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Entrevista – Temos que abrir a caixa do orçamento no Judiciário

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20.12.2009 Opinião
A posse de Valdetário Monteiro como presidente eleito da OAB Ceará será em 1º de janeiro. Ele diz que a categoria não está dividida e que pretende combater a morosidade no Judiciário
A presidência da OAB tem um peso político forte. Como o senhor pretende trabalhar isso sem deixar que as diferenças prejudiquem as demandas sociais dos advogados?
Uma das primeiras atitudes da OAB como instituição é o reforço do papel social da entidade. Temos inúmeros temas para discutir, como segurança pública, meio ambiente, controle das contas públicas, acompanhamento do exercício do poder público. A OAB pode dar uma grande contribuição debatendo com a sociedade temas relevantes e que, ao meu entender, estão sendo colocados em segundo plano, sempre em uma discussão pouco aprofundada dos temas. Nossa ideia é formar grandes seminários com especialistas do País. A OAB está em nove subseções. Pretendemos que ela esteja até o meio do ano em mais nove, formando 18 subseções no Interior, como nos Inhamuns, Ibiapaba e Região Metropolitana de Fortaleza. O poder é concentrado tudo na seccional. Com subseções na RMF, há como dar apoio maior aos advogados, em locais fundamentais para o desenvolvimento do Estado, como Maracanaú, Caucaia, Porto do Pecém. A Ordem está muito além de uma entidade de classe, já que pode ingressar com determinadas medidas judiciais com reflexo direto no desempenho do poder público.
Quais as prioridades?
Os advogados e advogadas do Estado demonstraram ao longo do tempo que se sentem desprotegidos do seu órgão de classe. A primeira atitude é criar o Centro de Apoio e Defesa do Advogado e da Advocacia. Vamos mapear o Estado: quais os principais problemas da advocacia e que o Poder Judiciário enfrenta para prestar a atividade jurisdicional. Quem ingressa no Judiciário pretende ver uma sentença, uma decisão que resgate o direito usurpado. Quanto mais essa decisão de mérito ou liminar demora, mais o direito perece e mais a sociedade sofre. O advogado acaba enfrentando um problema maior porque o elo entre a sociedade e o Judiciário é a advocacia. Ser parte da administração da Justiça não significa só peticionar e fazer a gestão jurídica do cliente, é participar da atividade do Poder Judiciário, poder cobrar um serviço mais célere. O Centro vai ter profissionais pagos pela Ordem, um coordenador, cinco advogados e 20 estagiários, apoiados por um 0800 e um sistema de informática para o advogado ter acesso direto e gratuito à Ordem e para que seu reclame seja registrado. Assim ele pode cobrar da OAB uma resposta àquele procedimento, e nós vamos saber quais os processos conclusos e não julgados, as varas no Interior que não têm juiz, que não têm servidores.
De que forma essa escassez de pessoal e de informações dificulta a resposta para a sociedade? Há comarcas em que 90% dos servidores não têm qualquer conhecimento jurídico e técnico para exercer a função. Eles não tiveram acesso ao Código Civil, ao Código de Processo Civil, à Constituição. São servidores cedidos de prefeituras, de câmara municipal e que estão ali por necessidade. Não podemos recriminar essas pessoas, a gente sabe a dificuldade de emprego. Mas é preciso ter conhecimento para produzir melhor.
O que a Ordem pode fazer, nesse sentido?
Aprofundar o debate sobre orçamento do Poder Judiciário. Estou no processo de Ordem há nove anos e nunca participei de uma rodada de debate para discutir o orçamento do Tribunal. Se nós somos parte da administração da Justiça, como está na Constituição, nós temos que abrir essa caixa e analisar, até para ajudar o Poder Judiciário. Sem análise mais aprofundada, os bons juízes, servidores, oficiais de justiça e desembargadores ficam no meio dessa burocracia e não se pode identificar o que funciona ou não.
Como o senhor espera lidar com as dificuldades nesse processo?
Temos que ter coragem e responsabilidade de debater esses temas. No Brasil três justiças têm mais efeito com a população: a Federal, a Estadual (Comum) e a Justiça do Trabalho. Na Justiça Federal há centros de excelência em quase todo o Brasil, os servidores ganham bem, as estruturas de funcionamento são melhores. E por que a Justiça Estadual é relegada ao segundo plano? Precisamos entender melhor esse mecanismo. Sem o debate e sem coragem de enfrentar esses problemas, vamos ficar durante muitos anos reclamando da falta de celeridade. Queremos publicar, uma vez por mês, um ranking das instituições que estão funcionando.
Após a campanha, o senhor disse que “não existe mais vencido nem vencedor, o que existe é a instituição, os advogados, as advogadas e a advocacia”. Como unir a categoria após um pleito tão acirrado?
Não entendo a classe tão dividida. Tivemos candidatos com 50 votos, outro com 1.300 e dois próximos um do outro. Isso mostra que a categoria pensou de diferentes modos na hora de votar. Fizemos uma campanha propositiva, pela paz, pela ética, de ampla divulgação. Existe um distanciamento muito grande da advocacia que se faz na Capital da do Interior. É papel fundamental dos conselheiros, do presidente, dos diretores firmar as propostas de modo que atendam a toda a classe, não importa o voto.
Qual foco será dado à formação do advogado, já que as reprovações no exame da Ordem são constantes?
Uma das questões que a advocacia tem que enfrentar é que os cursos de Direito não formam advogados, mas bacharéis, que podem ser advogados, juizes, promotores, delegados, oficiais de Justiça. Para ser advogado, é preciso enfrentar o primeiro concurso público, que é o exame de ordem, que faz uma triagem pelo mínimo de conhecimento adquirido na universidade. Mesmo assim quem passa no exame e presta juramento à OAB não tem formação para o exercício da advocacia. Nós recebemos a carteira, prestamos juramento e somos impelidos ao mercado de trabalho do jeito que saímos da faculdade. É propósito nosso criar um curso preparatório para o exercício da advocacia, de dois, três meses, com noção de marketing jurídico, de administração e prática.
O que a OAB fará para combater a morosidade no Judiciário?
Publicizando as informações que vamos colher, expondo essa chaga, abrindo as informações, mostrando ao Poder Judiciário onde estão as deficiências e propondo de imediato soluções. O mais importante é capacitar os advogados para uma nova realidade: a informatização e virtualização dos processos. Hoje temos funcionando, em paralelo, três modelos de virtualização. Cerca de 60% da advocacia têm dificuldade de operar um ou outro. O advogado é quem utiliza isso no dia a dia, mas ele foi tolhido da discussão, por uma omissão histórica, não por culpa do Judiciário. Aqui no Ceará, só 20% dos advogados têm carteira com chip, sendo que os que usam não chegam a 5%. Temos como alvo a virtualização dos processos administrativos da Ordem.
Como a Ordem irá combater a corrupção nas eleições de 2010?
Pretendemos instalar uma comissão de acompanhamento do processo eleitoral em fevereiro. A OAB tem um discurso muito da porta para dentro. A gente tira pela própria eleição da Ordem. Sucessivamente há processos desorganizados. Essa segunda foi extremamente complicada, a começar pelo local. Temos que contribuir com a política partidária, mas temos que rever nosso processo eleitoral, obrigando a prestação de contas. Com acompanhamento das eleições partidárias normais, podemos cobrar do poder público.
A campanha foi marcada pelos gastos. Qual o orçamento da chapa e as fontes de doação?
Não sabemos precisar exatamente quanto foi gasto por um motivo muito simples: como não há obrigatoriedade de prestação de contas e a chapa é um coletivo – são quase 60 pessoas – e os gastos são feitos de forma dispersa, não há concentração das informações. A gente termina o processo eleitoral sem prestar contas à advocacia e dá uma ideia para a sociedade de que a campanha foi muito maior do que ela realmente foi.
Quando a eleição da OAB acontece em ano de eleição partidária, a nossa se dilui. Como nessa eleição e na de 2003 não há processo paralelo, a eleição da OAB se potencializa e levanta muito mais interesse da população. A principal fonte de doação é o próprio advogado. No nosso caso 100% do que foi gasto na campanha foi fruto dos próprios operadores e da advocacia que participa do processo. É o advogado que coloca adesivo no carro, que entra no site, que adquire a camisa, o boné.
Quando isso envolve recursos e mesmo política, como não fazer disso um jogo de poder?
A OAB é uma entidade 100% independente, não recebe um centavo do poder público. Todos os recursos que a OAB gera e manuseia nas suas atividades vêm da advocacia, da anuidade que o advogado paga. Não há dinheiro do Judiciário, do Executivo, do Legislativo. Então ela tem independência econômico-financeira. A outra independência que a OAB tem que ter é dos poderes públicos. Não podemos permitir partidarização. Não importa se o candidato é do partido A, B ou C. Ali ele é advogado. E o papel dele é defender a advocacia e a sociedade. É parte do nosso juramento enquanto advogados a defesa da cultura jurídica, da sociedade, da cidadania e da advocacia. A não partidarização significa manter a entidade independente.
O senhor descarta chance de concorrer a cargo político?
Totalmente. Quero exercer a advocacia até o final dos meus dias. Não pretendo concorrer a nenhum cargo público. Minha participação na OAB é devolver à entidade o muito ou quase tudo que ela me deu. Estou lá para defender o cargo, fui eleito para isso, e vou nele até o final. Não vou fazer da OAB um trampolim político para galgar outros cargos.
Fique por dentro
Quem é Valdetário
Natural de Arneiroz, Valdetário Andrade Monteiro é advogado há 15 anos. Desde 2000 exerce cargos na OAB. Foi presidente da Comissão de Estudos Tributários, diretor e secretário geral. Atualmente, é presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Ceará (Caace). No último dia 11, o Conselho Federal da OAB confirmou a vitória do candidato para a presidência da Ordem no Ceará. Ele obteve 3.738 votos; Erinaldo Dantas, 3.716 ; Edson Santana, 1.219 ; e Francisco José Colares, 56. A OAB Federal manteve o resultado inicial ao negar pedido de liminar apresentado pela chapa que ficou em segundo lugar, que alegava irregularidades na votação no Crato. A OAB entendeu que não havia falhas no processo.
MARTA BRUNO REPÓRTER