemos diversas capacitações desde fevereiro e não houve um só mês em que não tenhamos realizado pelo menos uma palestra”, ressalta a jovem. Assista ao vídeo.

Entre os temas abordados, estão o atendimento especializado de pessoas com deficiência, os desafios da curatela a partir da Lei Brasileira de Inclusão, e Língua Brasileira de Sinais (Libras). Ainda está sendo organizado um evento sobre o Transtorno do Espectro Autista para o dia 9 de outubro.

Para a chefe da Seção de Capacitação do Fórum, Adriana Albano, “a importância e seriedade com as quais Maria Tânia trata as questões da acessibilidade e inclusão da pessoa com deficiência, principalmente pelo fato de ela estar incluída nesta condição, nos trouxe uma maior atenção a este foco. Estamos fazendo, por meio da sua orientação, organização e atuação como facilitadora, eventos educativos importantes para a conscientização dos servidores, corroborando com a plena promoção da Justiça”.

“Vejo que o Judiciário está de braços abertos para acolher pessoas com deficiência de modo a incluí-las, e não somente integrá-las ao trabalho. A inclusão é quando a instituição acolhe a pessoa com deficiência com todas as suas limitações e se adequa às suas dificuldades. Eu sou prova disso”, comemora Maria Tânia.

DETERMINADA E COMPROMETIDA
Natural de Canindé, Maria Tânia Soares Torres foi criada em Quixadá, onde mora a família, e desde muito cedo convive com deficiência visual. “Era muito difícil porque eu aprendi a andar caindo, batendo nas coisas”.

O primeiro diagnóstico foi de nistagmo, que causa movimentos involuntários nos olhos, podendo borrar a visão. Depois adquiriu estrabismo e chegou a fazer cirurgia corretiva. Porém, aos oito anos, com atrofia do nervo óptico, os médicos também constataram a ambliopia, que gera a baixa visão e a enquadra como pessoa com deficiência visual.

Apesar das dificuldades, estudou em uma escola pública regular e contou com o auxílio dos professores, que recorriam às provas orais para avaliar o desempenho dela. “Meu campo de visão é muito restrito, para além das dificuldades de interpretação de imagem, tornando mais complicado ler por muito tempo, por isso eu preciso usar ferramenta de acessibilidade de áudio no computador”, explica.

Mas nada impediu Maria Tânia de estudar Direito no Centro Universitário Católica de Quixadá (Unicatólica), onde foi chamada para compor o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão e passou a militar nessa área. Toda a dedicação enche de orgulho a mãe, dona Veroneide Soares Torres, e a irmã, Ana Talya, que atualmente moram com a estagiária de pós-graduação em Fortaleza.

“Minhas duas filhas são meus tesouros. A Maria Tânia, mais velha, é uma pessoa muito determinada, quando se compromete vai até o final naquela luta. Tem sido assim desde que ela nasceu. Ainda aos três meses, percebemos que havia uma deficiência visual e começamos a cuidar, mas nunca a tratamos diferente. Quando ela caía, a gente levantava e mandava correr de novo, pra que se sentisse igual às outras crianças. Acho que isso foi importante porque o zelo em excesso desprotege. Como dizemos no interior: não engrossa o couro”.

FIQUE POR DENTRO
Nistagmo – movimento involuntário dos olhos que pode fazer o olho mover-se rapidamente de um lado para outro, para cima e para baixo ou em um círculo, podendo borrar ligeiramente a visão.

Estrabismo – distúrbio em que os olhos não olham exatamente na mesma direção ao mesmo tempo. As causas podem incluir lesão do nervo ou disfunção dos músculos que controlam o olho. O principal sintoma são olhos que não olham exatamente no mesmo sentido, ao mesmo tempo.

Ambliopia – é um termo oftalmológico para baixa visão que não é corrigida com óculos. Isso quer dizer que a causa desse déficit não está especificamente no olho, mas sim na região cerebral que corresponde à visão e que não foi devidamente estimulada no momento certo.

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